Folha de S. Paulo


Os eSports precisam crescer, e antidoping é um passo essencial

ESL/Divulgação
Os eSports Precisam Crescer --e Antidoping É um Passo Essencial
Os eSports Precisam Crescer –e Antidoping É um Passo Essencial

Como muitas crianças-prodígios, os eSports estão passando por uma adolescência esquisita. Não é tipo montar numa bola de demolição e se esfregar num tio de meia-idade numa premiação, mas isso podia muito bem ir parar no rehab.

Apesar de possuir mais dinheiro do que o necessário para saber o que fazer com ele, a cena tem um certo problema de credibilidade. Mesmo atraindo multidões, para ser levado a sério isso vai ter de lidar com questões como escândalos de partidas armadas, sexismo e os rumores cada vez mais presentes de doping.

Doping, para quem prefere que drogas sejam estritamente recreativas, significa "administrar drogas para inibir ou melhorar a performance esportiva". Geralmente, isso acontece com cachorros, cavalos de corrida e atletas tradicionais, mas histórias de gamers profissionais usando drogas para melhorar a concentração nas partidas circulam há anos.

A indústria não existe há tempo suficiente para saber qual será o impacto se esses rumores de doping forem verdade. Se houver uma falta de confiança nos videogames como esporte, veremos todos os jogadores usando drogas apenas para se manterem competitivos –ou essa será a percepção do público. Torneios endinheirados como o The International, do Dota 2 (com um prêmio de quase US$ 18 milhões atualmente), serão assombrados por essas acusações. O resultado de escândalos similares no ciclismo profissional ainda não desapareceu; assim, se os eSports acabarem como Lance Armstrong, poderemos ver a morte dessa indústria em ascensão.

Nenhum dos corpos de regulamentação dos eSports tinha tomado uma ação em relação a esses rumores –até agora. Recentemente, a ESL anunciou a introdução de testes de drogas aleatórios, e, agora em agosto, a Gfinity disse publicamente que vai seguir o exemplo.

Minha reação inicial ao doping nos eSports é: e daí? Adolescentes tomam drogas para lidar com situações sociais há décadas. Por que eles não deveriam usar Ritalina ou Adderall para melhorar a concentração nos videogames?

É tudo uma questão de imagem: eSports estão prosperando na mídia mainstream, porém, se isso for maculado por rumores de doping, será difícil trazer e manter grandes patrocinadores enchendo as piscinas de dinheiro da cena.

Isso não muda minha reação inicial, mas tenho meus preconceitos, claro. As festas de LAN house adolescentes que eu frequentava estavam cheias de latas de Rockstar e fracassos em primeira pessoa. Se alguém me oferecesse uma pílula que me ajudasse a acabar com os meus amigos no jogo, eu teria tomado, e sem nem considerar a possibilidade de colocar as mãos num prêmio multimilionário por isso. Então por que proibir drogas? Achei melhor começar perguntando para um médico.

Ligando o modo pai rapidamente aqui: tomar remédios sem prescrição médica é uma péssima ideia –e se a dominância nos eSports fosse realmente tão fácil quanto tomar Adderall e embolsar um prêmio enorme, todo mundo estaria fazendo isso. O que poderia dar errado?

Ritalina e Adderall são as drogas preferidas para enfrentar desafios mentais como estudar, prestar exames ou, neste caso, jogar videogame competitivamente. Ritalina é usada para tratar TDH e, às vezes,narcolepsia. O médico com quem falei, que pediu para permanecer anônimo, destacou precisamente o que pode dar errado.

"Em pacientes saudáveis, Ritalina pode causar um fluxo de neurotransmissores que ativam o sistema e causa uma hiperatenção. O que realmente acontece é que a Ritalina induz um estado constante de 'lutar ou fugir' no corpo humano. O impacto disso num corpo saudável não pode ser menosprezado. Especialmente quando o remédio é tomado cronicamente por um longo tempo."

