Folha de S. Paulo


Arranha-céu de 101 andares é destaque da paisagem de Taipé, em Taiwan

Trinta e sete segundos separam lojas de luxo e de suvenir nos primeiros pavimentos do 89º andar do Taipei 101, que já foi considerado o prédio mais alto do mundo. Uma leve pressão no ouvido indica a aproximação do elevador ultrarrápido ao mirante, ainda o maior de Taiwan.

Do alto, construções dominam a paisagem da capital, carros ficam pequeninos, as muitas motos quase somem. Com o anoitecer, contornos montanhosos desaparecem, e o horizonte assume o multicolorido de edifícios, letreiros e anúncios iluminados.

Enquanto turistas buscam o melhor ângulo para a "selfie", o arranha-céu se destaca a partir de vários pontos da cidade e reflete a face moderna da ilha, onde a preservação de tradições se funde com o avanço tecnológico.

Parques científicos, vaivém nas ruas e consumidores que lotam mercados noturnos se contrapõem a templos, chás e tesouros.

BRONZE E JADE

Muitas desses tesouros estão preservados no Museu do Palácio Nacional, em Taipé, erguido para abrigar séculos de história e aberto em 1965. Hoje são 696.474 peças (só uma parte em exposição), a maior coleção de relíquias e objetos chineses do mundo.

O acervo é parte da Cidade Proibida, em Pequim, onde vivia a família imperial chinesa. Os objetos começaram a ser levados para Taiwan durante a guerra entre as tropas comunistas de Mao Tsé-tung e as nacionalistas de Chiang Kai-shek, que se refugiou na ilha em 1949. São caligrafias, documentos, cerâmicas, peças em bronze e jade.

Um memorial dedicado a Chiang Kai-shek, morto em 1975, é outro ponto obrigatório de visita. A imponente estrutura branca com topo azul abriga a história sobre o presidente por meio de fotografias, itens pessoais (entre eles um carro) e documentos.

A cada hora acontece a tradicional troca da guarda. Visitantes se aglomeram com celulares em punho diante da gigantesca estátua de bronze do líder, sentado e com vista para o pátio e os prédios do Teatro e da Ópera Nacional.

ACESSO CONTROLADO

Um dos hotéis da cidade, conhecido pela arquitetura clássica chinesa, foi fundado em 1952, de frente para o rio Keelung, por Soong Mei-ling, mulher de Chiang.

A preocupação do líder era ter um local para receber políticos e personalidades internacionais. Com aparência de palácio e decoração típica –colunas vermelhas e detalhes coloridos– o Gran Hotel guarda detalhes da história.

Em um pequeno espaço, abriga seu museu, com peças e cardápios antigos, além de fotos de ex-presidentes e personalidades que estiveram lá. É uma área de acesso controlado que instiga a imaginação. Em cada um dos lados do edifício, túneis que contam até com rampa de fuga fazem a alegria de turistas.

O objetivo da construção era usar as áreas como refúgio e facilitar a saída de políticos e celebridades em uma emergência. No pós-guerra, Chiang receava também ataques da China continental.

DEUSA DA MISERICÓRDIA

Andar por Taipé não é difícil, só que nem todo taxista fala inglês. Por isso, leve endereços anotados em papel.

O metrô tem boa sinalização e conduz a marcos como o templo Lungshan, mais antigo da cidade. Foi fundado em 1738 para a deusa da Misericórdia, Kuan-in, a mais popular do budismo chinês, destruído na guerra e restaurado. Apesar das bombas, a estátua dela ficou intacta.

Ali turistas dividem espaço com a multidão de taiwaneses que oram em meio a incensos e oferendas. O templo mantém a natureza budista, embora tenha incorporado elementos do taoísmo.
Taiwan tem baixos índices de violência. Mas vale ficar atento em regiões como essa onde fica o templo, onde há mais turistas.

