Folha de S. Paulo


Mesmo em alta, Lisboa mantém baixo custo e atrai turistas do mundo todo

Quem chega a Lisboa e se depara com prédios antigos, cheios de roupas nos varais, não imagina o que está acontecendo além daquelas fachadas coloridas.

A capital portuguesa está em transformação, e esse movimento foi comparado recentemente ao que já passaram outras cidades europeias -Berlim, por causa da recente onda de empreendedorismo, novos negócios e ocupação imobiliária que surge por toda a cidade, e Barcelona, pelo turismo de baixo custo, que atrai estrangeiros em busca de um clima agradável o ano todo e, principalmente, de hospedagem e alimentação baratos.

Soma-se a isso o aumento de voos de baixo custo que trazem gente de todos os cantos da Europa para a porção mais ocidental do continente. O resultado mais visível disso tudo é o movimento de gente pelas ruas de Lisboa e uma mistura de idiomas que tomou conta da cidade.

Para a alegria dos turistas brasileiros, ainda ouve-se muito o português. Em alguns locais fora da rota turística, o inglês muitas vezes nem aparece no cardápio.

Apesar dessa nova onda no turismo lisboeta, os preços praticados, principalmente na alimentação, ainda fazem da cidade uma boa opção para todos os bolsos.

Por toda a parte, há menus completos que chegam a custar menos de € 10 (R$ 33), até mesmo os que incluem o bacalhau português.

Já a hospedagem ficou um pouco mais cara, principalmente na alta temporada, quando quase não há vagas, nem mesmo nos apartamentos do Airbnb.

A oferta de leitos, no entanto, tem aumentado, procurando responder ao fluxo de turistas. Há novas opções de acomodação, incluindo hotéis de luxo, como o recém-inaugurado Pestana, instalado num antigo edifício que ocupa um quarteirão inteiro bem em frente à emblemática praça do Comércio.

Outros prédios históricos, no eixo Baixa-Chiado, têm recebido hotéis e albergues menores, que mantêm diárias por volta de € 70 (R$ 233) mesmo no verão.

Outra face visível desse aumento de turistas é o movimento no transporte público, sempre cheio: ônibus, metrô e bondes, além do vai e vem dos polêmicos tuk-tuks pelas ladeiras e ruas estreitas da capital portuguesa.

Esses pequenos veículos surgiram na cidade em 2012 e até hoje tenta-se criar regras para controlá-los, como determinar regiões onde eles podem circular e estacionar, para evitar uma piora no já caótico trânsito local.

VELHO E NOVO

Com o intuito de acomodar os viajantes, Lisboa também ampliou suas áreas turísticas para além da linha que margeia o rio Tejo.

Continuam imperdíveis o tradicional bairro da Alfama, com suas ruas estreitas e vistas da cidade. Belém também segue na lista, com seus monumentos e edifícios de outros tempos e, principalmente, o pastel de nata.

Já no Parque das Nações, o grandioso Oceanário e o teleférico revelam a faceta moderna da antiga Lisboa.

Para lamento de alguns portugueses, os novos ares acabam levando um pouco da tradição da capital.

A saída do comércio antigo do centro histórico, como farmácias e ourivesarias que funcionavam havia quase cem anos, para dar lugar a novos empreendimentos, como lojas de souvenir e de conveniência, causou um certo desconforto nos lisboetas.

A atualização e o aumento dos aluguéis, aliados à necessidade de reformar grande parte dos edifícios da Baixa Lisboa, alterou o cenário construído ao longo das últimas décadas. Se isso pode passar longe dos olhos dos turistas, os moradores lamentam a perda de parte da história do lugar.

LOJAS COM PASSADO

Preocupada com esse cenário, a Câmara de Lisboa tem feito esforços para evitar que o comércio local perca a identidade.

Criou, assim, em meados de 2016, o selo "Lojas com História", que distinguiu inicialmente 63 estabelecimentos pela sua tradição.

Mesmo que a ação ainda não garanta a sobrevivência desses locais, incluindo as célebres Confeitaria Nacional e a Ginginha Sem Rival, a ideia é apoiá-los por meio de incentivos vindos de um fundo municipal que pode chegar em € 25 mil (R$ 83,2 mil) por estabelecimento.

Richard Taylor/4Corners Images
Movimentação em café no Miradouro da Graça, na região que leva o mesmo nome
Movimentação em café no Miradouro da Graça, na região que leva o mesmo nome

ESPÍRITO TRADICIONAL

O bairro da Graça é daqueles lugares que ainda mantêm um certo ar tradicional lisboeta. Apesar da invasão de tuk-tuks que levam os turistas para as melhores vistas da cidade, nos miradouros da Nossa Senhora do Monte e da Graça, ainda há praças tranquilas, velhinhos pelas ruas e restaurantes sem fila.

