Folha de S. Paulo


Fiz um passeio temático sobre 'Sex and the City' e vi um lado bizarro de Nova York

"Sex and the City", a série da HBO mais detestada e amada sobre mulheres, moda, orgasmos, namoro e Nova York (não necessariamente nessa ordem), já saiu do ar há 11 anos. Se Carrie Bradshaw fosse uma pessoa de verdade, hoje ela teria 48 anos. "Sex and the City 2" saiu cinco anos atrás. A franquia morreu - e, junto com ela, a Manhattan imaginária dos anos 90, onde as pessoas podiam fumar em restaurantes e bancar apartamentos enormes para guardar sua gigantesca coleção de sapatos escrevendo 500 palavras por semana.

Só que a série vive - em nossos corações e mentes, claro, mas também na HBO GO e na forma da Tour Sex and the City, que promete levar as pessoas para "se aventurarem no bairro fashion MePa, que as garotas frequentavam". Ignorando a gramática (e o apelido bisonho que eles deram para o Meatpacking District), o passeio é tão popular que, quando tentei comprar o ingresso (por cerca de US$ 50) numa sexta-feira, tanto o ônibus das 11 da manhã como outro estritamente para falantes de alemão já estavam lotados.

O que esse monte de alemães está fazendo num passeio temático sobre "Sex and the City"? Por que alguém pagaria para dar esse rolê? Por que eu pagaria para dar esse rolê? A resposta mais curta é que, desde que voltei a Nova York, sinto falta de amizades femininas na minha vida. Quando saí da cidade, aos 22 anos, eu morava com a minha melhor amiga e me envolvia em situações que beiravam o absurdo. Quando voltei, aos 25 anos, eu e ela voltamos a morar juntas, mas o namorado dela também estava lá, e nossos estilos de vida eram tão diferentes que eu me sentia um empecilho na domesticidade recém-descoberta dela. Eu me ocupava saindo com um grupo de amigos que, estranhamente, era formado principalmente por caras. Por um tempo, a única interação que eu tinha fora de bares de esporte era tirar sarro de "Sex and the City" com minha amiga na hora do jantar. Com o tempo, nossas maratonas irônicas da série se tornaram maratonas sinceras para mim, sozinha. Eu não conseguia articular exatamente por que gostava de "SATC", embora talvez minhas colegas de passeio pudessem explicar. Na pior das hipóteses, pensei comigo, pelo menos eu estaria cercada de estrogênio.

No ônibus das 15h aonde acabei embarcando, encontrei o número esperado de mulheres de meia-idade - o tipo de pessoa que diz coisas como "Eu sou tão Samantha" - mas também um bom número de universitárias e até oito homens (todos maridos ou namorados).

"Vocês estão no lugar certo, senhores?", provocou nossa guia. "Isso aqui não é a tour de 'The Sopranos'."

A questão sobre "Sex and the City" é a seguinte: essa é uma série muito popular, até mesmo um marco cultural para várias gerações de minas, porém não é reconhecida como uma série boa. Ninguém vai mencionar isso na mesma leva de dramas prestigiados e centrados em homens como "The Sopranos", "The Wire", "Breaking Bad", "Deadwood", "Game of Thrones" ou "Mad Men". A série não é voltada para os mesmos alvos desses programas. "SATC" até tem seus momentos dramáticos, mas isso sempre periga virar uma comédia ou novela sentimentaloide - ou uma mistura péssima dos dois. "SATC" também não envelheceu bem com sua falta chocante de diversidade e insistência desconfortável em tropos de gênero, entre outras ofensas. É difícil imaginar um show hoje se safando depois de chamar as pessoas de "travestis", como a Samantha fazia na temporada três, por exemplo, ou quando a Carrie fala sobre seu carinho pelo "ouro do gueto", se referindo ao colar com uma plaquinha com seu nome.

Só que, apesar de todos os problemas, me apaixonei por "Sex and the City", assim como a Carrie foi sugada pela atração gravitacional inescapável do Mr. Big. Admitir que você gosta da série geralmente vem com uma certa vergonha: ela é muito basiquinha e tosca, ou obviamente "coisa de menina". Se você gosta de Sopranos, ninguém vai te acusar de idolatrar mafioso; no entanto, se curtir "SATC", todo mundo imagina que você adooora cosmopolitans e sapatos caros. Ou é assim que me sinto.

Mas ninguém no passeio estava usando vestidos de grife - éramos um público de jeans e camiseta, uma coleção principalmente de turistas que não tinham o menor interesse em morar em Manhattan, quanto mais participar das escapadas sexuais quase sem consequências de Carrie e sua turma. O ônibus era tipo uma despedida de solteira com mulheres que não se conheciam, não podiam beber e estavam sempre ouvindo que deviam se divertir.

Quando o ônibus saiu dos arredores de Columbus Circle, no centro de Manhattan, a guia passou um vídeo nas telas de LCD acima dos bancos. No trecho da série, a aparentemente ninfomaníaca relações-públicas Samantha Jones acabou de transar com um senhor muito mais velho. Quando ele vai até "o banheiro dos meninos", ela se sente enojada. A cena era obviamente uma técnica para quebrar o gelo. "Repitam comigo", instruiu a guia. "Bunda murcha. Bunda murcha. Bunda murcha." Todo mundo seguiu a deixa, soando como uma versão ainda mais demente da cena "um de nós" de "Freaks".

Quando estávamos confortáveis discutindo trepadas ficcionais, a guia começou a repassar o itinerário do dia. Como o site prometia, íamos nos aventurar pelo MePa, "visitar o local do ensaio do jantar de casamento de Carrie e Big" e "explorar o bar de Steve e Aidan".

