Folha de S. Paulo


Passeio de bicicleta dá frescor a roteiro clássico de castelos no Vale do Loire

Bicicleta em francês é velô ("vélo"). Já foi só "bicyclette". Hoje figura como a segunda razão apontada pelos turistas para ir ao Vale do Loire. A primeira são os castelos (e jardins ) e a terceira, os vinhos.

A mistura de bicicleta com castelos, jardins e vinhos dá certo nessa região, mesmo quando a viagem é ligeira e o visitante já teve dias de melhor forma ou tem um gosto moderado pelos pedais.

O clássico passeio pela casa e o quintal da aristocracia francesa nos séculos 15 e 16 tem uma rota ciclística democrática. O terreno é plano, as distâncias, curtas, e os caminhos, quase sempre asfaltados e fechados a carros e motos. Não é preciso pedalar com peso (as locadoras de bicicleta oferecem o serviço de transporte de bagagem de um hotel para o outro) nem se preocupar com pneu furado ou com a possibilidade de desistir (o socorro chega logo).

O trajeto classificado como patrimônio mundial pela Unesco, ao longo do rio Loire e do bosque de Sologne, tem 280 quilômetros de extensão, mas os chamados castelos reais (e mais visitados) estão circunscritos numa faixa que não ultrapassa um terço desse percurso.

Numa viagem de quatro ou cinco dias, é razoável pensar na média de 30 quilômetros diários de pedalada, se o plano for dormir cada noite em um lugar, ou o dobro disso, se a opção for fazer bate-volta a uma base fixa. As cidades mais próximas dos castelos são Blois e Amboise (a uma hora e meia de trem ou a duas de carro de Paris).

Em qualquer situação, o deslocamento até os castelos não consome mais do que duas horas de bicicleta. Parece muito? Não se percebe o tempo passar diante da paisagem verde e silenciosa da região que, há quase 600 anos, atraiu a nobreza em fuga da muvuca da capital francesa.

'GAME OF tHRONES'

O rio Loire reina, mas não ofusca a floresta, os campos de flores e os vinhedos.

Pelo menos não até que apareça no horizonte um castelo. É difícil não sentir o olhar vidrar pela beleza ou pelas dimensões das suas construções. Uma vez dentro delas (e com audioguia nos ouvidos), complicado é não ser fisgado pelas histórias de poder, traição, sexo e morte.

As dinastias dos Valois e dos Bourbons ganham contornos a cada cômodo, mobília e obra de arte. Um "Game of Thrones renascentista" monopoliza a imaginação. E é quase impossível resistir à vontade de encarar uma maratona. Mas ver mais que dois castelos por dia é exaustivo.

Para saber quais deles visitar primeiro, vale recorrer ao ABC, uma fórmula útil que circula nas ruas: Amboise, Blois e os três cês, Chaumont, Chenonceau e Chambord.

Na falta de tempo, escolha os que começam com "ch". Chaumont (com seu festival internacional de jardins e arte contemporânea) e Chenonceau (construído numa ponte em arcos sobre o rio Cher) são menores que Chambord. Ambos partilham uma atmosfera mais feminina, com jardins floridos, móveis, utensílios e muito papel de parede -herança de proprietárias, como Catarina de Médicis e Diane Poitiers, respectivamente mulher e amante do rei Henrique 2º.

Dentro de um parque florestal com uma área equivalente à de Paris e entrada livre para bicicletas, Chambord é o maior do Loire. Foi a grande obra de François 1º, mas "o alto, o belo, o corajoso" monarca só passou lá 72 dias em 32 anos de reinado. Um belíssimo elefante branco por séculos e patrimônio histórico mundial desde 1981, é um sucesso turístico.

Chineses, indianos, japoneses, americanos, todo mundo quer subir a escadaria na qual podem ver uns aos outros, mas nunca se cruzar. Dizem que a obra, com a estrutura do DNA, faz referência à árvore da vida e tem o dedo de Leonardo da Vinci.

Fã da arquitetura renascentista da Itália, François 1º levou Da Vinci para a França e deu a ele, que chegava com a tela da Monalisa a tiracolo, um castelo próprio.

O palácio Clos Lucé foi a última morada do italiano e guarda boas surpresas aos visitantes, que podem brincar com máquinas projetadas pelo inventor e espalhadas em tamanho real pelo jardim também desenhado por ele.
Da Vinci foi enterrado em Amboise, castelo que fica na cidade de mesmo nome -assim como o de Blois. Ambos foram residência de sucessivas gerações de soberanos.

Hoje as casas medievais no entorno dos castelos são restaurantes, docerias, bares, cafés e adegas para a degustação dos vinhos alegres da região, especialmente os brancos frescos (de Sancerre, Vouvray e Saumur).
As duas cidades são boas opções para quem procura hospedagem num ambiente urbano, mas tranquilo, onde dá para se locomover a pé.

Na pequenina Onzain, é possível se hospedar num antigo castelo rodeado pela mata. As acomodações são simples, e é mais fácil se sentir rei ou rainha nos hotéis-boutique de Orléans ou de Tours, cidades maiores. Um pouco mais distantes dos castelos, ambas têm catedrais góticas, palácios e vida noturna. Funcionam melhor para quem se desloca de carro ou trem.

ILHOTAS E CONCHAS

Independentemente de como se chega a Amboise, é preciso subir a pé até o castelo -as bicicletas ficam estacionadas no início da ladeira. A recompensa é uma vista panorâmica do Loire e da cidade. Paisagem que só rivaliza em beleza com a que se depara do pátio de Chaumont.

Desse castelo, se vê do alto as águas verde-garrafa do maior rio da França. Há poucas embarcações, o que chama a atenção em meio turbilhão de forasteiros que circulam pelo vale no verão.

O barqueiro Aurélien diz que navegar pelo Loire não é para qualquer um. O "rio selvagem" é raso e tem muita correnteza. Mas também ilhotas e conchinhas na areia.

Ele serve no barco um namorado assado, queijo de cabra e embutidos. Tudo é produzido na região.

"Nenhum ingrediente do prato deve vir de longe." Segue a filosofia "do campo (ou da água) para mesa", a mesma praticada na casa de alta gastronomia nos jardins de Chenonceau e no popular Restaurant des Voyageurs et des Familles, na praça de alimentação de Chambord.

Uma preocupação com as emissões de carbono paira sobre o vale. Melhor ir de velô.

A jornalista viajou a convite da Atout France e da Air France


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