Modernidade também é encontrada na simpática cidade de Taichung. Ali funciona o National Taichung Theatre, aberto em 2016 com três salas de espetáculos de tamanhos diferentes além de espaço cultural, para mostras, cafeteria, comércio e jardim.

O projeto do prédio é do japonês Toyo Ito, vencedor em 2013 do prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial. Por dentro, ondulações das paredes e pequenas ilhas de água no chão lembram uma gruta.
Na mesma região, o Budokan Martial Arts Hall é a prova que futuro e passado andam lado a lado na ilha. Construído durante a colonização japonesa, foi reconhecido como prédio histórico em 2004. Antes usado para treinamento de policiais, hoje é sala de aula de artes marciais.

O complexo, chamado agora Natural Way Six Arts Culture Center, funciona como instituto cultural. A antiga prisão que existia ali foi transferida em 1992, informa uma placa na área externa. Ao lado, uma grande árvore exibe outro aviso: ela fincou suas raízes lá desde 1895. Mesmo com a construção da prisão, quatro anos depois, continuou crescendo livre, apesar do concreto do entorno. E, depois da mudança, ainda segue sendo a guardiã do local.

101

Com 508 metros de altura -101 andares acima do solo e cinco abaixo-, o Taipei 101 foi inaugurado em 31 de dezembro de 2004. Ostentou o título de prédio mais alto do mundo até 2010, quando o surgiu o Burj Khalifa, em Dubai, com seus 828 metros de altura. Atualmente, o edifício na capital taiwanesa está na oitava posição.

Lotado de lojas, escritórios e restaurantes, com um mirante cercado por vidros no 89° andar e um observatório rodeado por grades no 91°, o empreendimento com inquilinos famosos se orgulha de seu veloz elevador -37 segundos até o mirante, a partir do quinto andar, ponto de partida-, de se preocupar com o ambiente e de ser um prédio 'verde'. Afirma, ainda, que a construção é totalmente segura e à prova de tufões e de terremotos.

Para tranquilizar os visitantes curiosos, expõe internamente um mega-amortecedor de vento. Posicionado entre os pisos 87 e 92, o equipamento de 660 toneladas é composto por chapas de aço que servem para minimizar o balanço da torre em casos de ventanias e de tremores de terra. Para os leigos, é uma grande bola suspensa por cabos de aço e ligada a amortecedores hidráulicos na base.

O equipamento virou souvenir e pode ser encontrado em forma de brinquedinhos.

Mas quem chega ao topo do prédio nem pensa que pode, eventualmente, ser atingido por uma ação da natureza. A vista em 360° é de tirar o fôlego, mesmo que uma camada de neblina -ou poluição- atrapalhe a foto. À noite, com as luzes da cidade, fica ainda mais bonito.

E, para quem observa de longe, a surpresa vem com os dias da semana. A fachada ganha uma cor diferente a cada noite.

'PROVÍNCIA REBELDE'

Com cerca de 23,5 milhões de habitantes e considerada província rebelde pela China, Taiwan funciona como país autônomo e mantém relações diplomáticas com apenas 22 nações –o Brasil não está entre elas. É exigido visto dos brasileiros.

Cerca de 180 quilômetros separam a República Popular da China, no continente, da ilha, que tem como nome oficial República da China. Pequim considera que Taiwan pertence ao país e não desistiu da reunificação, embora na última década tenham ocorrido iniciativas de reaproximação.

A ilha também é conhecida como Formosa, graças aos portugueses que passaram por ali no século 16. Depois, foi ocupada por holandeses, espanhóis e reconquistada pelos chineses.

Após a derrota na Primeira Guerra Sino-Japonesa, em 1895, passou a ser governada pelo Japão até 1945.

Com o fim da Segunda Guerra, Taiwan foi anexada à República da China, então governada pelo partido nacionalista de Chiang Kai-shek. O general se refugiou na ilha em 1949, após ser derrotado na guerra civil pelos comunistas na China.

A jornalista viajou a convite do governo de Taiwan


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