Folha de S. Paulo


Conheça Roma pelas mãos de 12 artesãos tradicionais da cidade

Quem passeia por Roma se admira com um sem número de ateliês históricos que fazem de tudo: confeccionam chapéus elegantes e sapatos sob medida, restauram pinturas e antiguidades valiosas, confeccionam joias, esculturas, lustres e grandes vitrais, tingem tecidos, estofam móveis e até revestem cúpulas de abajures.

Hoje, à frente desses ateliês estão profissionais que representam o melhor da produção artesanal da capital italiana e são responsáveis pela produção de bens de exportação que os moradores da cidade orgulhosamente dizem ter a qualidade "made in Italy". Mas não só isso. São produtos que ajudam a contar um pouco da história e da cultura dessa metrópole milenar.

A reportagem da Folha esteve em alguns desses negócios artesanais –todos com produtos que pela originalidade e qualidade foram abraçados pelo programa Progetto Ere (progettoere.it ), criado pela Câmara de Comércio da capital italiana para zelar pelos ofícios de alguns dos melhores mestres romanos.

As visitas guardam sempre pequenas surpresas. Em uma delas, a dona de uma chapelaria explicou por que o ofício podia realmente causar problemas neurológicos em chapeleiros, algo que foi inspiração para o personagem meio maluco de "Alice no País das Maravilhas" (1865), do escritor inglês Lewis Carroll –a exposição ao mercúrio causava o problema (leia mais na página. D6).

TRADIÇÃO RESGATADA

Na abertura do evento que apresentou o projeto Ere, abreviatura de "excelências romanas para exportação", o organizador Erino Colombi disse que "o mundo é pequeno, mas tem a medida do homem". Especialista em empreendedorismo, ele reconhece a importância econômica dos sofisticados artesãos que trabalham em diferentes ofícios: arte, moda, decoração e joalheria, por exemplo.

Em uma segunda fase, ele quer começar a rodar o mundo mostrando esses trabalhos, que são a um só tempo típicos e universais, clássicos e atemporais.

Com cerca de 3 milhões de habitantes, Roma tem ao menos 2.700 anos de história e é uma das metrópoles mais visitadas pelos turistas –uma urbe cuja caleidoscópica existência deixou marcas em diversas camadas arquitetônicas: a etrusca; a imperial, que está presente nas ruínas do Fórum Romano, do Coliseu e do Pantheon; a barroca, evidenciada nas importantes esculturas, praças, fontes, aquedutos e igrejas; e em diversas outras, como a renascentista, a pagã e a cristã.

Apesar de destacar toda essa herança, para além dos monumentos históricos, Colombi nota que a capital vive um momento delicado em que, em face da globalização acelerada, é preciso voltar, acolher os artesãos de talento e proteger os trabalhos artísticos identificados com a tradição romana.

Conheça nas próximas páginas alguns desses verdadeiros centros de arte. Há casas fundadas no século 19, artistas que fazem até hoje peças para o papa e saberes passados de geração para geração, desde restauração de telas clássicas a anéis que passam dos € 2.000 (R$ 8.200).

Quem sabe na sua próxima viagem a Roma você considere colocar algumas dessas casas nos seus roteiros pela capital da Itália.

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MÃOS À OBRA

Conheça a história e o método de produção de 12 oficinas romanas, que têm até o papa como cliente

1. MÃOS DO TARANTINO
Dante Mortet, escultor cuja família veio de Florença, integra a sexta geração de escultores. Seu ateliê tem de tudo: bustos do escritor Dante Alighieri e do revolucionário Garibaldi, objetos inusitados de prata, medalhas, taças e troféus. Mas são as mãos de personalidades e clientes ricos, em tamanho real, que viraram a sua marca registrada.

De Niro é meu freguês", conta, referindo-se ao ator e diretor famoso por "Touro Indomável". Ele também já plasmou os punhos de Martin Scorsese, Kirk Douglas e Quentin Tarantino –diretor que também está no círculo de amizades do escultor e até já incluiu mãos esculpidas por Mortet em seus filmes.

O artista desconversa quando o assunto é preço, mas deixa escapar que, para moldar uma dessas obras, precisa de um mês de trabalho e cobra de acordo com o bolso do cliente –cerca de € 5.000 (R$ 21 mil).

ONDE Bottega Mortet (via dei Portoghesi, 18)
MAIS bottegamortet.com

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2. OFÍCIO DE GERAÇÕES
Riccardo Alfonsi trabalha ao lado do pai, Vittorio, na Alfonsi Gioielli, uma pequena oficina de joias cuja qualidade é comparável à das grandes marcas. Vittorio, de 78 anos, é joalheiro há mais de seis décadas. "Hoje, as escolas de joalheria são muito técnicas. Os aprendizes sabem a que temperatura o ouro se funde, mas muitas vezes não sabem soldar uma peça", lamenta.

