Folha de S. Paulo


Neto de Ermírio de Moraes lança filme 'Novo Capitalismo': lucro e propósito

Ele carrega o nome e o sobrenome do avô, símbolo do capitalismo brasileiro no século 20.

Antonio Ermírio de Moraes Neto, 31, cofundador da Vox Capital, fundo de investimento de negócios de impacto social, é narrador, produtor e protagonista de "Um Novo Capitalismo".

O documentário dirigido por Henry Grazinoli, que será lançado no dia 29, percorre Índia, México e Brasil para mostrar que capital e propósito podem ser sócios em uma nova economia.

O patriarca Antonio Ermírio de Moraes, morto em 2014, ergueu um império à frente do Grupo Votorantim e se destacou com obras benemerentes, como o hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

Já o neto não aposta na filantropia, mas nos próprios mecanismos de mercado para vencer desigualdade social e problemas como acesso à saúde, moradia, educação de qualidade e renda.

Logo no começo do documentário, Moraes Neto cita o dado da Oxfam: as 63 pessoas mais ricas do planeta concentram a mesma riqueza que as 3 bilhões mais pobres.

E na sequência, ele explica o conceito do setor no qual aposta como investidor. "Negócio social é pensar em dois eixos: a busca pelo retorno financeiro e pelo impacto social. Na lógica tradicional, era um ou outro. A grande inovação é pensar no e. É possível buscar as duas coisas ao mesmo tempo".

A ideia do filme nasce de uma viagem iniciática à Índia, em 2008, quando o então universitário, outros três colegas de FGV (Fundação Getúlio Vargas) e a produtora de cinema Priscila Martoni, da Talk Filmes, partem com a ideia na cabeça para um périplo de um mês e meio por Índia e Bangladesh.

O mochilão por dois dos países mais pobres do mundo acabou definindo a trajetória profissional de parte da turma e uma década depois virou fio condutor do longa metragem.

O destino foi se desenhando a partir da leitura do livro "A Riqueza na Base da Pirâmide - Como Erradicar a Pobreza com o Lucro", do indiano C. K. Prahalad.

"A Viagem me deu a concretude de que existe um mundo diferente, o tal setor dois e meio", relata Moraes Neto, que um ano depois do tour desistiu de uma proposta de emprego na consultoria Booz Allen para criar a Vox Capital.

Trocava ali o crachá de executivo pelo cartão de visitas de empreendedor social.

PARTE DO PROBLEMA

"Não são simples as soluções, mas eu sinto que sou parte de problemas como desigualdade social e mudanças climáticas", diz ele.

O herdeiro do grupo Votorantim relata ter se colocado uma questão central: qual legado quer deixar para construir uma sociedade mais sustentável e inclusiva?

As repostas foram dadas, em parte, por personagens como o economista Muhammad Yunus,vencedor do Nobel da Paz em 2006 e guru de uma geração de jovens empreendedores sociais ao redor do mundo.

O economista que fundo o Grameen Bank, conhecido como o "banco dos pobres" abre e fecha o documentário de 1 hora e 15 minutos. "Pobreza é escuridão", define, enquanto se descortinam imagens de Madurai, na Índia, onde a equipe de filmagens conta o caso de sucesso de uma rede de clínicas oftalmológicas que já atendeu 46 milhões de indianos cegos ou em vias de perder a visão.

Em 1976, a Aravind era uma clínica com 11 leitos e hoje se espalha por dez unidades hospitalares na Índia, oferecendo serviços oftalmológicos a preços acessíveis ou gratuitos para os 80% dos casos de catarata que têm cura com cirurgia.

Desenhado como negócio social, o paciente diz se pode ou não pagar (a maioria opta pela dignidade do tratamento pago a preços e lugares acessíveis) em um serviço que procura "maximizar a produtividade dos médicos e o uso de equipamentos para obter lucro nas operações".

Modelo que encontra eco no Brasil. "Sonho com um mundo em que você não precise escolher entre mudar o mundo e ganhar dinheiro. Você pode fazer os dois", acredita Cláudio Sassaki, cofundador da Geekie, negócio social que ganhou o Prêmio Empreendedor Social 2014.

A plataforma Geekie, que usa a tecnologia para auxiliar no aprendizado dos jovens e prepará-los para o Enem, já impactou mais de 4 milhões de alunos no país.

