Folha de S. Paulo


Repórter divide transporte, passeios e até a mala em viagem compartilhada

Eduardo Knapp/Folhapress

Já fazia mais de meia hora que o Gol Rallye 2011 havia deixado a rodoviária do Tietê, em São Paulo, rumo ao centro do Rio de Janeiro.

O ponteiro batia 120 km/h e fazia a bagagem dos cinco passageiros do carro, empilhada no porta-malas, chacoalhar na rodovia. E também as três pessoas no banco de trás, que não se conheciam até o início da viagem, terem um choque de intimidade, com braços e coxas roçando dentro de uma lata de sardinha em alta velocidade.

Na viagem, a Folha testou um dos conceitos mais comentados no turismo atual: a economia compartilhada –divisão do uso ou da compra de serviços e produtos, principalmente com a ajuda de sites e aplicativos.

A carona no "golzinho" foi acertada no app Bla Bla Car. A hospedagem, os passeios, a mala e a câmera utilizados pela reportagem também seguiram o contrato de modelo compartilhado (saiba mais abaixo).

E aí vem a primeira lição desse tipo de viagem: é preciso interagir a todo instante com desconhecidos. É quase forçoso puxar papo com o dono do carro, tomar café com o morador da casa, fazer um sorriso de aeromoça para os donos dos objetos que foram locados...

"Coloco para alugar as câmeras que estão paradas. Não dá para viver disso, mas garante algum dinheiro", diz o fotógrafo Felipe Ernesto, 28, dono da máquina anunciada no site Alooga e locada pelo repórter. Após duas ligações, o equipamento foi entregue pessoalmente na estação Barra Funda do metrô, em São Paulo.

Chegamos então à segunda lição: o planejamento é sempre complexo e é preciso fazer com que a agenda do viajante e a de diversas outras pessoas milagrosamente coincidam.

A ideia inicial era viajar de madrugada, mas o motorista da carona só conseguia sair às 8h. A mala só podia ser entregue entre 8h e 9h, 11h e 13h ou 18h e 19h. A câmera tinha que ser retirada na hora do almoço. O passeio de barco no Rio devia ser feito às 16h. Resultado: além dos óculos de sol, foi preciso levar uma planilha do Excel.

"A importância da economia compartilhada para o turismo é inquestionável. Ela faz com que negócios tradicionais sejam desafiados a buscar alternativas. E também traz flexibilidade de preços, informalidade na prestação de serviços e as facilidades das plataformas on-line", afirma Ana Paula Spolon, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense).

Um relatório sobre o futuro do turismo feito pelo site Skyscanner em 2014 já colocava as viagens colaborativas como tendência.

CARTÃO DE VISITAS

O Gol estava em Aparecida (a 180 km de São Paulo) quando o papo de elevador deu lugar às apresentações.

O motorista se identificou como policial militar de folga, com um revólver nas costas e vontade de chegar logo a Cabo Frio (RJ). Ao lado dele, estava um jogador de futebol. No banco de trás, um estudante, um programador e o jornalista da Folha. Ao saber da reportagem, ninguém quis dar entrevista.

Mas nada que gerasse desconforto. As quatro horas e meia de viagem seguiram recheadas de conversas superficiais e músicas no rádio, de Nego do Borel a Nando Reis.

Hora da terceira lição: o compartilhamento geralmente tem preços atrativos, mas isso não é necessariamente uma regra.

A carona custou R$ 80. Preço parecido com o da Viação Cometa, que tinha passagens de ônibus a partir de R$ 90,70 para o mesmo dia e horário –sem o risco de se espremer com mais dois marmanjos no mesmo assento, mas com trajeto quase duas horas mais demorado.

Em nota, a Bla Bla Car informou que "sugere que apenas dois assentos sejam oferecidos no banco traseiro". Disse ainda que a rota entre São Paulo e Rio custa de R$ 60 a R$ 90, sendo R$ 70 o valor médio pago pelos viajantes.

Já os sites no estilo Airbnb oferecem quartos com diárias de R$ 30, mas também mansões com preços que chegam a mais de R$ 5.000 por dia.

A casa escolhida para a viagem no site Alugue Temporada tem diárias médias de R$ 2.200 para o mês de julho, por exemplo. No bairro Joá, o local ostenta 500 m², quatro suítes e piscina de borda infinita com vista para o mar –cenário e preço bem diferentes do conceito mais comum que os turistas costumam ter de casas compartilhadas.

Mas a economia continua a ser a grande bandeira do modelo. "Sem o compartilhamento, limitamos o passeio a um único perfil e restringimos a troca de experiências", diz Marcelo Pellerano, 44, dono de um veleiro no Rio. Em vez de reservar o barco inteiro, como é costume no setor, ele comercializa lugares a bordo para desconhecidos navegarem juntos.