Escondido atrás das duas bancadas do ateliê, um diploma assinado pelo ex-presidente Francesco Cossiga, em 1987, atesta que, graças ao trabalho, Vittorio foi sagrado "cavallieri", uma grande honraria na Itália. Os preços das joias são difíceis de precisar -dependem das pedras, dos metais e também da montagem. De todo modo, um anel de ouro pode custar cerca de € 2.000 (R$ 8.350), mas há joias mais modestas por valores a partir de € 750 (mais de R$ 3.100).

ONDE Alfonsi Gioielli (via Vittoria, 80)
MAIS riccardoalfonsi.it

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3. NOVA VIDA PARA A ARTE
Repleto de pinturas a óleo, esse laboratório de restauros lida principalmente com obras de importantes artistas. A família Pavia entrou no ramo de restauração de arte ainda nos primeiros anos do século 19. Hoje, Alessandro e sua mulher, Lycia Giola, coordenam os trabalhos e o acervo.

Com equipamentos modernos, especialistas examinam as técnicas empregadas nas obras para reproduzi-las, examinam pigmentos originais e usam até raio-X ou equipamento de infravermelho para identificar composições e formas escondidas. Lycia se entusiasma com o que um restauro pode revelar sobre obras que são entregues aos seus cuidados.

Ela conta que, em um dos trabalhos, encontrou uma pintura de Giacomo Balla (1871-1958) sob uma tela que havia sido reutilizada.

ONDE Pavia Restauro (via Margutta, 54)
MAIS paviarestauro.com (agendamento de visitas pelo e-mail info@paviarestauro.com)

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4. GRANDES E PESADOS
Mais uma minifábrica arrojada do que propriamente um pequeno ateliê, o estúdio do "bronzista" Marco Riccardi cria diferentes peças de decoração, como mesas e imensos lustres metálicos. O lugar ainda restaura objetos e, outras vezes, reproduz itens clássicos, identificados com as moradias romanas mais elegantes.
O negócio foi iniciado pelo pai, Mariano Riccardi, há 60 anos.

Espalhados pelo espaço, há grandes e luxuosos objetos de bronze e de outros metais dourados ou prateados, como carrilhões adornados por esculturas, peças sólidas para decoração de ambientes ou para equipar banheiros. Tudo é feito a mão, e Riccardi tem em Nova York uma galeria que o representa, já que o artesão também faz objetos autorais mais pesados, em geral de metal prateado e inspiração mais contemporânea.

ONDE Marco Riccardi bronzista (Borgo Vittorio, 28/29)
MAIS bronzarte.it

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5. O ANJO DOS MATARAZZO
Na tradicional via dell'Orso, o antigo ateliê de Vincenzo Piovano preserva anjos de terracota, fragmentos de estátuas de madeira pregados nas paredes, partes de uma maquete de Roma nas estantes e mesas barrocas recebendo camadas de ouro. O restaurador e escultor Vincenzo, que hoje trabalha ao lado das filhas Michela e Alessandra, é um artesão à moda antiga.

"Não valorizam mais tanto nosso trabalho. Como Roma é plena de patrimônio artístico que precisa de restauros permanentemente, espero que atentem para a necessidade da continuação do nosso ofício", reclama, antes de mostrar um catálogo de 1984 que mostra um santo de madeira em tamanho natural feito por ele para a família ítalo-brasileira Matarazzo, de São Paulo.

ONDE Vincenzo Piovano e figlie (via dell'Orso, 26)
MAIS tel. +39 066869920

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6. REINO DOS 'PARALUMIS'
No centro histórico de Roma, em uma oficina que lembra um pouco a dos inventores típicos das histórias em quadrinhos, a L.A.R. faz abajures e almofadas luxuriantes desde 1938. Os irmãos Antonello e Fabrizio, que fazem parte da terceira geração de uma família dedicada à arte da decoração, dizem acreditar que seus ancestrais tinham mais liberdade de criação.

"Antes, muitos dos clientes pertenciam à nobreza e, paradoxalmente, aceitavam e confiavam mais no trabalho que fazíamos, na nossa escolha das estampas, por exemplo", dizem os dois. Em italiano, abajures são chamados de "paralumi" –e, nos dois andares do ateliê abarrotado de objetos e tecidos de cores vivas, há itens decorativos por toda parte, principalmente os tais "paralumi".