CASA PRÓPRIA

Além de casos na área de educação e saúde, "Um Novo Capitalismo" exibe o modelo da Terra Nova para mediar conflitos fundiários e resolver parte do dramático problema de moradia nas grandes cidades brasileiras.

O filme mostra a atuação do advogado André Albuquerque no caso de reintegração de posse no Jardim Lourdes, na Grande São Paulo.

Ameaçados de despejo e de derrubada das casas, os moradores tentam acordo para pegar, em prestações, pelo terreno invadido, em um modelo desenhado pela Terra Nova, que já permitiu a regularização de 20 mil títulos de propriedade no país.

"A Iniciativa privada tem condições de resolver mais rápido estas mazelas humanas. Por isso, acredito em uma solução que nasça no próprio mercado", diz André. "O setor dois e meio faz com que o dinheiro circule nas necessidades e retorne para o capital."

A moradora Daiane de Souza agradece a solução digna para o seu sonho da casa própria construída sobre terreno alheio e quer pagar pelo lote onde ergueu o seu lar.

"Complicado acordar e ver sua casa no chão?", diz Daiane, enquanto exibe orgulhosa as paredes erguidas por ela e o marido e enfeitadas com flores.

UTOPIA

"A utopia sempre está no horizonte", diz Moraes Neto. Segundo ele, o campo de negócios sociais deixa de ser utópico quando exibe resultados.

Um exemplo é o Compartamos, que concentra 42% dos empréstimos a microempreendedores mexicanos. "Eles tem uma escala que lhes permite ter a menor taxa de juros do setor no México."

Em terras brasileiras, o documentário mostra como uma "banqueira" de 25 anos, "que não é herdeira nem deu golpe do baú", criou o Banco Pérola, no interior de São Paulo.

Alessandra França conta que se inspirou no livro "O Banqueiro dos Pobres", de Yunus, que leu quando tinha 16 anos. "Crédito vem de acreditar, resgatamos este sentido bonito da palavra."

No filme, ela crítica o vale tudo pelo lucro, "quando vale tudo mesmo. Vale degradar o meio ambiente, vale condições de trabalho ruins, vale um produto que não necessariamente faz bem para o consumidor".

O Banco Pérola emprestou mais de R$ 6 milhões, especialmente para mulheres da base da pirâmide.

Alessandra é o quarto caso apresentado no longa que pretende disseminar a ideia de que um novo capitalismo é possível.

Logo depois, entra em cena novamente Yunus, crítico do sistema que coloca o lucro no centro e transforma seres humanos em "robôs" em busca incessante por dinheiro.

Uma fala sob medida para os jovens que botaram o pé na estrada há dez anos.

"O caminho do robô é estudar, conseguir o melhor diplomata, para ter o melhor emprego, na melhor companhia", afirma o Nobel da Paz. "As escolas deveriam incentivar os jovens a descobrir seu propósito na vida."

Uma lição levada ao pé da letra por Moraes Neto e outros dois colegas de faculdade e de viagem, Nina Valentini, 30, fundadora do Arredondar, que venceu o Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2016, e Fernando Mistura, analista da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em Paris.

O trio é sócio da produtora Dois e Meio, correalizadora do documentário.

"Fazer o filme foi uma forma incrível de aprender muito sobre empreendedorismo com propósito. Tivemos que mergulhar fundo em um processo trabalhoso que durou muito tempo e chegou ao cinema graças à persistência e resiliência de todos nós", diz Nina.

Ela criou o instituto Arredondar que atua na captação de microdoações individuais no varejo, por meio de arredondamento de troco na boa do caixa, e que são distribuídas para organizações sociais e ambientais previamente selecionadas.

"Empreendedorismo é isso: ter uma visão e não desistir dela", resume Moraes Neto.

Enquanto seu avô industrial escreveu três peças teatrais, o empreendedor social da família acabou enveredando pelo audiovisual com o mesmo propósito. "Com o filme queremos inspirar mais pessoas e passar a mensagem de que um novo capitalismo é possível", afirma.

Moraes Neto aposta na multiplicação do impacto do documentário, que será distribuído também em plataformas como YouTube e VideoCamp.

"As estruturas tradicionais estão ruindo", conclui. "O poder está indo para o indivíduo. Economia criativa, novas tecnologias, economia compartilhada são modelos que me deixam muito otimista em relação ao futuro."


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