Folha de S. Paulo


Fé e rio Ganges são as estrelas da sagrada Varanasi, na Índia

Nas margens do Ganges, um dos sete rios sagrados da Índia, grupos de pessoas lavam roupas, crianças brincam de afogar umas às outras enquanto homens vestindo apenas trapos tomam banho nessas águas consideradas purificadoras pelos hindus.

Dez metros adiante, há pequenos focos de incêndio. A fumaça misturada com a poluição do ar ajuda a formar uma espessa camada cinza sob o céu de Varanasi, localizada no Estado de Uttar Pradesh, no nordeste do país, e considerada também uma das sete cidades sagradas do hinduísmo —segundo os brâmanes (sacerdotes hindus), ela foi fundada pelo próprio deus Shiva, criador da ioga.

As fogueiras são feitas de cadáveres, em rituais de cremação e purificação.

Os restos mortais, jogados como oferenda no mesmo rio em que os moradores da cidade se banham, retiram água para cozinhar ou lavam os dentes, colaboram para aumentar o nível de contaminação bacteriana no rio, que pode ser venerado de várias maneiras, inclusive pela ingestão de sua água.

De acordo com as últimas medições feitas no local, esse nível já está quase 3.000 vezes maior do que o permitido pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Pela fé hindu, qualquer pessoa que seja cremada em Varanasi corta o ciclo de reencarnação da alma. Não só os moradores da cidade, com população estimada em pouco mais de 1 milhão, morrem lá. Hindus de outras regiões viajam quando estão muito doentes e ficam hospedados ali à espera da morte.

Deepak Gupta, 36, acompanhou o pai até ali nos seus últimos dias de vida, respeitando o desejo do moribundo. Depois de um dia no trem desde Mumbai e outros quatro ao lado do leito de morte, Deepak raspou a cabeça, envolveu o pai morto em panos brancos e rezou para o deus Shiva antes de acender a pira da fogueira que transformaria o corpo em pó.

Primogênito, sabia desde pequeno que caberia a ele guiar o ritual de morte do pai. "Assim como o caçula sabe que a responsabilidade será dele quando chegar a hora de nossa mãe", explica.

De acordo com a tradição, jovens de até 15 anos, mulheres grávidas e pessoas que morrem em decorrência de picada de cobra não precisam passar pelo ritual de purificação. Nesses casos, a crença é que as almas já estão libertas, e os corpos são jogados inteiros no Ganges. Não é raro ver cadáveres boiando.

Nos dois crematórios do local são queimados 150 corpos por dia e a visitação é permitida. Mas boa parte dos visitantes prefere contratar passeios de barco e observar as cerimônias fúnebres desde o Ganges, sempre respeitando o limite de aproximação de no máximo 20 metros.

Fotografias estão vetadas. "Você gostaria que alguém fosse ao enterro do seu pai e tirasse fotos?", pergunta Rashi Parmati, um dos trabalhadores do crematório, depois de pedir a um turista para apagar as imagens que ele capturara com o celular.

Rashi, que recebe 150 rúpias (o equivalente a pouco mais de R$ 7) por corpo queimado, vê suas economias crescerem durante o verão.

Com temperaturas na casa dos 50º C, o número de mortos nessa época do ano pode chegar a 250 por dia.

"É um trabalho que todos respeitam, sabem que eu os ajudarei a fechar o ciclo da vida na Terra." Aos 28, ele diz querer garantir já seu lugar em Varanasi quando chegar sua vez. "Morrer aqui é fundamental. Queimar é aprender, é educar."

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Índia em nove viagens

Onde fica Índia

GOKARNA
A vontade de escapar de areias cheias, raves intermináveis e "preços de Europa" característicos de Goa fazem de Gokarna, a menos de três horas de carro da famosa praia, um bom plano B do turista. Guesthouses "pé na areia" com níveis de conforto entre "rústicos" ou "muito rústicos" oferecem quartos a R$ 10 e servem menus até a 1h -um luxo, considerando que os restaurantes convencionais fecham suas portas antes das 22h.

