Folha de S. Paulo


Brasileiros doam menos dinheiro e país cai em ranking de solidariedade

O percentual de brasileiros que doam dinheiro para organizações sociais caiu de 30% em 2015, resultado recorde, para 21% no ano passado. É o que aponta o World Giving Index 2017, conhecido como ranking mundial da solidariedade.

"A queda é um reflexo da crise financeira, do desemprego e da crise de confiança nas instituições como um todo, que afeta inclusive as ONGs", afirma Paula Fabiani, presidente do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), responsável pela divulgação do estudo no Brasil e parceira do Prêmio Empreendedor Social.

Com a diminuição desse indicador, o país caiu sete posições no ranking geral, ocupando a 75º colocação. No último relatório, o Brasil ficou em 68ª lugar, melhor classificação desde 2009, primeiro ano do levantamento do CAF (Charities Aid Foundation).

Para Fabiani, a perda de rendas das famílias demorou para ser percebida e impactar os hábitos de consumo e de doação.

Já o bom resultado do ano anterior foi alavancado pela ajuda a Mariana (MG), após o desastre com o rompimento de uma barragem, que devastou vários municípios às margens do Rio Doce e gerou comoção nacional.

Brasil: ranking em 5 anos

Para chegar a uma média final, o estudo leva em conta, além de doações em dinheiro, outros dois fatores: a proporção de pessoas que se voluntariaram e que ajudaram um desconhecido, no mês anterior a pesquisa.

Ambos têm resultados positivos. Um em cada cinco brasileiros fizeram algum tipo de trabalho voluntário. Cerca de 33 milhões de pessoas.

Esse percentual, que era de 13% em 2012, atingiu 20% pela primeira vez. Segundo a presidente do Idis, o crescimento veio na esteira dos Jogos Olímpicos.

"A Olimpíada trouxe um espírito de voluntariado e gerou engajamento", diz Fabiani. "O desafio agora é transformar essa tendência em uma prática rotineira, independente dos grandes eventos."

Mais da metade (54%) das pessoas ouvidas disseram ter ajudado um estranho. Essa segue sendo a atitude mais praticada pelos brasileiros.

ÁFRICA É DESTAQUE

Foram entrevistadas 146 mil pessoas em 139 países e, segundo o relatório, houve um declínio geral nos índices de solidariedade.

Contramão dessa piora, a África foi o único continente que conseguiu manter o bom desempenho de 2015 e ainda registrar aumento nos três comportamentos avaliados.

Na lista dos 20 países mais generosos, seis são africanos e foi a primeira vez que um país da África, o Quênia, chegou à terceira posição do ranking.

Inédita também a redução dos percentuais das economias mais desenvolvidas. EUA, Austrália e Reino Unidos caíram três posições no ranking geral. Os britânicos não figuram nem mais o top 10.

Top 10 Índice Global de Solidariedade

Fabiani explica que o nível de doações está muito mais ligado à cultura que à riqueza. No caso africano, ela atribui à cultura das tribos, mas ressalta que é a primeira vez que isso acontece. "Nos últimos cinco anos, o continente teve os menores indicadores globais."

Ao contrário de Mianmar, país asiático com baixo PIB per capita, que conquistou o primeiro lugar pelo quarto ano consecutivo.

Resultado impulsionado pela forte cultura budista –e graças, sobretudo, ao percentual de 91% de pessoas que doaram dinheiro para organizações.

A conquista, no entanto, contrasta com a situação difícil do povo rohingya, que tem cidadania e o direito de possuir terra ou propriedade negados pelo governo.

No ranking regional da América do Sul, o Brasil está em sexto, atrás de Chile, Equador, Uruguai, Colômbia e Bolívia.

Para ser destaque no quadro de países generosos, segundo a presidente do Idis, é preciso inserir a solidariedade no cotidiano. "O voluntariado não faz parte da conversa na família, no trabalho do brasileiro. "

É necessário, ainda, conquistar a classe média para o hábito de doar. "Os gastos da classe média mundial, em 2030, estão estimados em R$ 200 trilhões, se doassem 0,5% disso, totalizaria R$ 1 trilhão. E, no Brasil, essa camada é muito representativa."


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