Folha de S. Paulo


Como é ser libertado de uma prisão federal dos EUA após 25 anos

Sentei numa calçada dentro do portão de ferro da Penitenciária dos EUA em Atwater, Califórnia, na manhã do dia 13 de agosto de 2012. Aquele era meu 9.135º dia de encarceramento - e seria meu último. Os agentes do DEA me prenderam por liderar um esquema de distribuição de cocaína mais de 25 anos atrás, em 11 de agosto de 1987.

Mas eu não estava livre ainda. Eu tinha de servir meu último ano dentro de uma casa de passagem na esquina da Taylor com a Turk, no Distrito Tenderloin, em São Francisco. O responsável pelo meu caso me disse para comparecer ao portão traseiro às 7h30. O guarda só apareceu às 8h30.

"Você é Santos?"

"Sim."

"Deixe o cara passar", ele falou em seu rádio antes que os portões se abrissem. "Vamos lá."

Foi isso. Trinta minutos depois, o guarda terminou a papelada administrativa da minha soltura. Andei - sem correntes! - através de longos corredores, sentindo o cheiro dos solventes de limpeza industrial do chão recentemente encerado. Passamos por barras de ferro que se abriram eletronicamente. Finalmente, eu tinha chegado à minha última porta de ferro. Ouvi um zumbido eletrônico, e a porta se abriu. Entrei no saguão, o mais perto da liberdade que já estive em muitos anos.

Até o ar parecia diferente.

Pisei no saguão da penitenciária e vi Carole. Nos casamos na sala de visitas de uma outra prisão no dia 24 de junho de 2003. Fora aquelas horas de visita, onde sentávamos um ao lado do outro, com luzes fluorescentes fortes - e guardas intrusivos nos observando -, nunca estivemos juntos assim antes. Quando a vi, uma antiga música de Tony Orlando tocou na minha cabeça: "Tie a yellow ribbon round the ole oak tree, if you still love me...". Ela estava usando um vestido com um cinto amarelo marcando a cintura. Pela primeira vez, eu podia beijar minha esposa sem me preocupar com um guarda nos interrompendo.

"Vamos sair daqui", ela afirmou.

Reprodução/michaelsantos.com
Michael Santos, que ficou 25 anos preso em penitenciária nos Estados Unidos
Michael Santos, que ficou 25 anos preso em penitenciária nos Estados Unidos

Carole me visitava nas prisões há mais de uma década e mal podia esperar para deixá-las para trás. Não tínhamos muito tempo juntos. Os guardas autorizaram apenas três horas para que ela me levasse até a casa de passagem em São Francisco.

"Isso é seu", ela falou, me entregando um iPhone enquanto eu colocava o cinto de segurança no carro dela.

Eu nunca tinha segurado um celular moderno, nunca tinha usado a internet, nunca tinha mandado um e-mail. Essa tecnologia não existia quando fui preso.

"É muito pequeno", eu comentei. Eu tinha visto fotos de iPhones em revistas, mas esse parecia pequeno e leve. Quando coloquei o telefone na orelha, achei que não estava funcionando porque não havia tom de espera.

Carole riu ao mesmo tempo em que me mostrava como fazer ligações e usar os vários aplicativos. Enquanto ela dirigia, falei com familiares e amigos, admirando a paisagem da liberdade.

"Sou Michael Santos."

O guarda do outro lado do vidro me disse para falar mais alto. "Acabei de ser liberado da prisão em Atwater. Eu deveria ter chegado uma hora antes, mas o trânsito estava péssimo."

Abracei Carole e demos um beijo de despedida; depois, o guarda me deixou passar. As regras permitiam que eu levasse meu iPhone e um pacote que a Carole tinha cuidadosamente preparado para mim. A casa de passagem deveria ser minha residência pelo ano seguinte.

O guarda me passou pelo sistema e lá dentro informou que seu nome era Fidelis. Pelo sotaque, percebi que ele era da Nigéria (muitos dos outros detentos em Fort Dix, Nova Jersey, eram de lá). Ele pareceu legal. Quando respondi quanto tempo tinha ficado preso, ele pareceu querer me ajudar e me poupar das interferências burocráticas que eu tinha antecipado.

"Bem-vindo ao lar", afirmou Fidelis, me dando uma chave e me dizendo que eu ficaria no quarto 217.

Décadas tinham se passado desde a última vez em que segurei uma chave.

