Folha de S. Paulo


Temos que ensinar machões a serem afetuosos com os filhos, diz 'papai pop'

Gisele Sauer
Marcos Piangers, 37, e as filhas Anita,12, e Aurora, 5
Marcos Piangers, 37, e as filhas Anita,12, e Aurora, 5

Marcos Piangers (pronuncia-se "piângers"), 37, jornalista catarinense cujos livros sobre as delícias e as agruras de ser pai já venderam 150 mil exemplares, é o primeiro a reconhecer a ironia de sua situação: virou uma espécie de profeta da paternidade participativa mesmo sem ter tido uma figura paterna (o homem que engravidou sua mãe a abandonou).

Piangers, porém, contesta a lógica pseudofreudiana segundo a qual o descaso do pai biológico automaticamente explicaria sua ânsia de caprichar nessa missão.

"As pessoas às vezes me dizem isso, mas eu acredito no contrário: se eu mesmo tivesse tido um pai presente, acho que seria um pai melhor ainda", argumenta ele.

O autor cita as estatísticas que mostram que meninas que não são acompanhadas de perto pelo genitor tendem a ter relacionamentos mais precoces e a também se tornar mães solteiras, enquanto garotos que vêm desse tipo de ambiente familiar muitas vezes também abandonam seus filhos. "Eu consegui quebrar esse ciclo, que infelizmente é uma história muito comum no Brasil."

Pai de Anita, 12, e Aurora, 5, Piangers narra os detalhes curiosos, comoventes e surreais da criação das meninas em crônicas reunidas nos best-sellers "O Papai é Pop" e "O Papai é Pop 2" (há ainda uma versão em quadrinhos da primeira obra e o volume "A Mamãe é Rock", escrito por Ana Cardoso, mulher dele).

Pais e mães que geraram seus filhos em qualquer momento da última década e meia inevitavelmente vão se reconhecer nas histórias, dos poderes mágicos da Galinha Pintadinha e da Peppa Pig para amansar os pequenos indóceis ao eterno peso na consciência sobre dosar a alimentação, o sono, o acesso à cama conjugal no meio da noite e, claro, o uso de tablets e smartphones.

As crônicas, além disso, são especialmente eficazes ao retratar a mistura de caos e encantamento gerada por crianças que estão crescendo –algo que provavelmente tem a ver com um dos ídolos literários de Piangers, o americano Kurt Vonnegut (1922-2007), autor de clássicos da ficção científica como "Matadouro 5".

"O Vonnegut adota um ponto de vista quase infantil, ou às vezes o ponto de vista de um alienígena, para tentar explicar o caos que é este planeta para quem acabou de chegar nele, e eu acho que isso tem muito a ver com o universo infantil. As crianças estão o todo tempo reexplicando o mundo para gente, como pequenos cientistas", compara.

A lógica é implacável –como a vez em que Anita, já na pré-adolescência, ouviu a explicação básica sobre como surgem os bebês e comentou com os pais: "Que nojo! Quer dizer então que vocês já fizeram sexo duas vezes?".

Tal como o autor americano, os livros não se esquivam diante do lado mais sombrio da vida –ambos começam abordando o fato de que a mãe do autor chegou a decidir que interromperia a gravidez e acabou voltando atrás.

Piangers conta que só descobriu esse fato pouco antes de concluir o primeiro livro, quando sua mãe foi diagnosticada com câncer e precisou extrair o útero. "Conversar sobre essas questões mais profundas e traumáticas foi uma terapia pra nós dois."

LIBERTAÇÃO

Ao defender uma mudança no modelo tradicional da paternidade e argumentar que os pais precisam colocar a mão na massa tanto quanto as mães, Piangers não estaria mexendo num vespeiro e colecionando "haters" entre o público mais conservador? Ele afirma que não.

"Eu acho importante tratar com muito respeito todos os lados. E o que eu tenho visto, quando eu converso com os meus amigos mais machões –aqueles caras que batem no peito pra dizer 'nunca troquei uma fralda, nunca vou lavar uma louça'–, é que faz diferença ajudá-los a entender a lógica da coisa.