Ao sair da Urca e deslizar pelas águas escuras em alto-mar, o veleiro é acompanhado sempre pelo voo dos atobás. O silêncio só é quebrado pelas ondas se chocando contra as rochas no horizonte. Roteiros duram de quatro a seis horas, custam a partir de R$ 220 por pessoa e são um jeito acessível para solitários ou casais assistirem ao melhor pôr do sol do Rio: visto do mar, com o Corcovado e o Pão de Açúcar à contraluz. Para comparação, reservar um veleiro inteiro sai por R$ 1.200, na média.

Por fim, a quarta e última lição: é preciso ter sempre um plano B.

A reportagem tentou reservar um jantar compartilhado pelo site EatWith para o sábado à noite. Na casa de um carioca na Lapa, o menu previa nhoque de cará e suflê de goiaba de sobremesa. Mas não houve confirmação da reserva nem respostas aos e-mails enviados.

Com planos desfeitos, o jeito foi consultar os sites Dubbi e TripAdvisor para pegar dicas de viajantes sobre o que fazer. A noite terminou com um chope na Barra da Tijuca.

Dessa vez, sem dividir nada com ninguém.

O jornalista se hospedou a convite do Alugue Temporada e fez o passeio de barco a convite do Dubbi

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VIAGENS COMPARTILHADAS

Passeios

Nos próximos 15 dias, chega ao Brasil o Trips, plataforma do Airbnb (airbnb.com.br ) que oferece experiências compartilhadas. Por enquanto, serão liberados passeios apenas no Rio. Mas, até o fim do ano, o site lançará experiências também em São Paulo.

Entre os roteiros já aprovados há um tour em bares de Copacabana e a chance de ser garçom de moradores de rua em evento da ONG Gastromotiva, que oferece refeições de chefs para quem não tem casa. Outra opção é um roteiro no AquaRio, onde o turista fará um tour pelo aquário com o biólogo do local e poderá alimentar os animais. Há ainda roteiro inspirado nos Bailes de Charme.

As experiências terão preço médio de R$ 100. Além de São Paulo e Rio, o Trips chegará a Buenos Aires, Cartagena e Cidade do México neste ano. A plataforma foi lançada em novembro de 2016, em 12 cidades: Los Angeles, São Francisco, Detroit, Miami, Havana, Londres, Paris, Florença, Nairobi, Cidade do Cabo, Seul e Tóquio.

Já a rede social Dubbi lançou o Instaviagem (instaviagem.com ), que comercializa pacotes "surpresa" com passeios compartilhados –o turista só descobre para onde vai e o que fará no local no dia da viagem. Os roteiros custam R$ 459 por pessoa.

Outras plataformas oferecem também o serviço, como a Rent a Local Friend (rentalocalfriend.com ), que conecta turistas a moradores para passear ou só conversar.

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Câmera e objetos

A página Alooga (alooga.com.br ) conecta quem tem objetos ociosos em casa com quem deseja alugá-los. Para encontrá-los, basta procurar no sistema de buscas do site e fazer a reserva. Depois disso, cliente e dono ficam em contato para definir como será feita a entrega. Com aproximadamente 3.000 objetos cadastrados, as câmeras representam a maior parte das locações.

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Transporte

O principal site de caronas no Brasil atualmente é o Bla Bla Car (blablacar.com.br ), que já ofereceu no país 1 milhão de assentos desde 2015. De acordo com o app, a média de gasto por passageiro é de R$ 40. Ao definir o ponto de partida e o destino no sistema de buscas e escolher a melhor carona, o turista recebe as informações do motorista e pode entrar em contato para acertar os detalhes da viagem. Há outras opções, como o Carona Fácil (caronafacil.com ).

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Comida

O EatWith (eatwith.com ) nasceu em 2012 e cadastra cozinheiros profissionais e amadores para receber em suas casas pessoas que desejam degustar um menu com preço fechado. Basta entrar na plataforma, escolher a cidade, o preço e o menu de preferência. No teste feito pela reportagem no Rio, o anfitrião não respondeu à reserva nem aos e-mails. Outras opções são o Meal Sharing (mealsharing.com ) e o Dinneer (dinneer.com ).

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Hospedagem

No mundo, o Airbnb (airbnb.com.br ) é um dos mais conhecidos, oferecendo casas inteiras ou quartos dentro de residências para turistas. São mais de 1 milhão de hospedagens. Braço brasileiro do grupo HomeAway, o Alugue Temporada (aluguetemporada.com.br ) conta com mais de 2 milhões de imóveis em 190 países, de mansões com mais de 10 quartos a apartamentos com quarto e sala.

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Bagagem

Com estoque de 120 malas de três tamanhos diferentes, a Rent a Bag (rentabag.com.br ) permite que o turista alugue o objeto mais necessário em uma viagem. A empresa funciona em São Paulo, Rio, Salvador, Campinas e ABC e oferece a possibilidade de entregar a bagagem na casa do cliente. As diárias custam a partir de R$ 5,95.


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