Folha de S. Paulo


Paraíso, Ilha Grande já foi 'caldeirão do inferno'

"Se nos largassem, vagaríamos tristes, inofensivos e desocupados, farrapos vivos, fantasmas prematuros; desejaríamos enlouquecer, recolhermo-nos ao hospício ou ter coragem de amarrar uma corda ao pescoço e dar o mergulho decisivo." Assim escreveu Graciliano Ramos nas suas "Memórias do Cárcere", o mais contundente testemunho sobre o presídio da Ilha Grande.

Preso político na ditadura de Getúlio Vargas, Graciliano nunca soube a real razão de ter sido mandado para trás das grades, pois não havia acusação formal contra ele.

Por dez meses, de março de 1936 a janeiro de 1937, o escritor foi torturado. Viveu em porões imundos. Sofreu privações. O relato das experiências longe da liberdade foi lançado em 1953, após sua morte.

Em meio a tanta beleza natural, a Ilha Grande já foi um dos lugares mais sinistros e sombrios do Brasil, quando, diante de suas praias sedutoras, abrigava um sistema carcerário para onde era encaminhado todo tipo de "ladrão, desordeiro ou subversivo".

Ao longo de aproximadamente cem anos, as colônias correcionais, prisões e penitenciárias da Ilha Grande estiveram associadas a condições desumanas a que os internos eram submetidos.

Outros presos ilustres passaram por lá: os jornalistas e escritores Orígenes Lessa e Fernando Gabeira, os revolucionários Flores da Cunha e Luiz Carlos Prestes, o dramaturgo Nelson Rodrigues, a psiquiatra Nise da Silveira.

Ilha Grande funcionou ainda como uma espécie de "laboratório" para o aprimoramento do crime organizado. Entre os "colaboradores", Rogério Lengruber, o "Bagulhão", um dos líderes da facção criminosa Comando Vermelho, assim como Escadinha e João Francisco dos Santos, figura controversa, malandro transformista conhecido como Madame Satã.

INFERNO

Localizada numa das praias mais belas da Ilha Grande, a de Dois Rios, a colônia foi instalada em 1894. No local, também foram construídas 50 casas para abrigar as famílias de oficiais encarregados da segurança da cadeia –apelidada de "caldeirão do inferno".

Somente em 1994 os prédios do complexo arquitetônico Instituto Penal Cândido Mendes foram implodidos. Hoje, ali funciona um museu. Seu acervo é uma importante fonte de reflexão sobre as políticas carcerárias e seus efeitos na sociedade brasileira.

Para chegar a Dois Rios, o visitante segue pela única estrada de terra da ilha. São cerca de 12 quilômetros, partindo da Vila do Abraão. Atenção: pelo caminho, você poderá cruzar com um caminhão, que faz o transporte de moradores, mas não adianta insistir, carona ali é proibida.


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