Folha de S. Paulo


Rochas do parque nacional de Sete Cidades exercitam a imaginação

As lentes dos óculos estão embaçadas, a visão embaralhada, a camisa lavada de suor. O sol quente anuncia: faz mais de 40°C. Até onde a vista alcança, a paisagem é composta de rochas.

Habituado ao calor constante, o guia, de olhos bem treinados, vê muito mais que a aspereza das pedras: "Olhe! Percebe os desenhos que formam cascos de tartaruga? Repare no bico de uma águia! Você se deu conta de que parece um casal se beijando?".

Especialista nesse jogo de procurar formas inusitadas, instigado por incomum curiosidade, Osiel de Araújo Monteiro ganhou o apelido de Curiólogo. Seus 39 anos de vida vêm sendo dedicados a explorar o parque nacional de Sete Cidades, área de transição entre a caatinga e o cerrado que se esparrama na região nordeste do Piauí.

O nome do parque faz referência aos sete grupos de formações rochosas, apelidados de "cidades", esculpidas ao longo dos últimos 200 milhões de anos pela ação do vento, da chuva e do calor.

"As pedras falam. Como toda a natureza, elas só precisam de um intérprete atencioso para entendê-las", diz.

Sem perceber, faz poesia. Conta que, quando criança, era ninado pela avó, que o fazia dormir ouvindo histórias dos sete reinos de pedra.

Orientado pelo olhar dele, o visitante entra na brincadeira e não demora a enxergar nas pedras esculturas de animais, figuras humanas e o que mais a imaginação permitir: estão lá o busto de dom Pedro 1º, um cavalo-marinho, um elefante, um cachorro, o mapa do Brasil e até mesmo uma boa quantidade de falos.

Outro atrativo especial do lugar são as pinturas rupestres (das quais cerca de 1.500 estão catalogadas). Datadas de mais de 6.000 anos, são estudadas por arqueólogos de vários países. Em uma delas, o controverso escritor suíço Erich von Däniken, autor de "Eram os Deuses Astronautas?", teria enxergado a estrutura helicoidal do DNA.

De dezembro a julho, com as chuvas, aumenta o volume da queda da cachoeira do Riachão, formam-se as piscinas naturais, e a vegetação fica ainda mais verde.

De carro, o passeio dura quatro horas, um percurso de aproximadamente 15 quilômetros. Há quem encare a trilha a pé ou de bicicleta.

Independentemente da escolha, a companhia de um guia é indispensável.

Os passeios organizados por esses profissionais custam de R$ 40 a R$ 80. As excursões com dez integrantes, que duram de duas a três horas, têm preços que variam de R$ 5 a R$ 10 por pessoa, dependendo do roteiro.

GRITA, QUE EU TE ESCUTO

Localizado a cerca de 200 quilômetros de Teresina, o parque de Sete Cidades foi criado em 1961, com o objetivo de preservar ecossistemas naturais de relevância ecológica e beleza cênica.

Além de pesquisas científicas e atividades de educação ambiental, a área também é destinada ao turismo ecológico e à recreação em contato com a natureza.

Ocupa uma área de 62 quilômetros quadrados (mais de 6.000 campos de futebol). Desse total, menos da metade é aberta à visitação pública. A maior parte da flora encontrada ali é típica do cerrado: espécies como murici, bacuri, pequi e pau-terra. Nas manchas da caatinga, são avistados juazeiros, juremas, aroeiras e cactos, como o xique-xique e a coroa-de-frade.

O visitante pode ter a chance de assistir à revoada de bandos de papagaios. Suçuarana, veado-mateiro, tatu, mocó, paca, tamanduá-mirim, cutias e répteis também podem dar o ar da graça.

É comum falcões tropicais e gaviões se manterem à espreita no caminho, bem lá no alto das rochas.

Três cidades servem de base para o turista: Piripiri, Brasileira e Piracuruca. Seja qual for a escolha, vale esticar até a simpática Pedro 2º, distante cerca de 40 quilômetros do parque.

Existe um mirante instalado no morro do Gritador, que, a 720 metros acima do nível do mar, possibilita uma vista panorâmica da vegetação nativa e dos imensos paredões de rocha.

O morro recebeu esse nome por causa do eco produzido no local. Antigamente, segundo a lenda difundida pelos moradores, as comunidades que moravam em cima e embaixo do morro se comunicavam "na base do grito".

A paisagem inspira Curiólogo: "Quem me dera, em vez de morrer, virar pedra. Havia de ser uma bem grande, como aquela", disse o guia, apontando para a montanha.

Piauí


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