De ar clássico e mentalidade moderna, o Uruguai tem espírito cultural pulsante. E um de seus mais célebres cidadãos deixou marcas pela capital do país –que vive, desde abril passado, a nostalgia da perda do escritor e jornalista Eduardo Galeano.
Não é difícil encontrar entre seus conterrâneos em Montevidéu alguém com uma história relacionada ao autor de "As Veias Abertas da América Latina".
A forte relação de Galeano com a cidade natal foi contada em suas obras, textos jornalísticos e na rotina pessoal.
Mesmo nos últimos anos de vida, contam pessoas próximas, diariamente ele saia de casa em Pocitos para viver a cidade onde as pessoas "amam sem dizer e se abraçam sem tocar". O "Turismo" preparou um guia de lugares por onde o autor escreveu história (leia abaixo).
ATRATIVOS
Charmosa e pacata, Montevidéu já se consolidou como destino queridinho de brasileiros. Não é exagero dizer que talvez tenha virado uma das cidades latino-americanas em que o portunhol é espécie de idioma não oficial.
De todos os turistas que o Uruguai recebe, os brasileiros só não são mais presentes do que os argentinos.
O fluxo para nosso vizinho ao sul tem se mantido na ordem de mais de 400 mil visitantes por ano: foram 462 mil brasileiros por lá em 2014, 429 mil no ano passado, de crise (cerca de 15% do total de turistas que o país recebe).
Em época de dólar alto, o Uruguai atrai ainda com uma série de incentivos estatais.
Por exemplo, a isenção de impostos para turistas em serviços de hospedagem, gastronomia e outros serviços –a medida, que promove descontos de 21% nos pagamentos feitos com cartão de crédito, vale até 31 de março e costuma ser prorrogada.
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SAIBA MAIS
Uruguaio Foi Um Pensador Da Esquerda
Importante intelectual e ativista da esquerda latino-americana, Eduardo Galeano (1940-2015) formou-se na escola de jornalismo crítico, calada pelas ditaduras. Exilou-se nos anos 1970 na Espanha e preferiu seguir atuando por meio dos livros de história e ensaios.
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Veja um roteiro por lugares frequentados por Galeano
Ezequiel Scagnetti-12.abr.2013/Zuma Press/Xinhua | ||
Eduardo Galeano no café, em 2013 |
CAFÉ BRASILERO
A tradicionalíssima cafeteria chegou muito antes: abriu as portas em 1877 –Galeano nasceu em 1940. Mas, de tão habitué, o escritor acabou intimamente ligado ao lugar. "Sou filho dos cafés de Montevidéu. Neles aprendi tudo que sei, foram minha única universidade", dizia.
Todas as manhãs, o escritor ocupava no Brasilero uma mesa entre a parede de madeira e a janela envidraçada para ler o jornal. Acompanhava a leitura com uma taça de vinho, um cortado (café com leite) ou com o café batizado com seu nome (leva licor Amaretto, creme e doce de leite; 80 pesos, R$ 10).
Requisitado por turistas que o viam pela janela, atendia a todos com paciência –e justificava a atenção dada contando uma história: "As pessoas querem ver Deus, mas não sabem como ele é. Então, criam deuses nas pessoas. Como faz bem a elas, deixo que me vejam".
Hoje, as paredes do café ainda mantêm fotos do escritor e os garçons, o gerente e o dono do café lembram vividamente a convivência com o escritor, a quem reputam elogios.
MAIS calle Ituzaingó, 1.447, Ciudad Vieja; cafebrasilero.com.uy
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Luiz Felipe Silva | ||
Livraria Linardi y Risso |
LIVRARIA LINARDI Y RISSO
A livraria era uma espécie de parque de diversões de Galeano, que a frequentava desde os anos 1960 –quando o lugar ocupava um casarão do outro lado da rua onde está hoje.
Especializada em livros antigos e sobre a América Latina, a Linardi y Risso tem papel importante na formação intelectual de Galeano e de outros escritores da região: por décadas, promoveu em seu café grupos de discussão que reuniam a nata intelectual do continente –gente do calibre de Pablo Neruda, Mario Vargas Llosa, Haroldo de Campos, Mario Benedetti e Julio María Sanguinetti.
