Folha de S. Paulo


Repórter conta como é jantar em restaurante onde só se come nu

Chego para jantar no restaurante Bunyadi ("natural", em hindi), numa casa completamente preta do bairro Elephant and Castle, em Londres, e o constrangimento vem antes mesmo de ser levada à mesa. Sinto um frio na barriga ao me deparar com pessoas nuas no bar. Sou a única vestida. Inadequação completa de "dress code".

Há ali grupos de amigos e casais com idades diversas. O espaço do bar fica separado da sala de jantar, com algumas poucas mesas espalhadas e cadeiras ao redor do balcão, onde os clientes aguardam até serem conduzidos ao espaço da refeição.

Todo o estafe do bar, da recepção ao chef, fica vestido –até para se diferenciar dos clientes. A exceção são os garçons, que atendem exclusivamente as 42 mesas da sala de jantar. Eles vestem apenas a parte de baixo da roupa, com shorts e folhas verdes simulando as que aparecem cobrindo Adão e Eva –só que artificiais. O bar tem um clima de happy hour. É uma parada para socializar, ver gente e ser visto.

Para desfrutar da experiência, foi preciso reservar (no meu caso, com 15 dias de antecedência) e desembolsar £ 38,99 por pessoa (equivalente a R$ 168) para o menu de três pratos ou £ 58,99 (R$ 255) para o de cinco pratos –veganos ou não veganos.

Fico aguardando cerca de meia hora no bar, observando a humanidade como ela veio ao mundo. No e-mail de confirmação da reserva, a casa pedira para que se chegasse com 45 minutos de antecedência, para "entrar no clima". Entre risadas e bebidas, sou levada a um vestiário com armários, onde me dão um roupão e chinelos brancos e me pedem que tranque todos os meus pertences, inclusive as roupas íntimas.

Recebo também um papel com as regras da casa. Não é permitido entrar na sala de jantar com celular, câmera fotográfica, aparelho eletrônico, bolsa, nada. Entram só você, o roupão, a chave do armário e os chinelos. Ficar totalmente nu é opcional. Para os mais tímidos, é possível ficar o tempo todo de roupão. O período de permanência é de uma hora e 45 minutos. Depois desse período, a mesa deve ser liberada.

Não é permitido nenhum comportamento considerado "inadequado" ou "indecente", como incomodar outros clientes ou qualquer tipo de atividade sexual. Quem não segue as regras é expulso.

Ao sair do bar para a sala de jantar, o ambiente muda completamente. É como entrar numa caverna, um cenário dos "Flintstones". Até porque toda a comida é caçada ou coletada na vizinhança: os ingredientes são locais, orgânicos e elaborados sem o uso de fogo, eletricidade ou gás.

O resultado é servido em pratos de barro, com colheres comestíveis (similar a uma bolacha crocante salgada). Os pratos não usam pimenta ou qualquer ingrediente picante –por razões óbvias, como evitar que os clientes transpirem muito.

As mesas de madeira rústica ficam separadas umas das outras por divisores, como biombos feitos de bambu, o que garante certa privacidade. Diferentemente do bar, toda a iluminação é à base de velas, o que confere um clima romântico. A energia é de sensualidade, e não de sexualidade.

Resolvo então me jogar na experiência completa: tiro meu roupão e fico nua e crua como o jantar. A veste deve ser usada como uma almofada –para o comensal ficar mais confortável na cadeira e em nome da boa higiene.

Opto pelo menu não vegano de três pratos. Há uma entrada com pão preto orgânico (comprado pronto de um fornecedor local), com dois tipos de patê: um de pesto e um com manteiga à base de iogurte. Na sequência, salmão defumado envolvido com alga e temperado com um leve toque de maionese orgânica e salada; steak tartare com manjericão e goji berry marinado num azeite especial. Como sobremesa, um musse feito com chia, blackberries e coco.

Cada prato chega no tempo certo, um por vez, para que os alimentos sejam "sentidos", e não simplesmente digeridos. Como os clientes são despidos dos seus celulares, toda a atenção é dirigida para a comida e para a companhia. A comida é fresca e saborosa. Com Instagram e selfies interditados, o registro do momento é puramente sensorial.

O chef da casa, Jono Hope, me conta que apenas a geladeira usa eletricidade na cozinha, para conservar os alimentos. Segundo ele, a experiência de estar nu no jantar permite uma liberação completa dos sentidos e incentiva a experimentação de um menu menos comum.

Como os alimentos também estão "nus" (crus), isso faz, de acordo com Hope, que a pessoa se concentre mais na comida –em vez de pensar que está sem roupa alguma.

E há de se concordar que, para quem já tirou toda a roupa, encarar um steak tartare (carne e ovo crus) se torna uma tarefa muito simples.

*

O Bunyadi funcionou de modo pop-up em Londres no verão do hemisfério Norte, até meados de agosto.

Segundo os fundadores, a ideia agora é "levar o conceito a outras cidades europeias e também planejar novos passos em Londres" –eventualmente, a criação de um ponto fixo.

Para saber mais dos planos da casa, é necessário cadastrar-se no site do projeto.

Orlandeli

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