Folha de S. Paulo


TRÉPLICA

Procurador embaralha conceitos para afastar críticas a delações

Bruno Santos - 11.abr.2017/Folhapress
SÃO PAULO, SP, 11.04.2017: FÓRUM-NEGÓCIOS - Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da força-tarefa da Lava Jato, no segundo dia do Fórum Conformidade nos Negócios, promovido pela Folha de S.Paulo, no MIS em São Paulo. (Foto: Bruno Santos/Folhapress)
Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da força-tarefa da Lava Jato

O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que sequer foi citado no artigo que critica, recorre a um conhecido argumento de autoridade ("eu sei o que estou falando e você, não") para confundir os leitores.

Em síntese, ele diz que o acordo de delação premiada adotado pelo Ministério Público Federal é mero passo de uma investigação. E que, se o delator mentir, o acordo será revogado.

A argumentação estaria essencialmente correta não fosse por um detalhe, que ele escondeu no seu texto e que é o centro do artigo por ele atacado: o Ministério Público Federal já havia denunciado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outras pessoas com base no depoimento do ex-senador Delcídio Amaral mas depois resolveu o contrário, pedindo a revogação do acordo.

Parece ser necessário lembrar que a denúncia pressupõe o fim da investigação e não o seu começo. A menos que se queira transformar a ação penal em um novo inquérito, o que sempre é uma possibilidade em um país que não cansa de surpreender. Teríamos, assim, dois inquéritos sucessivos, um "mais ou menos" e outro "para valer". É o que sugere o artigo do procurador Santos Lima, que vê com extrema naturalidade o Ministério Público fazer uma coisa com a mão esquerda e desfazê-la com a direita.

Quando um procurador da República apresenta sua denúncia ao juiz para afirmar que determinado cidadão cometeu um crime, é exigência ética que ele já tenha usado todos os instrumentos possíveis de investigação.

A denúncia levada a juízo representa o ápice e o ponto final do que teria sido um exaustivo procedimento investigatório. Ela não pode ser desqualificada a qualquer momento, e justamente por quem a apresentou.

Se existe confusão, como diz o procurador, é possível ver de onde está vindo e onde está sendo produzida.

Para Santos Lima, é uma equação simples: se o delator "mentiu", o acordo é revogado. Mas para os envolvidos e para a própria imagem do Ministério Público Federal, está longe de ser tão simples.

Primeiro, o Ministério Público não conseguir comprovar uma história contada por um delator não significa necessariamente que ele mentiu. Nesse sentido, o delator pode acabar penalizado por um trabalho mal conduzido pelo Estado brasileiro, outro ponto do meu artigo do qual o procurador desviou.

Em segundo lugar, inúmeros inquéritos têm sido abertos a partir de uma única delação, em mais uma opção controversa da PGR (Procuradoria Geral da República). Ela tem iniciado uma investigação para cada ponto de uma delação, criando inquéritos separados por nomes de pessoas, em vez de fazer poucos inquéritos e deles partir para denúncias fundadas em provas diversas.

Esse fatiamento cria "listas" de investigados, que fazem muito sucesso e, aliás, também têm servido para linchamentos virtuais. Com o passar do tempo, porém, estamos vendo o que acontece: arquivamentos sucessivos.

A realidade é muito diferente da versão açucarada de Santos Lima. O episódio do caso Delcídio mostra um Ministério Público Federal que bate cabeça, mas a culpa, segundo o procurador, é de quem "não compreende" o modelo de delação empregado pelo MPF.

Ao rapidamente sugerir ao Judiciário, piamente e sem contraditório, o perdão judicial para delatores ainda na fase preliminar do inquérito, antes que suas declarações tenham sido devidamente apuradas, e apresentar denúncias com base nisso, os procuradores na prática podem estar contribuindo para ampliar a impunidade. Lá na frente, o Judiciário estará às voltas com processos mal instruídos e carentes de provas (a propósito, isso já está acontecendo). O problema é do juiz, que ainda vai ser "acusado de absolver". Muito barulho, muita espuma, e absolvições a granel. Nós já vimos esse filme.

Os inegáveis sucessos da Operação Lava Jato -que aliás são reflexo do trabalho de todo um grupo de órgãos públicos e pessoas e não patrimônio exclusivo de procuradores da República- não podem eliminar discussão, identificação e correção de falhas de procedimento, pois a conta lá adiante pode ser amarga, com o descrédito das instituições e a banalização da delação premiada como instrumento de combate ao crime.


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