Para comer bem, há o Pitéu da Graça, onde é servido o bacalhau à moda da casa, mergulhado no azeite e acompanhado por batatas fritas fininhas e crocantes.

Para os que gostam de bar, ao lado fica o Botequim, um antigo reduto de artistas do final da década de 1960, que foi reaberto e preserva o mobiliário da época e o clima intimista. Do cardápio saem petiscos típicos de Portugal.

Nos dias de calor ou durante o pôr do sol, as mesinhas ao redor dos quiosques no Miradouro da Graça são ideais.

Aos amantes de cervejas artesanais, no coração do bairro fica a fábrica da Oitava Colina, que abre suas portas uma vez por mês para visitas e degustações.

BELAS VISTAS E CLIMA MULTICULTURAL

Num prolongamento da Baixa de Lisboa, fica o bairro da Mouraria, que começa na praça Martim Moniz e faz fronteira com o castelo de São Jorge.

Ao chegar no lugar, a diversidade salta aos olhos do turista. Letreiros escritos em chinês e restaurantes indianos dão o tom multicultural do bairro.

Durante o verão, o movimento da praça fica por conta das feiras de comida que acontecem quase todos os fins de semana. Em algumas ruas no entorno, ficam restaurantes chineses clandestinos, instalados em casas sem placas.

Para se arriscar em algum deles, é preciso perguntar onde ficam ou então seguir o movimento e o cheiro do tempero chinês.

Se a ideia é não se aventurar, o restaurante Zé da Mouraria é conhecido por ter um dos melhores bacalhaus da cidade. A receita tradicional da casa, que serve fartas refeições sem frescura, é o bacalhau com grão de bico, presente no menu todas as sextas-feiras. Vale a pena fazer uma reserva e garantir um lugar no pequeno salão.

Para quem procura um pouco mais de requinte e uma bela vista, um dos centros comerciais que pontua a paisagem da praça Martim Moniz abriga um dos "rooftops" mais simpáticos da cidade, o Topo. O último andar do edifício oferece uma visão privilegiada do castelo de São Jorge.

A região guarda outra bela vista de Lisboa, no terraço do hotel Mundial, bem em frente à praça Martim Moniz, onde, nos fins de semana, imigrantes se juntam para jogar suas intermináveis partidas de críquete.

O local é frequentado principalmente por hóspedes, mas é aberto para o público nos fins de tarde. Os preços são altos, mas a vista que se tem da Baixa de Lisboa e a proximidade do castelo de São Jorge valem a extravagância.

CHOPP, CAFÉS E MÚSICA

Depois da praça Martim Moniz, rumo à parte alta de Lisboa, fica o bairro do Intendente. Até um tempo atrás, os turistas só arriscavam ir à região por causa do restaurante Ramiro, conhecido pelos frutos do mar frescos e pela fila na porta.

O largo do Intendente era visto como um reduto de tráfico de drogas e prostituição. Depois de ser revitalizado pela Câmara de Lisboa em 2012, passou a atrair novos estabelecimentos, como cafés e lojas, que deram um novo ar à região, que mereceu até um elogio no jornal "New York Times".

O ponto alto é a Casa Independente, uma antiga construção transformada num misto de bar e balada, ainda na época em que a região não era recomendada aos turistas.

No pátio interno há um jardim coberto com parreiras e com mesinhas convidativas para um café ou uma cerveja, a qualquer hora do dia. Nos fins de semana, um dos salões, com lustres garimpados em antiquários, dá lugar a uma movimentada pista de dança.

De volta ao largo, durante o dia todo, três cafés ficam abertos aos visitantes, um em cada canto do espaço.

O das Joanas fica numa pequena esquina e serve uma apetitosa empada de pato que vai bem acompanhada de uma imperial gelada (um "quase" chopp para os lisboetas).

O Café do Largo é conhecido pelos shows intimistas de músicos de passagem pela cidade ou de ritmos africanos e brasileiros ao longo da semana. No outro extremo fica o Josephine, com jeitinho de bistrô e um cardápio que tem desde hambúrguer até quiche.

Entre eles fica A Vida Portuguesa, venda que ocupa uma antiga loja de cerâmica. Se não for a mais bonita da cidade, com certeza é uma boa para comprar produtos genuinamente portugueses, como enlatados, tapeçaria e cerâmica.


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