A casa de passagem era um mundo novo. Por exemplo, o lugar era misto. Centenas de pessoas enchiam o saguão, homens e mulheres. Em vez de uniformes, eles usavam suas próprias roupas. Eles estavam comendo pratos de restaurantes. Eu cumpriria meu último ano dentro de várias prisões de segurança mínima - fiquei em prisões de segurança máxima pelos primeiros 15 anos da minha pena. Cada prisão tinha o seu próprio clima, porque os prisioneiros compartilhavam a mesma custódia e as mesmas classificações de segurança. A casa de passagem, por outro lado, confinava pessoas de todo nível de segurança. Condenados por assalto à mão armada cumpriam pena junto com grávidas presas por falsificar cheques. Fiquei imaginando quanto tempo levaria até que eu pudesse comprar comida na cidade.

Depois de me apresentar para Tom, meu novo colega de quarto, aprendi muito mais.

"Esse lugar é uma merda", ele reclamou.

Tom me contou sobre suas experiências. Segundo sua perspectiva, o responsável por seu caso não tinha simpatia pelos desafios que ex-detentos enfrentavam no mercado de trabalho. Por exemplo, depois que Tom convenceu um mecânico a contratá-lo como zelador, ele esperava conseguir um passe para passar os finais de semana em casa. Em vez de encorajar Tom liberando o passe, seu agente recusou. Ele citou políticas que proibiam passes de final de semana até que ele completasse aulas que a casa de passagem oferecia durante suas horas de trabalho. Frequentar as aulas autorizariam Tom a passar os finais de semana em casa, mas prejudicariam seu emprego. Esses tipos de obstrução, para ele, pareciam piores que as interferências na prisão.

Quem não tinha emprego, explicou Tom, não conseguia passar muito tempo fora da casa de passagem. Assim que conseguisse um emprego, segundo ele, eu poderia conseguir o passe para casa nos finais de semana. Mas, para me qualificar para os passes, eu precisava concluir dez aulas. O responsável pelo meu caso me explicaria tudo no dia seguinte.

Frank Sinatra cantou sobre ganhar a vida em Nova York - se você conseguir viver lá, consegue viver em qualquer lugar. Passei por 25 anos de prisão e não tinha dúvidas de que conseguiria passar um ano numa casa de passagem - apesar das complicações que meu agente apresentou. Porém, sem dúvida, um quarto de século na prisão tinha me preparado para qualquer desafio de uma casa de passagem.

No dia seguinte, sentei à mesa em frente a Charles, o responsável pelo meu caso. Seu perfume tomava a sala. Com pomada escorrendo pelo cabelo, Charles parecia muito com o ator Billy Dee Williams. Ele me olhou espantado quando eu contei que tinha conseguido um emprego antes de ser liberado da prisão. "Estou pronto para começar a trabalhar assim que você permitir", eu frisei.

"Como você convenceu alguém a te empregar quando ainda estava preso?"

"Comecei a me preparar para sair no dia em que fui condenado", respondi. "Isso fez toda a diferença. Apesar da interferência do sistema, me eduquei, publiquei livros e construí uma rede de apoio."

"Para trabalhar", ele destacou, "você vai precisar pagar pela subsistência. Isso é 25% da sua renda bruta."

"Sem problema. Tenho dinheiro guardado para cobrir minhas despesas por mais de um ano. Vou pagar o que for exigido se você me deixar trabalhar."

Charles me olhou curioso, como se eu fosse um macaco que tivesse aprendido a falar. Como eu podia me apresentar a partir de uma posição de força, minha relação com o responsável pelo meu caso começou diferentemente da de Tom. Em vez de exigir que eu frequentasse as aulas, Charles falou que eu podia simplesmente escrever uma redação. Ele me deu um passe para andar pela cidade a fim de que eu pudesse comprar roupas de trabalho. No dia seguinte, eu estava fora, pronto para começar a construir minha vida. Com um trabalho esperando, eu tinha autorização para sair da casa de passagem às seis da manhã, seis dias por semana. Eu precisava voltar até as 21 horas toda noite. Basicamente, eu só dormia ali. Depois de chegar, recebi o passe de final de semana para ficar em casa com Carole.

A preparação que fiz dentro da prisão ajudou a me ajustar mais facilmente na casa de passagem em São Francisco. Nem todo prisioneiro tem essa oportunidade.

Tradução de Marina Schnoor

Leia no site da Vice: Como É ser Libertado de uma Prisão Federal dos EUA Após 25 Anos


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