O bar era onde todo mundo ia poder posar com cosmos, que são tipo as motos para os fãs de "Sons of Anarchy". "E se a ideia de um drinque rosa não atrai vocês, senhores", a guia provocou de novo. "É só pensar que tem uma cerveja gelada esperando vocês no final do passeio. Esse pode ser o seu mantra: cerveja, cerveja, cerveja."

Nesse ponto do passeio, não consegui deixar de pensar: 'Que diabos estou fazendo aqui?'. Só uso calça jeans, mal consigo pagar o aluguel e acho a ideia de garotos e garotas se beijando nojenta - eu não sou uma Carrie, uma Miranda, uma Samantha ou uma Charlotte. Eu nem consigo debater as críticas de que as moças de SATC são insossas, obcecadas por homens e nem tão legais assim umas com as outras.

Mario Tama/Getty
Cosmopolitans servidos no Onieal's durante um passeio em 2008. Foto po Mario Tama/Getty.
Cosmopolitans servidos no Onieal's durante um passeio em 2008

Todavia, segundo a guia do passeio, "Sex and the City" é um programa incrível sobre moças glamorosas que moram em Nova York, a cidade mais glamorosa do planeta! Enquanto passávamos por West Village, a guia falou para prestarmos atenção nas celebridades. Ela disse que Suri Cruise frequentava um parquinho por onde passamos e que o resto do passeio estaria cheio de figurinhas do TMZ, como o restaurante onde o Richard Gere gostava de comer. Nunca cruzei com nenhum famoso quando morava aqui, mas, como por mágica, uma celebridade nível A, na forma de Jesse Eisenberg, virou a esquina usando fones da Apple.

Aí vieram as outras paradas. Primeiro, uma sex shop em West Village, onde tivemos a "oportunidade" de comprar um vibrador Rabbit com US$ 1 de desconto - o que ninguém fez, provavelmente porque ninguém quer comprar um brinquedo erótico na frente de um monte de estranhos e ter de ficar carregando isso num bar. Depois, fomos até o prédio que servia como varanda da Carrie, local de onde pudemos tirar fotos de muito longe "para não incomodar os moradores". Em seguida, paramos na Michael Kors, onde tínhamos 10% de desconto se gastássemos US$ 300 durante a parada de dez minutos.

A Nova York da Sex and the City Tour é a Nova York da série - nessa versão da cidade, o Lower East Side continua sendo legal, os outros bairros ainda são inomináveis e transporte público ainda é coisa de pobre. (Num episódio de SATC, Carrie fica numa situação tão apertada que é obrigada a andar de ônibus, o que é mostrado como um sacrifício humilhante.)

"Quem aqui já pegou o metrô?", a guia perguntou. Poucas pessoas levantaram a mão. "Quem aqui nunca pegaria o metrô?" A pergunta retórica virou um alerta aos senhores a bordo para cuidar das carteiras se um dia se aventurassem pelos túneis.

A hipérbole sobre a cidade GRANDE, MÁ e CARA continuou enquanto nos aproximávamos do Onieal's, um bar em Little Italy que servia de locação para o negócio de Steve e Aiden na série. "Agora, em Manhattan, é comum pagar US$ 20, US$ 25 ou até US$ 30 por um coquetel", informoua guia, mentindo descaradamente. "Mas conseguimos um desconto especial com o pessoal do Onieal's, e vocês podem tomar um cosmo por apenas US$ 10."

Apesar da propaganda enganosa - consigo beber por US$ 2,50 no meu bairro, obrigada -, a parada no Onieal's finalmente me deu a chance de fazer o que eu queria desde o começo: perguntar aos outros por que eles estavam ali e o que eles tinham achado da coisa toda.

Bebericando meu cosmopolitan superfaturado, abordei Sebastian e Alex, um casal francês que morava na Austrália, embora tivesse vindo a Nova York para fazer o passeio como parte da lua de mel, tamanho era seu amor pela série. Também havia um grupo de universitárias do Alasca, e uma delas contou que sua personagem favorita era a "Melinda". Conheci também o casal muito de boa Gene e Jeannine. Eles eram da Filadélfia e simplesmente adoram passeios temáticos; por isso, viajavam regularmente pelo país. "É um jeito ótimo de conhecer a cidade", me disse Jeannine.

Por que eles gostavam tanto de "Sex and the City"? Essa era a única coisa que eles não conseguiam me dizer - tudo que consegui foram respostas dando de ombros como "É engraçado" ou "Não sei, só acho bom!". "SATC" inspira fãs, não fanáticos. A série foi pensada para ser descartável, descaradamente brega e capaz de dramatizar alguns conselhos de relacionamento bastante óbvios. Há pouca ambiguidade, menos referências literárias ainda e a violência é emocional em vez de física, o que a separa das séries mais aclamadas pela crítica hoje. Só que, depois de toda essa conversa sobre como as séries de TV são os "novos romances", é legal voltar à época na qual um programa podia ser apenas uma desculpa para passar um tempo com as amigas - algo que a TV ainda tem muita dificuldade para retratar, sinceramente.

Apesar de todo o brilho superficial de "Sex and the City", a série é sobre como é difícil conseguir a simples segurança de um relacionamento saudável com um parceiro e a possibilidade de relaxar e encontrar o tipo de felicidade entre amigos que pode ser sua âncora. Pode ser divertido viver a existência despreocupada do "MePa", gastar US$ 50 em um drinque, US$ 40 mil em sapatos e nunca ter de pegar o metrô porque você ficou rica escrevendo sobre os encontros sexuais das suas amigas. Mas o mundo da Carrie é como a Nova York dos turistas - um lugar legal para visitar por 30 minutos, embora você nunca fosse querer morar lá.

A matéria original pode ser lida no site da VICE.


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