Folha de S. Paulo


Há 8 meses na estrada, irmãs viajam em Kombi rumo ao México

Duas irmãs, uma Kombi e milhares de quilômetros pela frente. Há quase oito meses, Ingrid, 30, e Huened Coelho, 24, deixaram Curitiba e partiram para a viagem dos seus sonhos, rumo ao México.

"O que nos motivou foi o desejo de ver o mundo com os próprios olhos. Nosso anseio não era de um pequeno passeio de férias, mas de uma experiência única, baseada em vivência, apropriação de culturas, autoconhecimento, quebra de preconceitos e de medos", conta Ingrid.

A bordo de Lucy, uma Kombi Clipper 1996, já percorreram o litoral paulista, Paraty (RJ) e cidades mineiras, como Ouro Preto, Passa Quatro e São Thomé das Letras. Há dois meses, estão em Belo Horizonte para refazer o caixa e, assim, dar continuidade à viagem.

O dinheiro que juntaram nos dez meses que antecederam a saída de Curitiba, onde moravam, serviu para comprar e adaptar a Kombi –o que custou cerca de R$ 11 mil. Com o que restou, conseguiram viajar por seis meses, a um gasto mensal de R$ 800 cada uma.

Por onde passam, pegam no batente: vendem doces e trabalham como garçonetes em festas, bares e restaurantes. "Também já fizemos faxina. Não temos muita frescura com relação a isso", diz Huened.

LUCY NA ESTRADA

No início, Lucy não estava nos planos das irmãs Coelho. Primeiro, elas pensavam em sair apenas com as mochilas nas costas. Depois, cogitaram usar duas motos.

"Estudamos vários meios de gastar o menos possível", afirma Ingrid. "No fim, optamos pela Kombi, por ser um carro barato, de fácil manutenção, e, o melhor de tudo, funcionar como uma 'casa'."

Lucy –uma homenagem à música "Lucy in the Sky With Diamonds", dos Beatles– tem banco que vira cama de casal, cortinas estampadas, guardadores nas portas e bagageiro com escada. Carrega ainda mesa portátil, fogareiro a álcool, utensílios de cozinha e barraca de acampar.

"Gostaríamos de ter outras adaptações que facilitariam nossa vida na estrada, mas, como nosso orçamento é enxuto, o desapego foi maior, e optamos pelo estritamente básico", conta Ingrid.

Na maioria dos lugares, as duas dormem dentro da Kombi – só de vez em quando fazem "couchsurfing" (hospedam-se na casa de moradores locais). Para tomar banho, usam postos de gasolinas e casas de amigos que fazem pelo caminho. Quando não há outra opção, tomam um "banho de gato" mesmo, com baldes, panos e lenços umedecidos.

Preocupadas com a segurança, procuram estacionar perto de postos policiais ou locais que sejam monitorados por câmeras. Nem sempre funciona. Em Belo Horizonte, foram assaltadas e, em Paraty e São Thomé das Letras, sofreram tentativas de roubo.

Mesmo assim, não pensam em desistir. "Já sabemos que estamos sujeitas a isso a qualquer momento da viagem, mas nos serviu de experiência pra tentarmos nos precaver mais", diz Huened.

MACHISMO

Segundo elas, o fato de serem mulheres, ao mesmo tempo, ajuda e atrapalha a seguirem na estrada. "A sociedade nos coloca como mais frágeis, o que faz com que as pessoas queiram nos proteger e ajudar", conta Huened.

"Também passamos por situações de machismo e assédio. Temos que ouvir ironias e piadinhas sobre mecânica, direção e até mesmo em relação à nossa vida sexual na viagem."

Com a experiência própria, Ingrid e Huened querem mostrar que não existe sexo frágil. Para relatar suas histórias, criaram uma página no Facebook, que conta com mais de 16 mil curtidas.

Depois de Belo Horizonte, as irmãs pretendem ir para Diamantina (MG), costear todo o litoral do Nordeste até São Luís do Maranhão, cruzar o Amazonas e sair do país pelo Acre. A ideia é passar ainda por Peru, Equador e Colômbia e atravessar o canal do Panamá para percorrer a América Central até a Cidade do México –não quiseram ir adiante para evitar a burocracia de entrada nos Estados Unidos.

Não há um tempo limite para a conclusão da viagem, mas elas esperam chegar à capital mexicana em dois anos. A volta ainda não foi traçada.

"Existem vários motivos pelos quais as pessoas têm esse sonho, mas não o realizam. Para quem quer viajar com pouca grana, é preciso desapego, coragem e muita vontade. Medos, todos temos, inclusive nós", afirma Ingrid.


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