Folha de S. Paulo


Cajueiro da Praia, no Piauí, preserva tesouros na terra e no mar

Praias desertas, clima de vila, babel de idiomas e muito esporte náutico. Assim é Barra Grande, que ainda não virou alvo do turismo de massa.

O refúgio pertence a Cajueiro da Praia, cidade de 7.000 habitantes. Atrás da igreja do vilarejo, uma estradinha de pedra de 8 quilômetros leva à cidade. Em grande parte do percurso, não há vivalma; fica só a sensação de ser parte de um cenário exuberante.

Motivo de orgulho da cidade, o cajueiro-rei, árvore que, segundo os moradores, chega a 8.810 metros quadrados, é patrimônio natural. Disputa o título de maior do mundo com o de Pirangi (RN).

Uma das praias centrais ostenta outra vegetação característica do Estado: um extenso carnaubal, que adorna as dunas do lado direito da baía. Da carnaúba, palmeira nativa do Nordeste, extrai-se a cera que, além do uso automotivo, entra na composição de cosméticos, remédios etc.

Vizinha das carnaúbas fica a base do Projeto Peixe-Boi Marinho. É na deserta praia de Itã, cujas águas lembram as do Caribe, que está a torre de observação do mamífero, a cerca de 3 km da costa.

O acesso à praia, sombreada por mangues, é feito por uma trilha desenhada no verde. Se será possível avistar o peixe-boi, é impossível prever, mas uma coisa é certa: sentar-se à sombra e olhar para o mar iluminado pelo sol a pino é outro momento gratificante.

'Veio um tal de gringo, que eu nem sei de onde é'

O rabisco de cores de kitesurfistas em Barra Grande vai cedendo espaço ao crepúsculo. Severo do Nascimento, 59, não arreda pé até o céu começar a cravejar-se de estrelas.

Percebe a presença de forasteiro e engata uma prosa, daquelas que prometem arrastar-se para longe de qualquer sinal de precipitação.

"Primeiro, veio o pessoal de São Paulo e um tal de gringo, que nem sei de onde é", conta o pescador, nascido e criado em Barra Grande.

Com a chegada dos estrangeiros, explodiu aquele ciclo típico de lugares descobertos pelo turismo: espantam-se da beira-mar os nativos, os preços da terra disparam e abrem-se caminhos para empreendimentos voltados para atender aos visitantes.

"A gente só sabia o que era pesca e roça", lembra Severo, fitando o mar no infinito. "As coisas não tinham valor por aqui. Vinte anos atrás, uma senhora, moradora dessas bandas, trocou o terreno dela de frente para o mar por um radinho de pilha."

Hoje, comida, bebida, estadia, passeios, tudo tem valores tabelados pela nova lei de oferta e procura. O leque de opções é vasto, das mais simples às sofisticadas.

Um dos restaurantes mais moderninhos, com refeições por cerca de R$ 100 no total, é o La Cozinha, comandado pelo chef belga Hervé Witmeur, 31, outro forasteiro que ali se aquietou.

No espaço, onde se mesclam a cozinha francesa e a brasileira, são usados produtos orgânicos colhidos na horta da casa.

Nas mesas ao redor, outro cardápio também é vasto: o de idiomas. Inglês, francês, alemão, holandês, italiano.

"Isso aqui virou outro mundo", surpreende-se. "E imaginar que a luz elétrica só chegou a Barra Grande em 1990. Tomávamos banho nos lagos, pegávamos água na cacimba."

Esse tal de kitesurfe, segundo conta o pescador, assusta os peixes, leva-os para longe, mas trouxe para esse pedacinho do Piauí coisas que "nem pensávamos que existissem".

Piauí


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