Folha de S. Paulo


A periferia de SP não está satisfeita com o número de ciclovias

Recentemente, a ONU anunciou 17 metas globais para os próximos 15 anos. A meta pro Brasil é redução das desigualdades. Inspirados por isso, pensamos numa série de matérias pra VICE, Noisey, Thump e Motherboard.

Há sete anos trabalhando como limpador de córregos, Paulo César escolheu a bicicleta para se locomover da Vila Penteado, bairro onde mora, até o serviço. As aventuras no trânsito da zona norte não são poucas. "Hoje mesmo, uma lotação me fechou", relata. Ele e diversos ciclistas paulistanos acreditam que as ciclovias, que hoje contemplam boa parte do centro expandido e alguns outros bairros, precisam chegar à periferia o quanto antes.

Em 2012, uma das propostas do prefeitoFernando Haddad (PT) era a utilização da bicicleta como meio de transporte, e não só como lazer, através da construção de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. A meta até 2016, quando o mandado de Haddad estará encerrado, é atingir os 400 km de pistas exclusivas para ciclistas. Em Nova York, funcionou: 400 km foram feitos em quatro anos. Atualmente, segundo a prefeitura de SP, 356,8 km de malha cicloviária já foram implantados pela cidade.

Para o técnico de informática Roberson Miguel, morador do Jardim Peri e cicloativista representante da região norte da cidade de São Paulo na Câmara Temática de Bicicleta, a questão não é só a instalação das faixas na periferia, mas sim a conexão com a região central. "De certa maneira, nenhuma ciclovia dos locais considerados periferia, que são os extremos da cidade, vai até o centro de forma direta."

Para ele, que também é voluntário da Ciclocidade - associação que constantemente realiza contagens para mensurar o número de ciclistas em regiões não contempladas pelas faixas específicas -, bairros como Jardim Brasil, Edu Chaves e Grajaú possuem um número relevante de fluxo sobre as duas rodas, embora eles não contem com ciclovias. Roberson acredita que, a partir do momento em que o ciclista da periferia recebe o "tapete vermelho", ele começa a ter uma nova percepção. "Ele não sente mais a pressão de ser um pé-rapado, um estorvo, um problema. Ele percebe que tem direitos na cidade."

Por e-mail, a prefeitura de SP não nega que o centro expandido tenha sido privilegiado na ordem de construção da malha cicloviária, garantindo que projetos voltados para bairros mais afastados estão no planejamento. "[Eles] atenderão demandas de ciclistas fora do centro estendido da cidade, [pessoas que] estão em Parelheiros e Capela do Socorro (zona sul); Vila Maria, Vila Guilherme e Cachoeirinha (zona norte); e São Miguel e Aricanduva (zona leste)", informou a assessoria de imprensa.

Ciclovias sem conexões até podem ajudar quem quiser se aventurar a passeio ou fazer coisas de bicicleta na região onde mora, porém não ajudam o trabalhador que se locomove nos horários de pico. É o caso da ciclofaixa na Cidade Tiradentes, na zona leste. "Essa infraestrutura não leva o ciclista até o centro. Faz com que ele fique dentro do seu próprio bairro", explica Roberson. Outros bairros afastados do centro, como São Mateus, São Miguel Paulista e Campo Limpo, seguem o mesmo modelo.

Morador da Vila Nova Cachoeirinha, o vendedor Jean Canhoto leva 1h30 de ônibus até o trabalho, no bairro de Pinheiros. Quando faz o trajeto de bicicleta, são 45 minutos. Para ele, que investiu R$ 1.600 na magrela, a falta de segurança no trânsito é um empecilho para enfrentar o trajeto de bike diariamente. "Às vezes, eu estou no farol verde e já vem carro passando com pressa. Poucos são gentis e respeitam o espaço." O medo de ser roubado também existe. "Aqui mesmo, na região, tem muito assalto. Se passar uma bicicleta como a minha, levam embora", destaca.

As faixas exclusivas pressupõem um espaço mais seguro. De acordo com uma pesquisa da Ciclocidade divulgada recentemente, o número de ciclistas aumentou 116% na ciclovia da Avenida Paulista desde a sua inauguração, em junho deste ano.

Para o cicloativista Roberson, a percepção de quem se locomove de bicicleta na periferia não é a mesma de quem já anda pelo centro expandido. "Os motivos que fazem a pessoa andar de bicicleta também são outros", diz. Economizar o dinheiro do transporte coletivo seria a principal razão. "Ela precisa daquilo pra ir até o trabalho, até a escola, [para] fazer alguma coisa no bairro que tenha mais distância."

É o caso de Valtécio da Silva, morador do Jardim Damasceno que há oito anos trabalha num pet shop no Jardim Cecy. "Já pensei em andar de bicicleta. Economizaria na condução, mas é muito perigoso. Aqui, ninguém respeita os ciclistas", afirma.

Quando o assunto é mobilidade, a prefeitura cita outros feitos, como as faixas exclusivas para ônibus; o passe livre para estudantes da rede pública; e também a padronização do limite de velocidade, "com o objetivo de melhorar a segurança de pedestres, ciclistas e motoristas nas vias da capital".

Outras questões sociais entram em jogo quando as demandas da periferia são atendidas. Para Roberson, que, no dia da entrevista, passou 14 horas em uma avenida da região norte fazendo contagem de ciclistas - para coletar dados e, entre outros motivos, pressionar o poder público -, o resgate da cidadania é preponderante. "A bicicleta é só a cereja do bolo", fala.

Leia no site da Vice: A periferia de SP não está satisfeita com o número de ciclovias


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