Folha de S. Paulo


análise

De muros a passagens caras, o que o turismo pode esperar de Trump?

Com Donald Trump prestes a se tornar o 45º presidente dos Estados Unidos, o espírito de abertura que permeia da economia globalizada à forma como viajamos pode estar prestes a mudar.

Trump ainda não falou especificamente de turismo, mas na campanha assinalou recuos em relação ao "globalismo". Ele falou da possibilidade de reverter o rumo das relações com Cuba, em impedir muçulmanos de entrar no país e em erguer um muro na fronteira com o México. No discurso da vitória, em 9 de novembro, disse que planeja reconstruir a infraestrutura do país –incluindo aeroportos.

Especialistas em turismo foram convidados pela reportagem a traçar previsões. Abaixo, algumas reflexões iniciais sobre como a presidência de Trump pode afetar o setor, do fluxo de turistas nos EUA ao custo das passagens aéreas –e, é claro, o futuro dos hotéis Trump.

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VIAGENS AOS EUA

Mais dinheiro é gasto por turistas nos EUA do que em qualquer outro lugar. Mas especialistas dizem que a capacidade de o país atrair visitantes estrangeiros vai depender dos custos, de eventuais novas políticas alfandegárias que possam ser adotadas e da percepção de até que ponto os EUA são ou não um lugar acolhedor e seguro.

"Se certos grupos forem discriminados, se for tolerado o discurso de ódio contra eles, o turismo internacional vai secar", diz Henry Harteveldt, da consultoria Atmosphere. "Pessoas no México, na América Latina e no Oriente Médio veem Trump com desconfiança e temor."

No dia da eleição, a companhia aérea Royal Jordanian exemplificou esses receios, tuitando: "Caso ele vença... Viaje aos EUA enquanto ainda é possível!".

Gus Faucher, economista da consultoria PNC, disse que turistas estrangeiros podem relutar em visitar os EUA após a eleição não apenas devido à campanha "nacionalista" de Trump, mas também por causa do peso do dólar.

"O dólar forte desempenha papel importante", explica. E ele pode ser enfraquecido, segundo setores do mundo financeiro, dependendo das políticas que Trump adotar.

Gary Leff, do site de viagens InsideFlyer.com, concorda que, por enquanto, o mundo provavelmente vê os EUA como estando menos abertos ao turismo e à imigração. (No dia após a eleição, Rafat Ali, fundador da empresa de pesquisas Skift, tuitou que a indústria turística está "em choque" e que as pessoas presentes à feira do setor World Travel Market, em Londres, estavam vindo "oferecer condolências".)

Um contraponto: um estudo da consultoria Tourism Economics, empresa da Oxford Economics, examinou dados de 2000 a 2006 comparando as chegadas aos EUA com um índice que avalia a imagem do país no exterior. A conclusão foi que, embora exista uma correlação entre a percepção de um país e o aumento das visitas a esse lugar, não é uma correlação forte.

"Mesmo que Trump, como presidente, não seja mais moderado do que foi em sua campanha, é provável que os Estados Unidos continuem a ser um destino turístico desejável, devido à sua riqueza de artes, cultura e diversidade", explica Adam Sacks, presidente da empresa.

CUSTO DAS VIAGENS

Se os americanos vão viajar mais, dependerá da economia local. Um dólar fraco deve dificultar viagens ao exterior.

Por outro lado, Faucher, da PNC, acredita que, se americanos de alta renda tiverem seus impostos reduzidos sob um governo Trump, podem decidir viajar mais.

Será interessante acompanhar os custos das passagens. As grandes companhias aéreas americanas, como American, Delta e United, não querem mais concorrência –querem que os viajantes continuem comprando suas passagens (caras). Com isso em vista, vêm se esforçando para limitar o acesso ao país de grandes companhias árabes, como Etihad, Emirates e Qatar Airways.

Agora, segundo Leff, uma possibilidade é que elas capitalizem o "protecionismo" de Trump para manter esses concorrentes à distância. Se isso prevalecer, as opções vão continuar limitadas e os preços não deverão cair.

CUBA

A ilha está apenas começando a se abrir aos EUA, mas hotéis e companhias aéreas e de cruzeiro já começaram a oferecer serviços por ali.

Na campanha, Trump disse que, a não ser que haja liberdade política maior em Cuba, ele pode reverter o acordo fechado pelo presidente americano Barack Obama com o cubano Raúl Castro.

"Existe algum risco de a política em relação a Cuba mudar", diz Leff, porque Trump pode anunciar suas próprias diretivas. Além disso, a incerteza pode atrasar os investimentos na ilha ligados à construção de novos hotéis e outras obras de infraestrutura turística.

Já Harteveldt pensa que Trump não vai necessariamente dificultar o comércio internacional –nem com Cuba, nem com outros lugares–, porque, daqui a quatro anos, "ele provavelmente gostaria de ver hotéis Trump sendo abertos em mais países".

TRUMP HOTELS

Durante a campanha, a rede parecia estar enfrentando problemas, com queda no número de reservas. Quando a família anunciou que um novo grupo de hotéis seria lançado mas não usaria o nome de Trump, especulou-se que isso poderia ser um sinal de que a marca estava suja de fato.

Mas, agora, as coisas talvez melhorem.

"Sua vitória na eleição pode mitigar qualquer prejuízo causado à grife", afirma Leff, sugerindo um possível "efeito aura" da presidência. O hotel Trump nas proximidades da Casa Branca, por exemplo, de repente virou "o hotel do presidente".

A consultoria Brand Keys divulgou um estudo no dia seguinte à eleição dizendo que a marca Trump, "antes considerada tóxica por muitos consumidores, hoje é vista não apenas como uma opção segura, mas como opção emocionalmente desejável".

NOVA INFRAESTRUTURA

"Vamos reformar os centros de nossas grandes cidades e reconstruir rodovias, pontes, túneis, aeroportos, escolas e hospitais", disse Trump em seu discurso de vitória.

Como isso será pago (ele prometeu gastar US$ 1 trilhão com infraestrutura) não está claro, mas se a administração encontrar uma maneira de colocar tudo em prática, obras desse porte levam anos. Logo, é uma mudança que dificilmente será feita a curto prazo.

A única coisa da qual o setor de viagens pode ter certeza quando Trump assumir é que as coisas vão mudar.

Tradução de CLARA ALLAIN


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