Folha de S. Paulo


'Trump é um narcisista', diz o cineasta Frederick Wiseman em Veneza

Tiziana Fabi/AFP
O diretor em Veneza, no lançamento do documentário 'Ex Libris - The New York Public Library
Frederick Wiseman em Veneza, no lançamento do documentário 'Ex Libris - The New York Public Library'

O cineasta americano Frederick Wiseman, 87, apresentou na noite de domingo (3) o filme mais longo deste Festival de Veneza. Com 3 horas e 17 minutos, o documentário "Ex Libris – The New York Public Library" não tem a menor pressa ao abordar aspectos variados da maior biblioteca pública nova-iorquina.

Mas os livros talvez sejam a coisa menos relevante do filme. Para Wiseman, é o caráter social de uma biblioteca que tem importância.

"As várias unidades espalhadas pela cidade são uma combinação de centros comunitários e educacionais. Ela se tornou muito mais do que um simples depósito de livros", disse o cineasta veterano, na entrevista que concedeu à imprensa em Veneza na tarde de segunda-feira.

O filme apresenta as diversas unidades da NYPL e suas especificidades –e, logo, as dos habitantes da região de cada uma. A câmera de Wiseman mostra o espaço físico da biblioteca e seus frequentadores, destacando as atividades voltadas à população.

Há muitos trechos de palestras, vários deles trazendo discussões centrais nos EUA de hoje (racismo, imigração, fé islâmica). Assim, mais que falar da biblioteca, o diretor faz um panorama do país atual e, mais especificamente, de Nova York.

"É um espelho de vários aspectos da vida na cidade. Acho que todo bom filme precisa funcionar em dois níveis: um concreto e um abstrato. Ao mesmo tempo que queria mostrar o uso da biblioteca em si, pretendia também mostrar as implicações desse uso", diz o diretor.

Mesmo indiretamente, o filme (como tem sido regra nesta edição de Veneza) traz críticas ao governo Trump.

"A biblioteca tenta ajudar pobres e imigrantes, procura motivá-los. Há um interesse genuíno nisso. Já Trump é narcisista e indiferente ao sentimento alheio. É o oposto de tudo o que a biblioteca representa", disse o diretor.

O filme traz um conteúdo respeitável e discussões esclarecedoras, mas Wiseman perde tempo demais com reuniões administrativas –e o filme, além de longo, por vezes mostra mais interesse na instituição que no material humano que a câmera capta.

Essa paixão por retratar instituições não é de hoje: filmes como "Titicut Follies" (1967), sobre um manicômio, o tornaram um dos documentaristas mais importantes de seu país. Na entrevista, foi indagado sobre qual entidade ainda gostaria de filmar. "A Casa Branca ou a CIA. Mas não me dão acesso", riu.

MULHER EM FÚRIA

Também na competição, o drama "Three Billboards Outside Ebbing, Missouri", do inglês Martin McDonagh (de "Na Mira do Chefe"), traz Frances McDormand como uma mulher em fúria pelo estupro e morte da filha.

Divulgação
A atriz Frances McDormand em cena do filme 'Three Billboards Outside Ebbing, Missouri
A atriz Frances McDormand em cena do filme 'Three Billboards Outside Ebbing, Missouri'

Ela escancara em outdoors sua insatisfação com a lerdeza da polícia –que, segundo ela, está mais preocupada em torturar os negros da cidade que pegar o criminoso. É claro que, com isso, ele está mexendo em um vespeiro.

Contundente, apesar de desigual, o filme é sobre a ira do cidadão americano (e de qualquer lugar) atual.

Para compor a personagem, a atriz disse que sentiu falta de modelos femininos.

"A mais adequada era Pam Grier, dos filmes de 'blaxploitation', mas ela era sensual demais, diferente do meu papel. Então recorri a John Wayne", disse a atriz, que recebeu muitos elogios, assim como Sam Rockwell, que vive no filme um policial racista.

Os dois são nomes fortes tanto na disputa dos prêmios de atuação em Veneza como entre os concorrentes ao Oscar do ano que vem.


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