Os debates já não acontecem, mas o acervo de 50 mil livros segue em exposição. Nos últimos anos de vida, Galeano era mero comprador: encomendava livros raros e ia lá só para buscá-los. A maior parte era sobre futebol, mas também obras sobre a história política e social da América Latina. "Ele comprava muitos livros, vinha aqui quase que semanalmente", conta Andreas Linardi.
MAIS calle Juan Carlos Gómez, 1.435, Ciudad Vieja; linardiyrisso.com
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Luiz Felipe Silva | ||
JORNAL BRECHA
Uma das principais heranças que Eduardo Galeano deixou para Montevidéu é o jornal "Brecha". Semanal, o veículo nasceu em 1985 como uma segunda fase do "Marcha", publicação de esquerda fechada pelo governo militar em 1973. Entre os fundadores, ao lado de nomes como Carlos María Gutiérrez e Mario Benedetti, estava Galeano.
O escritor também ocupou um assento no Conselho Editorial até sua morte e foi fiador do jornal: certa vez, doou parte do cheque que havia ganho por um prêmio literário à publicação, que andava mal das pernas.
"A grande herança que nos deixou foi sua visão jornalística de independência", diz o atual diretor de Redação, Daniel Erosa. Nos últimos anos, Galeano pouco frequentou o prédio da avenida Uruguay onde está a Redação, embora fosse pessoalmente checar sua caixa postal –literalmente, uma caixa de papelão.
MAIS Não há visitas regulares à Redação, mas pode-se fazer contato pelo e-mail hola@brecha.com.uy
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Luiz Felipe Silva | ||
Estádio Centenário |
ESTÁDIO CENTENÁRIO
"Todos os uruguaios nascem gritando gol. Eu quis ser jogador de futebol, como todos os garotos". Galeano era apaixonado por futebol e pelo clube Nacional.
Tinha apreço especial pelo estádio Centenário, onde o time foi campeão da Libertadores três vezes e onde o Uruguai se sagrou campeão da primeira Copa do Mundo, disputada em 1930.
"O estádio Centenário suspira de nostalgia pelas glórias do futebol uruguaio", escreveu em seu livro "El Fútbol a Sol y Sombra" (1995). Uma de suas primeiros obras também foi sobre futebol, "Su Majestad el Fútbol" (1968).
Por 100 pesos (R$ 13), o Centenário abre as portas para seu museu, onde há fotos, recortes de jornal, uniformes e troféus dos mais importantes títulos do futebol uruguaio. O tour dá direito ainda de ir à arquibancada, que pode receber 60 mil torcedores. Sem eles, na visita ao lendário estádio, vem à mente mais um escrito de Galeano: "Não há nada mais vazio que um estádio vazio. Nada mais silencioso que as escadas sem ninguém".
MAIS av. Dr. Américo Ricaldoni, Parque Batlle; estadiocentenario.com.uy
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Raquel Cunha/Folhapress | ||
Pedestres caminham na Rambla, na costa de Montevidéu |
RAMBLA
Galeano fez das caminhadas pela rambla de Montevidéu (calçadão que margeia a costa da capital, alinhado ao mar e ao rio da Prata) uma espécie de compromisso diário.
"Vou caminhando pela costa da cidade onde nasci. Ando nela e ela anda em mim. E, enquanto vou, as palavras caminham dentro de mim e vão formando histórias", disse em uma entrevista, sobre suas andadas pela Ciudad Vieja.
Sua trajetória tradicional incluía a plaza Independencia e os arredores do mercado do porto e de outras construções históricas de Montevidéu, como o teatro Solís.
Como Galeano, os moradores locais fazem da rambla um passeio tradicional. Nos finais de tarde e fins de semana, sobretudo na primavera e no verão, é comum ver famílias e jovens lotarem o calçadão e as praias que se espalham pelos muitos quilômetros da avenida. As atividades se dividem entre tomar chimarrão, treinar rúgbi, correr, caminhar...
MAIS Rambla Francia, Ciudad Vieja