Folha de S. Paulo


Retiros espirituais incluem meditação ou até ficar dez dias sem falar

É sábado de sol em Serra Negra, cidade a 139 km de São Paulo, e turistas aproveitam o dia aberto para visitar lojas em busca de artigos de couro, roupas e acessórios.

Perto dali, em um terreno de 145 mil metros quadrados de mata nativa, cerca de 40 pessoas chegam à conclusão, entre uma meditação e uma reflexão em grupo, de que dinheiro (e tudo o que ele pode comprar) não traz felicidade.

Quase todos são de fora da cidade –a maioria vem de São Paulo, mas também há integrantes do Rio– e trocaram o fim de semana na praia ou outro bate-volta para participar de um retiro espiritual cujo tema é "Os 9 Segredos de Manter-se Feliz".

"Eu sou um ser de luz. Eu sou um ser de paz. Meus pensamentos desaceleram e saboreio a beleza da paz interior, conforme meu mundo é preenchido de paz." As frases, e variações delas, são faladas pausadamente por Luciana Ferraz, coordenadora no Brasil da Brahma Kumaris, instituição que organiza o retiro –enquanto isso, participantes escutam de olhos fechados e tentam meditar.

A programação, que dura dois dias, inclui palestras sobre felicidade e sessões de meditação. O alojamento é em quarto coletivo, e todas as refeições são feitas no local.

Para Gen Kelsang Tsultrim, professor do Centro de Meditação Kadampa, que oferece retiros espirituais em Cabreúva e outras cidades do interior, as experiências não deixam de ser turismo. "Afinal, as pessoas saem de casa. Mas é uma viagem diferente, com conteúdo espiritual."

As regras variam dependendo lugar. Na Brahma Kumaris e no Kadampa, os participantes podem usar o celular e a internet, embora os organizadores peçam que isso seja evitado ao máximo. Em ambos, a alimentação é vegetariana.

Há opções que oferecem atividades com regras mais estritas. Nessas, os visitantes podem ser proibidos até de conversar durante todo o período de retiro, que pode passar de dez dias.

É o caso do Centro de Meditação Vipassana, que oferece atividades em Monteiro Lobato (SP). Nele, as pessoas acordam às 4h e participam durante todo o dia de sessões de meditação, sendo que em algumas delas é proibido até se mexer.

"Você fica extremamente cansado no fim do dia de retiro. Sem conversar, percebemos como nossa mente é barulhenta, como aparecem imagens e frases das quais não nos damos conta no dia a dia lá fora", conta o estudante Paulo Lopes, 24.

Ele nunca tinha meditado antes de participar de dez dias de retiro –nem tinha ficado tanto tempo sem falar.

O preço também muda. Na Brahma Kumaris e no Vipassana, as contribuições são voluntárias. Um retiro de três dias, no fim de dezembro, com hospedagem e alimentação, pode sair por mais de R$ 1.000 –caso do Kadampa.

O perfil dos participantes varia, atraindo de budistas experientes a curiosos.

"É sua primeira vez aqui? Não é à toa que você veio. Passar por uma experiência dessas é como estar em 'Matrix': você tem que optar entre a pílula azul e a vermelha", garantiu Marcella Menicucci, 52, no retiro em Serra Negra, fazendo uma analogia à cena do filme em que o protagonista opta por entrar num universo paralelo.

"É um caminho sem volta."


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