Folha de S. Paulo


Saiba o que fazer se o hotel estiver tomado por obras e barulho

Arte
 Turismo 04.02.2016 - Viagem do barulho - (Arte)

A ideia da viagem de quatro dias ao Rio de Janeiro, em julho passado, era comemorar os 19 anos de casamento.

Durante o dia, Arnaldo Murdhock, 48, a mulher, Andréia, e o filho de 14 anos até conseguiram aproveitar a estadia. À noite, entretanto, o que vinha era um pesadelo.

A razão: funk em altíssimo volume e invadindo a madrugada até cerca de 6h, vindo de uma balada no centro da cidade –vizinha ao hotel.

"A música era tão alta que até ouvir a TV era impossível. De manhã, não havia outro assunto entre os hóspedes nas mesas do café", conta ele.

No meio da madrugada da segunda noite de estadia, o consultor de propaganda decidiu antecipar o retorno em dois dias e largou tudo para voltar a Guarulhos (SP).

A surpresa que transformou a celebração em férias frustradas não deveria acontecer, segundo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). "O consumidor tem direito à informação clara e precisa. Um hotel que não ofereça uma boa noite de descanso está deixando de cumprir com sua obrigação básica", afirma Claudia Almeida, advogada do órgão.

Por isso, nesse caso, mesmo que não fosse diretamente responsável pelo barulho, o hotel poderia tomar medidas para melhorar o serviço oferecido aos hóspedes –por exemplo, avisá-los com antecedência da situação.

Outra possibilidade seria a instalação de janelas e estruturas antirruído e até exigir o mesmo da balada ou denunciá-la à prefeitura.

Procurado pela Folha, o hotel Ibis, onde Murdhock ficou com a família, informou que "alguns quartos são barulhentos e não há como evitar essa situação". O estabelecimento diz que são oferecidos quartos alternativos, "quando há disponibilidade".

A Secretaria de Meio Ambiente do Rio afirmou que nunca recebeu denúncias de poluição sonora contra a balada –por isso, não mediu o nível de ruído do lugar.

Murdhock pediu o ressarcimento da viagem, mas o hotel negou e ofereceu uma diária grátis por causa do incômodo; ele recusou a oferta.

ESTAMOS EM OBRAS

As irmãs gêmeas Ana Flávia e Ana Paula Silva de Souza, 21, de Brasília, também se frustraram nos quase dez dias que passaram em Porto Seguro (BA) em outubro de 2013.

Nada a ver com o axé das barracas de praia da cidade. A surpresa veio assim que fizeram o check-in: o hotel tinha obras de ampliação a todo o vapor –aceleradas exatamente naquele período para evitar transtornos aos hóspedes na temporada de verão.

Ao se instalar, as irmãs tiveram outra desagradável descoberta. No apartamento dos pais, tudo certo. No delas, em outra ala... "Havia poeira por todo lado. Mas o pior foi o incômodo de ser acordada pelo barulho da reforma todas as manhãs", diz Ana Flávia. A família, segundo ela, não havia sido avisada da situação.

Quando surpresas desse tipo acontecem, segundo o Idec, o hóspede pode exigir o dinheiro de volta e cancelar a estadia sem ônus ou negociar com a gerência, na conta final, um abatimento justo no preço das diárias.

Caso não consiga nada, a advogada Claudia Almeida recomenda documentar a estadia com fotos e vídeos, registrar o que foi conversado e fazer reclamações com entidades de defesa do consumidor.

O Beach Hills, de Porto Seguro, em que ficou a família Silva de Souza, disse à reportagem que "todo hotel passa por obras" e que "não conseguiria dar detalhes" dessa reforma especificamente.

Segundo Nérleo Caus de Souza, presidente da ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), o recomendado são reformas nas instalações a cada cinco ou sete anos (além de manutenções pontuais), dependendo da estrutura do hotel.

"Mas um bom planejamento é essencial, porque ainda sofremos com a qualidade da mão de obra no Brasil: obras que deveriam levar 30 dias chegam a durar cem", diz.

Por isso, outro ponto fundamental, para Souza, é o hotel deixar o hóspede ciente da situação, sempre. E fazer o possível para amenizar os efeitos da obra. "Por exemplo, bloqueando andares e áreas do hotel, fazendo a reforma por etapas", diz.

O gestor de compras Douglas Pedroso, 34, de Belo Horizonte, pode se considerar "premiado", depois de enfrentar problemas com barulhos na vizinhança de hotéis em duas ocasiões recentes.

Na primeira, em 2014, sofreu com uma obra na rua em duas madrugadas das cinco em que esteve de férias com o noivo no Rio de Janeiro. "A sorte é que o sono era maior que a batucada", brinca.

Na segunda vez, no ano passado, em uma viagem a negócios em São Paulo, novamente havia uma construção vizinha ao hotel que não parou nem de madrugada.

"Eu vi a obra quando cheguei à tarde, mas não imaginei que se estenderia até altas horas. O barulho era tanto que à noite fiz o check-out, peguei um táxi e fui para outro hotel para conseguir descansar", lembra.

À Folha, o hotel em questão, o Transamérica, informou que não identificou "nenhum registro de reclamação sobre esse assunto" e que não teria como se pronunciar.

A recomendação da advogada do Idec é se precaver –por exemplo, perguntando diretamente ao hotel, no momento da reserva, se há barulho na região ou no próprio estabelecimento.

"Pode parecer estranho, como se você fosse comprar um carro e perguntasse à concessionária se ele anda –mas a tática funciona", diz.

Outra estratégia é pesquisar na internet, em sites de viagens ou de proteção ao consumidor, por eventuais reclamações contra o hotel (e qual é a natureza delas).

"Quando voltei, vi várias mensagens na internet falando do barulho no hotel. A ansiedade e a falta de experiência me fizeram aprender a lição", diz Arnaldo Murdhock.

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NÃO PERTURBE
O que turistas podem fazer em caso de barulho

> Antes de viajar, não tenha medo de perguntar ao hotel se há barulho na vizinhança e no próprio lugar

> Pesquise em sites de viagens (TripAdvisor, Booking) e de consumo (Reclame Aqui) se há reclamações de barulho contra o hotel. Se houver, pergunte ao local que medidas estão sendo tomadas para atenuar o problema

> Já instalado, se houver incômodo, pedir para trocar de quarto é o básico; em caso de lotação máxima, negocie descontos na diária, o ressarcimento do valor ou um vale para uma futura viagem

> Se não conseguir esses benefícios ou se achar que eles não foram suficientes para reparar os danos, o turista pode fazer uma notificação do caso ao Procon –na cidade onde mora, não onde fica o hotel

> É essencial documentar a situação: fazer filmes e áudios do barulho, tirar fotos da reforma, anotar nomes de funcionários e horários das conversas e mandar um e-mail relatando o ocorrido

> Ao final, pode valer a pena relatar o caso e comentá-lo em sites de consumo e de viagens; isso pode ajudar futuros viajantes


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