Folha de S. Paulo


'Inferno sobre a Terra', ilha do Vietnã transforma-se em paraíso turístico

Eric San Juan/EFE
 GRA062. CON SON (VIETNAM), 25/11/2015.- Playa de Dan Trau, en la antigua isla penal de Con Son, frente a las costas del Sudeste de Vietnam, las que tras ser conocida durante más de un siglo como
Praia de Dan Trau na antiga ilha penal de Con Son, no Vietnã

Conhecida por mais de um século como "o inferno sobre a Terra", a antiga ilha penal de Con Son, no litoral sudeste do Vietnã, tenta deixar para trás seu passado para potencializar o turismo em suas praias paradisíacas e grandes florestas.

"Nossa história é interessante, mas a maioria dos turistas prefere ficar de frente para o mar, aproveitar hotéis de luxo, fazer excursões na floresta e mergulhar com tartarugas", disse Truong Ai Van, guia turística há dez anos.

Con Son, a maior ilha do arquipélago de Con Dao (antes chamado Poulo Condor) é hoje um lugar onde, a cada ano, 50 mil visitantes aproveitam as praias, os recifes de coral, a floresta tropical e o santuário de tartarugas marinhas, enquanto os muros de suas prisões conservam os fantasmas de um passado não muito distante.

As oito prisões que chegaram a existir no território, de apenas 52 quilômetros quadrados e quatro mil habitantes, fecharam após o término da Guerra do Vietnã, em 1975.

As instalações foram abandonadas pelas autoridades de Hanói e invadidas pela vegetação até que, no fim da década dos anos 1990, foram reabilitadas como museus do horror.

Eric San Juan/EFE
 GRA061. CON SON (VIETNAM), 25/11/2015.- Vista de las llamadas
Vista das chamadas "jaulas de tigre" da prisão de Phu Tuong, construídas pelas autoridades francesas em 1940

Desde que a administração colonial francesa construiu a primeira penitenciária, em 1862, mais de 200 mil presos, a maioria dissidentes políticos, passaram pelos presídios da região.

Todas as noites, os habitantes da ilha comparecem ao cemitério para rezar pelos 20 mil prisioneiros que morreram atrás das grades, incapazes de resistir às terríveis condições, aos trabalhos forçados, às doenças tropicais, à falta de higiene, à escassez de alimentos e às constantes torturas.

Após a derrota francesa na batalha de Dien Bien Phu, em 1954, a ilha passou a ser comandada pelo regime do Vietnã do Sul, que, com o apoio dos Estados Unidos, continuou a utilizá-la como presídio para dissidentes políticos até 1975.

Nguyen Thi Ni, 77, viveu entre 1972 e 1974 enclausurada na prisão de Phu Hai, a maior e mais antiga da ilha, punida por "atividades revolucionárias".

"Vários amigos meus morreram nas prisões. Antes, estive em uma prisão em Saigon, mas aqui as condições eram muito piores, sofríamos muitas torturas, nos agrediam. Só podíamos nos concentrar em sobreviver, e era especialmente difícil para as mulheres. Acho que nunca pude ter filhos por culpa das torturas", relembrou.

A maioria dos que saíram vivos da prisão abandonou a ilha para nunca mais voltar, mas Thi Ni, natural do delta do rio Mekong, retornou ao local onde perdeu tantos amigos decidida a contribuir para libertá-lo de seus estigmas.

"Queria que Con Son seguisse em frente. Chegar para morar aqui seria uma boa oportunidade para mim e meu marido. Na ilha, apenas cinco antigos prisioneiros estão vivos", afirmou.

Apesar das condições críticas em que viveu, Nguyen Thi Ni considera que teve sorte ao se livrar das asfixiantes celas de isolamento, nas quais eram colocados os presos considerados mais perigosos, ou das famosas "jaulas de tigre", recintos apenas com barras no teto, onde muitos reclusos acabavam atrofiando os músculos pela falta de atividade.

"Os guardas agrediam os presos com pedaços de madeira e frequentemente jogavam cal virgem para queimar suas peles", contou o guia turístico do centro.

Construídas pela administração francesa em 1940 em um anexo da prisão de Phu Tuong e depois usadas pelo regime do Vietnã do Sul, as "jaulas de tigre" tiveram a existência revelada pela revista "Life" em uma reportagem que comoveu os Estados Unidos.

Nguyen Thi Ni diz se alegrar com a nova imagem da ilha e o gradual desenvolvimento do turismo, mas lamenta a falta de interesse de muitos jovens turistas vietnamitas pela história e alerta que o passado não deve ser esquecido.

"Agora Con Son é um lugar melhor, mas deveria servir para que os jovens aprendessem sobre a revolução e sobre a história de nosso país", considerou.


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