Folha de S. Paulo


Poemas de João Cabral de Melo Neto sobre viagens são reunidos em livro

Christina Bocayuva - 24.mar.1991/Folhapress
O poeta João Cabral de Melo Neto posa no Rio de Janeiro
O poeta João Cabral de Melo Neto posa no Rio de Janeiro

O poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999), autor de "Morte e Vida Severina", disse certa vez que sua literatura teria sido outra se não tivesse trabalhado como diplomata –ao longo de 50 anos ele foi cônsul, embaixador e conselheiro junto à ONU em países como Espanha, Honduras, Equador, Senegal, Inglaterra e Suíça.

Ele contava que havia aprendido sozinho, lendo muito, a falar inglês, francês e espanhol. E, em uma entrevista, afirmou: "É difícil viver 24 horas falando uma língua e escrever em outra".

Apesar disso, como é dito em uma passagem de uma nova coletânea de seus poemas, "os lugares por onde o diplomata passou não foram obstáculo para seu apurado rigor com as palavras e ainda marcaram sua poesia de forma expressiva".

Inez Cabral, sua filha, nascida em Barcelona, reuniu 83 poemas escritos por Cabral nessas diferentes viagens como diplomata para a coletânea, batizada de "A Literatura como Turismo".

Segundo ela conta, o autor gostava de passear pelas cidades, observar as ruas e as gentes, tomar nota de tudo para depois escrever. "Isso foi seu material de inspiração", disse Inez à Folha.

O livro traz, por exemplo, um fac-símilie de anotações feitas pelo poeta em um cartão dele mesmo durante uma visita a Bruges, na Bélgica. "Tema: por que essa sensação de acolhimento, de regaço diante certas coisas medievais, velhas, gastas, roídas, da Europa?", escreveu. "Em Bruges, principalmente na catedral (igreja de são salvador e na torre arranha-céu e fortaleza) e nas ruelas e noutros lugares encontrei um tijolo duríssimo."

Com esta coletânea, que será oficialmente lançada no próximo dia 13 no Rio de Janeiro, Inez quis mostrar que o pai escreveu "sobre várias temáticas, não apenas as mais estudadas".

Em suas andanças pelo mundo, ele se apaixonou por Sevilha (Espanha) tanto quanto guardou saudades de Pernambuco, seu Estado natal. Os dois lugares, então, se tornaram recorrentes na obra de Cabral, ora como manifestação de carinho ("A cidade mais bem cortada/ que vi, Sevilha;/ cidade que veste o homem/ sob medida."), ora como referências de comparação. Não à toa, ocupam boa parte da coletânea.

A Literatura Como Turismo
João Cabral de Melo Neto
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"O prato raso que é o Recife/ e o prato raso que é Sevilha./ Nela, a beirada do Alcor,/ nele, Guararapes, Olinda", escreve, em "Pratos Rasos".

No livro, guiado por lembranças da própria Inez, a ideia é deixar-se levar como turista pela literatura do poeta.

As viagens podem se dar, por exemplo, pela conhecida França ("Viajar pela Provença/ é ir do timo à alfazema;/ ir da lavanda à mostarda/ como de uma a outra comarca") ou pelo menos explorado Marrocos ("A Jemaa-el-Fna de Marraquech/ é mais do que um museu de tudo:/ é um circo-feira, é um teatro,/ onde o tudo está vivo e em uso").

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  • A LITERATURA COMO TURISMO
  • autor João Cabral de Melo Neto (org. Inez Cabral)
  • editora Alfaguara
  • quanto R$ 39,90 (152 págs.)
  • lançamento 13/9, no Rio
Pedro de Moraes
Vinicius de Moraes (esq.) e João Cabral, em Paris, em 1964, em foto do livro
Vinicius de Moraes (esq.) e João Cabral, em Paris, em 1964, em foto do livro "100 Anos de Poesia"

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