Folha de S. Paulo


Em Bom Jardim, rio Triste é ponto de mergulho pouco explorado

"A água é sempre morna." O guia incentiva os visitantes a entrar no rio, mas nem precisa. São convites suficientes a transparência, mostrando os cardumes de peixes, e o tom de verde, doado pelo leito de calcário.

O rio Triste é um dos pontos de mergulho de superfície em uma região próxima à Chapada dos Guimarães que despontam como destino com alto potencial turístico.

Fica na Fazenda Água Branca, em Rosário Oeste, a 17 km de Bom Jardim, vila que é distrito de Nobres (MT) e cujo slogan é "Bom Jardim é lindo" –para se comparar a Bonito, em Mato Grosso do Sul.

E se equipara mesmo em atrações naturais. Não se compara em reconhecimento e infraestrutura, o que para alguns é ponto contra, mas para outros é a favor.

A flutuação por 1.200 metros de rio cercado de mata ciliar é feita depois de uma trilha de meio quilômetro. Sem repelente ou protetor, para não sujar o Triste. Segue a lista do que é preciso: snorkel, colete, máscara, sapatilha -e guia local.
Flutuar com o Bugio é mesmo um passeio. Ele dá nome aos bois, apresenta ao visitante os peixes com os quais vai dividir a experiência de ser levado pela água sem fazer força: piraputanga, curimbatá, dourado, piau.

O guia também avisa se você estiver viajandão e sujeito a trombar num tronco ou pedra, ou se não perceber a arraia, difícil de dar as caras.

Bugio é uma figura. Gosta de mostrar as moedas que recebeu de gringos, colou em papel e sob as quais escreveu o nome de cada país.

Tudo em Bom Jardim exige guia, pagamento e agenda, o que pode chatear um forasteiro menos sistemático. Para qualquer passeio é preciso comprar o voucher único em uma das agências. O mergulho de superfície no Triste dura uma hora e meia e custa R$ 100 por adulto.

O modelo, inspirado em Bonito, tem dois objetivos, segundo Vicente Campos, presidente do Conselho Municipal de Turismo e pioneiro na exploração do lugar. Um é garantir a arrecadação para a cidade (uma porcentagem vai para o fundo de turismo), e outro é controlar a visitação.

"É a forma de evitar o excesso de pessoas nas atrações naturais e também gerar empregos para filhos de colonos, que são os nossos guias."

AQUÁRIO ENCANTADO

A vila de Bom Jardim era a sede de uma fazenda de 50 mil hectares, comprada por um carioca. Como ele não pagou o empréstimo feito para o negócio, a terra foi tomada pelo Banco do Brasil. Nos anos 1980, Dante de Oliveira (aquele das Diretas-Já, 1952-2006), então ministro da Reforma Agrária do Sarney, dividiu aquilo em lotes de até cem hectares, chamando para o assentamento 700 famílias de várias partes do país.

A 12 quilômetros da vila, no meio da mata de transição entre cerrado e vegetação amazônica fica o Aquário Encantado, com nome e visual de desenho animado.

Na piscina límpida de seis metros de profundidade tem a nascente do rio Salobra para espiar, além dos peixes. O rio está a 300 metros, dentro de uma fazenda, como tudo.

Antes disso há um restaurante, o receptivo onde o turista pega equipamento de flutuação e segue em uma carreta puxada por trator até a trilha de um quilômetro, pela qual se topa com um bico-de-brasa aqui, uma seriema lá, um macaco.

Ao lado fica o Refúgio Água Azul, onde uma das diversões é a tirolesa de 20 metros com queda no rio. Outra é apenas mergulhar na água que passa de azul-turquesa a verde, dependendo da hora.

Tem quem sinta "formigamento" no banho. São peixes miúdos que parecem mordiscar o corpo da pessoa, estão tirando células mortas da sua pele. Os locais chamam o bicho de "tiquira", mas quem der um Google só vai achar cachaça com esse nome.

O refúgio tem plataforma, passarela e escadinha de madeira, até aí tudo bem. Mas fixaram, no deque rústico, uma fileira de bancos de ônibus. Plástico velho e alumínio no meio do santuário. Parece até intervenção artística.

Bem mais perto do lugarejo fica o Balneário do Estivado, com prainha, piscina natural cheia de peixes e quiosque com telhado de sapé para comer e beber. É calmo, ao menos numa segunda-feira.

Emoção mais forte é a cachoeira Serra Azul, na fazenda do Sesc. Mas a trilha de 800 metros com quase 500 degraus exige condicionamento. Só para quem pode.

Para todos existe a lagoa das Araras. O antigo açude, criado para o gado beber, virou ponto de observação de pássaros, com mirantes.

No fim do dia, as aves voltam para os ninhos construídos no oco dos caules das palmeiras mortas. É interessante chegar bem antes da confusão de araras, para só ficar contemplando a coleção de buritis duplicada no espelho d'água, as garças, os gaviões-casaco-de-couro.

O silêncio é quebrado aos poucos por maritacas, periquitos e outros bichos até a apoteose, quando as donas do pedaço vão aparecendo aos pares na maior gritaria.


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