Afinal, se as mulheres hoje estão em outro momento, se elas estão no mercado de trabalho, lidando com uma série de demandas que não existiam décadas atrás, os homens também não podem ficar parados", argumenta.

"Portanto, ser um pais mais participativo, mais afetuoso, vai ajudar esses caras a resolver uma série de problemas do casamento deles e, principalmente, vai melhorar muito o crescimento daqueles que deveriam ser as pessoas mais importantes da vida deles, que são os filhos", diz Piangers.

"Quando esses caras mais machões entendem isso, é um negócio saudável e até libertador –e ninguém está pedindo que eles parem de jogar futebol e saiam dançando a macarena", brinca.

Apesar do sucesso dos dois primeiros livros, Piangers ri quando pergunto se já tem planos para publicar uma nova obra. "Cara, eu sei que é comum entrevistas terminarem com esses dados sobre projetos futuros e tal, mas a verdade é que não tem nada no momento, não."

O Papai É Pop 2
Marcos Piangers
l
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Nos últimos tempos, ele diz que resolveu "dar uma desacelerada".

Encerrou os contratos que tinha com o programa "Encontro com Fátima Bernardes" (no qual trabalhou como repórter) e com a RBS (afiliada da rede Globo em Porto Alegre) e manteve apenas as colunas que escreve para os jornais "Zero Hora" e "Diário Catarinense", além de continuar a atuar como palestrante. Mudou-se para Curitiba com a família –dá para levar as filhas a pé para a escola, a mais velha por volta das 7h30, a menor às 9h, explica.

"O prédio não tem elevador nem espaço gourmet, mas até aí eu nem tinha conseguido usar o espaço gourmet do outro condomínio mesmo. Foi a melhor decisão da minha vida", brinca.

O PAPAI É POP/O PAPAI É POP 2
Autor Marcos Piangers
Editora Belas Letras
Quanto R$ 29,90; 112 págs. (cada edição)

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CAUSOS DE UM PAPAI POP

A dor e a delícia de ser genitor, segundo Marcos Piangers

ESSE NOME É MEU E NINGUÉM TASCA

Ilustrações Fernando Mola/Editoria de Arte/Folhapress

"Entre os pais, existe uma regra não declarada que é a regra do 'peguei primeiro!'. Ao decidir o nome da criança, os pais devem anunciar alto e rapidamente para todos os chegados. Nenhuma mulher grávida nessa mesma época, no círculo de amigos e conhecidos, poderá usar o mesmo nome que você escolheu."

ALGUÉM DEVOLVA A MINHA CAMA

"Já tentei a estratégia 'dormir na cama delas para que pensem que a cama delas é a minha cama e passem a dormir sempre lá'. Não funcionou porque elas me espancavam na cama delas E na minha cama, seguindo-me no meio da noite. Já tentei a 'trincheira de travesseiros' me separando delas durante a noite, mas elas rompiam a barreira."

PRAZER ANTISSOCIAL

"Os filhos são um trunfo do antissocial. Pequenas crianças são a desculpa perfeita para faltar a qualquer evento: 'Não fui, pois o bebê dormiu' na verdade significa 'Eu realmente não estava a fim de sair de casa'"

SUPERPODERES DA CHUPETA

"A senhora tomou a nossa bebê recém-nascida, que chorava sem parar, dos nossos braços. Tirou da bolsa uma chupeta e um pote de funchicórea, colocou o pó no bico e deu pra criança. Silêncio imediato. 'Os pediatras passam e a chupeta fica', ela disse."

DUAS VEZES?!

"Quando finalmente chegou a hora de falar o que é sexo para a minha filha pré-adolescente, minha mulher passou as informações e explicou que foi assim que nasceram nossas duas filhas. 'Blerg! Que nojo! Quer dizer então que vocês já fizeram sexo duas vezes?'"


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