Os efeitos a longo prazo da Ritalina são tipo um "cara a cara" das más notícias médicas: insônia, ansiedade, inquietação, hipertensão e taquicardia leve podem ser o que o futuro reserva para os usuários habituais da droga.

Uma overdose não seria muito melhor: vômito, espasmos musculares e até coma podem acontecer se a pessoa exagerar na dose, o que é mais fácil do que você imagina, já que muitos desses medicamentos são adquiridos ilegalmente e mudam de fórmula de país para país. Considerando a pouca idade dos atletas dos eSports e os prêmios em dinheiro para os grandes competidores, não é difícil imaginar que a pressão pode levar alguém a passar dos limites.

Alex Tutty é um associado da firma de advocacia Sheridans e representa várias empresas dos eSports. "As entidades comandando os torneios precisam de competidores; logo, devem se certificar de que exista um campo justo é muito importante para elas", ele afirma. "Também é importante que elas façam isso um passo de cada vez para não prejudicar ninguém que esteja tomando drogas que provavelmente não deveria."

Tutty está numa boa posição para falar sobre os problemas que os corpos de regulamentação dos eSports podem enfrentar nesse sentido: "Definir regras pode ser difícil, porque, sempre que você define uma regra –algo que os advogados adoram fazer–, vai haver alguém tentando contornar isso. Então, você precisa testá-las o máximo possível e pesar todas as possibilidades futuras. Mas os eSports estão numa posição invejável, com muitos outros esportes e códigos de conduta em que se espelhar, além de exemplos de como implementar e fiscalizar essas regras. Vendo outras soluções, os organizadores poderão escolher as partes mais efetivas e aprender com os erros na área. Um exemplo poderiam ser os limites WADA para certas drogas prescritas, sendo o uso terapêutico uma exceção. Os eSports podem usar esses exemplos para criar seus próprios códigos".

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Os eSports Precisam Crescer --e Antidoping É um Passo Essencial
Os eSports Precisam Crescer –e Antidoping É um Passo Essencial

É sempre bom lembrar que importante é ter lei reativas. "Se algo surgir na cena, alguém sempre vai pensar: 'Ah, essa droga ainda não foi proibida. Vamos começar a tomar isso'.", diz Alex. "E é importante ter leis reativas para dizer 'Certo, essa droga está proibida agora'".

Um código de conduta terá um longo caminho pela frente até levar os eSports à legitimidade que a cena tanto busca. Editor do eSports Pro, suplemento de jogos competitivos da MCV, Chris Higgins acha que este é um momento definidor.

"Houve várias ocasiões nos últimos anos em que o assunto doping surgiu nos eSports", ele me conta. "A maioria era apenas isso: rumores. No entanto, alguns eram mais críveis - ainda que vindos de fontes anônimas. Mas, até agora, essas alegações eram varridas para debaixo do tapete. O fato de o ESL, um dos maiores organizadores de torneios, ter reagido a outro rumor sem substância é notável.

"A ação deles para prevenir o doping mostra que a indústria quer se livrar de qualquer sombra de jogo injusto e evoluir [na formação de] uma autoridade global para cimentar essa abordagem. Existe a possibilidade de outros quererem seguir o exemplo."

Profissionais dos eSports podem se prejudicar no futuro por se meterem com drogas, mas a verdadeira razão para definir o que é proibido ou não tomar é apresentar uma imagem limpa que os patrocinadores possam comprar. Esses testes antidoping são uma proclamação pública dos eSports para proteger seu futuro.

Ainda é cedo para saber se essas medidas antidoping serão o primeiro passo para um código de conduta mais abrangente, porém isso passa uma mensagem forte: os eSports estão crescendo - e não há mais lugar para doping.

(Obrigado a Alex Tutty e Chris Higgins por suas contribuições.)

Tradução de Marina Schnoor

Leia no site da Vice: Os eSports Precisam Crescer - e Antidoping É um Passo Essencial


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