Folha de S. Paulo


Ceará busca se diferenciar no Nordeste por meio de revolução na gastronomia

O Ceará, Estado que historicamente concentrou seu olhar para fora, hoje vive um processo de busca de identidade, de ensimesmar-se.

Um eixo dessa movimentação é o tratamento recente que a gastronomia, outrora sem muitas particularidades, passou a receber de uma nova safra de cozinheiros. Um caminho, aliás, que em um só tempo serve à retomada de autoestima do povo e estimula o turismo, traços mais fortalecidos em Pernambuco e na Bahia, na mesma região.

Essa cozinha apelidada D.O.C., "com denominação de origem cearense", passa a ser sustentada por produtos regionais, como forma de expressão e exaltação do local.

Elementos como os peixes, o bode, a rapadura, as frutas tropicais, a pimenta-de-cheiro, o feijão-verde, a manteiga de garrafa são submetidos a técnicas mais modernas e apuradas, sem que seja ferido o essencial: o sabor que os identifica ao seu Estado.

Um Estado cuja cozinha conjuga influências do mar, da serra e do sertão e, que, embora marcada pela escassez, soube exibir-se rica, colorida e perfumada -uma potência, um símbolo de ufania.

Surge um esforço coletivo de cozinheiros, acadêmicos, pesquisadores e órgãos públicos para identificar o que é genuinamente cearense. "Há uma confusão do que é nosso de verdade. O Nordeste se confunde nas fronteiras", diz João Lima, articulador de gastronomia do governo do Ceará. "Baião de dois é só nosso? Paçoca é só nossa?", questiona.

Inspirado em modelos bem-sucedidos, como o do Peru, país eleito pelo sexto ano consecutivo como melhor destino culinário pelo World Travel Awards, o governo busca estimular a cadeia da gastronomia, de ponta a ponta, para torná-la atraente ao viajante. "Trabalhar insumos locais desperta a curiosidade do turista para visitar mercados, para conhecer um engenho", diz Lima.

O ato de cozinhar -e valorizar ingredientes e modos de preparo regionais mais profundamente- vira ferramenta para construir e demarcar, afinal, esse Ceará.

"Há um esforço para identificar o Ceará a partir da comida", diz o sociólogo Filipe Camelo, pesquisador do Observatório Cearense da Cultura Alimentar, cuja fundação não completou nem um ano e envolve grupos de estudiosos em torno das várias áreas da comida.

"O que diferencia a cozinha cearense da nordestina? Hoje, particularmente, nada", diz Bia Leitão, cozinheira especializada em antropologia da alimentação e também integrante do observatório. Ela diz que, diferentemente da Bahia, de Minas Gerais e do Pará, Estados nos quais existem culinárias reconhecidas, o Ceará não tem uma cozinha genuinamente regional. Seu movimento é justamente "unir forças para que possamos dizer: isto é uma cozinha cearense".

A jornalista viajou pela Expedição Fartura - Comidas do Brasi, da qual é curadora


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