Folha de S. Paulo


Interior de SP expande fronteiras da produção de bons vinhos no país

Foi em uma festa com amigos, na fazenda recém-comprada para o descanso da família, que o advogado Luís Roberto Lorenzato Di Ivrea percebeu: talvez fosse possível fazer vinho ali mesmo, em Ituverava, região de Ribeirão Preto (a 313 quilômetros de São Paulo).

"À noite, na festa, fazia 4°C; no dia seguinte o calor chegou a 30°C", conta. Descendente de vinicultores italianos, ele sabia que a amplitude térmica é essencial para o bom desenvolvimento de parreiras –e, logo, das uvas e vinhos.

Em 2013 surgia a primeira safra da Marchese Di Ivrea.

Semelhanças com características da fabricação europeia também motivaram a família Guaspari a criar um vinhedo em uma antiga fazenda de café em Espírito Santo do Pinhal (a 189 quilômetros da capital paulista).

"Fizemos um estudo e encontramos solos graníticos, como os do vale do Rhône, na França; por isso decidimos arriscar", diz Marina Guaspari Gonçalves, sócia da vinícola que apresentou sua primeira safra em 2014.

As duas empresas são representantes de um movimento de expansão das fronteiras vinícolas do país que se concentra nos Estados de São Paulo, Minas e Rio, nas serras da Mantiqueira e fluminense –mas chega também à Chapada Diamantina (BA).

São rótulos de vinhos finos, diferentes dos "de mesa" feitos tradicionalmente em cidades como São Roque. E algumas produções, ainda que incipientes, já recebem turistas.

DUPLA PODA

A semente dessa nova fronteira foi uma pesquisa capitaneada pelo engenheiro agrônomo Murillo Albuquerque Regina. Ele levou para a região, depois de estudar em Bordeaux (França) os efeitos do clima nas uvas, o conceito de dupla poda, ou poda invertida.

"O que faz a diferença na uva em Bordeaux é o clima, que eu percebi que era igual ao da minha terra. O que mudava para cá era a época da colheita; então fiquei pensando se seria possível inverter o ciclo natural da planta", diz.

A resposta: seria, sim –com a tal dupla poda. Regina passou a podar as vinhas em agosto, para formar os ramos, e depois novamente no verão, em janeiro, quando normalmente se colheriam as uvas (é nessa época que é feita a vindima na serra gaúcha; na Europa, a colheita se dá também no verão, que no hemisfério Norte começa em junho).

Pelo sistema, as uvas amadurecem no inverno, quando há menos chuvas, que podem prejudicar o sabor e o aroma das frutas, e dias com amplitude térmica maior. "A uva recebe raios solares durante o dia e, pela fotossíntese, acumula açúcar; à noite, com a temperatura mais fria, mantém a acidez e a gradação alcoólica", diz o agrônomo.

Das novas vinícolas paulistas e mineiras que começam a despontar com rótulos no cardápio de restaurantes e prateleiras de empórios, só a Entre Vilas, de São Bento do Sapucaí, não usa o sistema.

Muitas recorrem ao engenheiro agrônomo para conseguir mudas –ele fundou uma empresa que clona cepas francesas de variedades como syrah, sauvignon blanc, petit verdot e viognier. (A opção por francesas se dá tanto pela viabilidade comercial quanto pela sanidade das uvas, maior do que as italianas ou ibéricas, por exemplo.)

Várias também recorrem a estruturas externas, como a da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), onde Regina atua, para vinificar as uvas.

A Marchese Di Ivrea faz diferente: usa uvas italianas –como sangiovese e moscato giallo– e adquiriu estrutura própria para a vinificação. A Guaspari, já celebrada com prêmios em concursos internacionais, também investiu pesado: trouxe um enólogo dos Estados Unidos e implantou, dentro da propriedade, "microterroirs"; as uvas de cada área são vinificadas separadamente e só formam um blend na hora de engarrafar, de forma a obter o sabor desejado para cada rótulo.

TOUR

Como as produções são ainda incipientes –a maioria das vinícolas começou a fazer safras comerciais entre 2013 e 2015–, a visita costuma ser simples, com um tour pela propriedade e, eventualmente, almoço.

Na Marchese Di Ivrea, inclui degustação dos rótulos (R$ 60) harmonizada com queijos, frutas e sobremesa. Na Entre Vilas há um restaurante que funciona, com o conceito de slow food, aos fins de semana –na propriedade funciona também um viveiro de frutas.

A Guaspari deve passar a receber turistas só em 2017. É possível encontrar rótulos de todas nos locais, mas também em restaurantes ou empórios paulistanos.

Outros produtores mineiros e paulistas que começam a despontar incluem a Casa Verrone, de Divinolândia (SP), a Estrada Real, de Três Corações (MG), e a Maria Maria, de Três Pontas (MG).

Vinícolas em SP


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