ONDE L.A.R. dal 1938 (via del Leoncino, 29)
MAIS paralumi.it

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7. ROUPEIRO DO ZICO
A loja principal da Dan, exclusiva para homens, faz gravatas, camisas clássicas ou arrojadas há mais de 50 anos. Mas a empresa iniciada pelo mestre-costureiro Dario Mandatori em 1973 tem mais outras duas lojas, estas que vestem mulheres e crianças.

Há roupas prontas, como camisas clássicas a partir de € 130 (cerca de R$ 540), mas o fino é encomendar uma vestimenta sob medida, escolhendo o tecido, o tipo de corte e o monograma que virá bordado no bolso, que pode ser o símbolo de uma família ou um brasão pessoal.

Entre os fregueses habituais que o procuram em busca de seus tecidos para cobrir o corpo, o proprietário menciona o jogador brasileiro de futebol Zico e também o ator norte-americano Gregory Peck.

ONDE Dan Roma (via Francesco Crispi, 60)
MAIS danroma.com

8. VIDROS COLORIDOS
Para a Nigéria, a Vetrarte d'Arte Giuliani, que existe desde 1900, fez um vitral de 1.400 m² que está no Ecumenical Centre de Abuja. Eles usam uma técnica milenar para produzir vidros de diversas cores que, cortados com diamante, são artisticamente unidos por uma estreita barrinha de chumbo, formando mosaicos realistas ou abstratos, dependendo da encomenda.

No interior da fábrica, onde os espaços são grandes, os vitrais têm estilos tão ecléticos que já foram usados em prédios da cidade alemã de Leipzig, em mesquitas, no palácio real de Doha, no Qatar, em construções na Arábia Saudita e até no próprio Vaticano, um dos seus fregueses habituais.

ONDE Vetrate d'Arte Giuliani (via Garibaldi, 55A)
MAIS vetrategiuliani.com

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9. VACAS NA MESA DO PAPA
Fausto Maria Franchi, que hoje trabalha ao lado de seu filho Enrico, faz objetos e esculturas de estilo moderno usando metais, especialmente a prata. Ligado à ONG Médicos Sem Fronteiras, que ganha porcentagem da venda de seus trabalhos, o artista faz, por exemplo, esculturas de vacas que denunciam a proliferação de alimentos transgênicos.

A pouca distância do rio Tibre, o ateliê Bottega Franchi é uma galeria que ostenta uma vitrine com suas obras. Não muito longe dali, no Vaticano, o papa Francisco, que aboliu o uso de ouro, tem uma das vacas de Fausto exposta sobre sua mesa de trabalho.

ONDE Bottega Franchi di Enrico Franchi (via di Ripetta, 156)
MAIS bottegafranchi.com

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10. CHAPÉUS MAIS MALUCOS
Desde 1936, a Antica Manifattura Capelli confecciona chapéus no mesmo local, cujas prateleiras exibem mais de 1.500 formas de madeira. Os modelos, sejam eles cartolas ou femininos, são feitos em método tradicional, quando o feltro é aquecido no vapor e esticado por um chapeleiro sobre as formas de madeira.

Patrizia Fabri, que era freguesa do negócio e resolveu adquiri-lo nos anos 1980, conta que, antigamente, os chapeleiros tinham fama de "malucos" por causa da intoxicação causada pelos vapores do mercúrio usado no processo. Daí a alusão do escritor Lewis Carroll (1832-1892) no personagem Chapeleiro Maluco em "Alice no País das Maravilhas".

ONDE Antica Manifattura Cappelli (via Degli Scipioni, 46)
MAIS antica-cappelleria.it

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11. e 12. SAPATOS À MÃO
Chique e para poucos, a Bocache & Salvucci demora ao menos 14 horas para confeccionar manualmente um par de sapatos de couro. Mas o cliente, por sua vez, vai esperar mais de um mês para receber a primeira encomenda, cujo preço pode passar de € 1.000 (R$ 4.160). Esse é o tempo que leva para fazer a forma.

Na Calzoleria Petrocchi, os calçados feitos a mão por Marco Cecchi também são vendidos sob encomenda. Ele utiliza couro de vitelos franceses, alemães e ingleses para cobrir os pés de damas e cavalheiros que disponham de pelo menos € 800 (R$ 3.330).

ONDE Bocache & Salvucci Calzolai (via Francesco Crispi, 115/A; bocachesalvucci.com );
Calzoleria Petrocchi (Vicolo Sugarelli, 2; calzoleriapetrocchi.it )

O jornalista viajou a convite da Câmara


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