HAMPI
Ruínas de pedra, cavernas e templos são o cenário de um dos destinos mais famosos da Índia. A melhor maneira de conhecer os tesouros de Hampi é combinando um valor com um motorista de tuk-tuk (espécie de triciclo) para passar o dia rodando pela cidade com um fim de tarde nas cachoeiras escondidas atrás de um enorme bananal afastado do centro. Depois é só seguir para um pôr do sol inesquecível em Matanga Hill.

PUSHKAR
Mesmo quem se mantém a salvo do consumismo durante meses de viagem pela Índia não consegue resistir a um dia em Pushkar sem desejar comprar algo. Há uma diversidade de bazares com pedras semipreciosas, tecidos e objetos de decoração. Seja pelo brilho das pedras, pela tontura após o clássico "bhang-lassi" (bebida com iogurte e folha da maconha), pelo lago sagrado ou pelos pavões, a cidade preferida pelos hippies é mágica.

RISHIKESH
Todo mundo chega a Rishikesh cedo ou tarde, essa é a lenda entre os viajantes. Cursos de formação em ioga e massagem atraem muita gente para a "capital da ioga", aos pés dos Himalaias. O "ashram" (templo) onde os Beatles se hospedaram em 1968 está desativado, mas é possível visitar o bangalô de John Lennon, com vista para o Ganges e as cerimônias hindus que começam às 18h30.

KERALA
Pensou em ayurveda, pensou em Kerala. Uma boa parte dos viajantes que chegam a esse que é um dos 29 Estados da Índia, situado no extremo sul, estão interessados nos cursos de curta duração nas melhores escolas da medicina hindu, segundo a qual toda doença e toda cura passam pela alimentação. A outra parte vai ao Kerala para ver Amma, a guru do abraço, que construiu ali um ashram para 5.000 pessoas.

PONDICHERRY
O mais próximo da França que você pode chegar na Índia é Pondicherry. Lá, aliás, foi que a francesa Mira Alfassa (chamada de "A Mãe"), inspirada no ashram de Sri Aurobindo, na mesma cidade, criou a Auroville para dar continuidade aos trabalhos do guru. Hoje em dia, 50 anos depois, a vila experimental testa a abolição do dinheiro, por meio do fomento às trocas, e da educação escolar tradicional, substituída por workshops variados.

DHARAMSALA
Apesar de ser a casa do Dalai Lama, encontrá-lo por lá não é fácil. O líder tibetano, exilado na Índia desde 1959, está quase sempre viajando. Estando ou não Dalai Lama na cidade, visitar McLeod Ganj -periferia de Dharamsala onde está o templo do líder budista- é uma chance de conhecer um pouco da cultura tibetana sem ir ao Tibete. A carne, quase impossível de encontrar em quase toda a Índia, torna a aparecer no cardápio.

MANALI
Os trens, melhor meio de transporte para viajar pela Índia, não chegam aos Himalaias indianos, o que faz das viagens verdadeiras odisseias de até 30 horas desde Nova Déli, sacolejando em ônibus nas intermináveis curvas para o extremo norte do país. Aos persistentes, o prêmio: natureza quase intocável escondida entre vales de montanhas nevadas e rios caudalosos -região ideal para prática de snowboarding e rafting em paisagens estonteantes.

ILHAS ANDAMAN
Essa ilha está tão perto de Mianmar que há o risco de esquecer que esse paraíso faz parte, na verdade, do território indiano, com voos de baixo custo diários a partir de Chennai, o aeroporto mais próximo de Pondicherry (Auroville). Das ilhotas que constituem o arquipélago, a Little Andaman é a que tem menos turistas e mais surfistas. Sem internet e com eletricidade esporádica, ainda carrega traços de uma linha que no passado foi devastada por um tsunami.

Arte/Folhapress

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