Folha de S. Paulo


Tour londrino passa por viela onde "Ziggy Stardust" foi visto pela 1ª vez

Ainda que possa estar curtindo o anonimato com Iman e a filha Lexi no bairro de Nolita, em Nova York, a mostra sobre David Bowie no museu Victoria & Albert, em 2013 (a mesma que está em cartaz em São Paulo), mostrou que ele é, e sempre será, um garoto de Londres. O que mais surpreende é que a Londres que formou o cérebro de Bowie está reconhecivelmente intacta.

A Denmark Street deveria ter perdido sua mágica. Mas a pequena rua, lotada de lojas de guitarras, continua a ter o mesmo atrativo claustrofóbico, para os mais antenados, que levava o jovem Davy Jones a vir para visitá-la.

O jovem passava horas no Giaconda Coffee Bar, tecendo fantasias de estrelato com Marc Bolan ou Steve Marriott. Ainda é possível fazê-lo, ainda que o menu tenha se tornado mais fino: o La Gioconda Dining Room serve cozinha britânica de boa qualidade.

Divulgação
La Giaconda, frequentado pelo músico na adolescência, quando local era menos sofisticado)
La Giaconda, frequentado pelo músico na adolescência, quando local era menos sofisticado

O resto da rua retém seu charme decadente: o número 7, que abrigava a velha agência de Bowie, se tornou um café. Ao lado, no número 8, fica a loja de guitarras Rose Morris, onde ele embalava caixas de partituras para a editora musical Southern Music.

Mais adiante, a Vintage and Rare Guitar é outra joia de época, inalterada há 200 anos, que dirá 50, com um lindo interior revestido de madeira criado no século 18 e enfeitado por belas Fenders e Gibsons dos anos 50 –os clientes incluem integrantes de bandas de Bowie.

Siga os passos do cantor pela Charing Cross Road, e até a Wardour Street, e as ressonâncias continuam a surgir: o lugar mais famoso é sem dúvida o Marquee Club; foi lá que Bowie conquistou seus primeiros fãs, no verão de 1965.

O clube se foi e o edifício foi remodelado, mas ainda é possível tomar uma cerveja no The Ship, um pub vizinho que manteve sua decoração original, com painéis de madeira escura -era parada obrigatória para Bowie.

Alguns metros adiante, a minúscula St. Anne's Court abriga o Trident Studio, onde Bowie gravou "Space Oddity" (1969) e, depois de anos murchos, o álbum que lhe valeu o tão cobiçado estrelato, "Ziggy Stardust" (1972).

O emaranhado de edifícios a oeste de Wardour Street serviu de pano de fundo aos anos de adolescência de Bowie. As ruas Brewer e Windmill ainda zumbem com a decadência do Soho; em 1964, muitos dos edifícios tinham pavimentos térreos interligados, abrigando clubes, hotéis e salas que bandas alugavam como estúdios de ensaio.

A Archer Street, que completa o quarteto de ruas, abrigava o Charlie Chester's Casino –onde Bowie e sua banda trocavam acenos polidos com os Kray Twins. A placa do cassino continua lá, ainda que hoje o edifício abrigue o restaurante Bocca di Lupo.

Se caminharmos pela Carnaby Street, onde Bowie revirou sacos de roupas descartadas pelas butiques, as ruas vão se alargando, e assim chegamos a Marylebone. Logo estaremos caminhando pelos terraços da Manchester Square, que nos anos 60 abrigava a sede da gravadora EMI.

Bowie se mudou para o apartamento no número 39 da Manchester Square em junho de 1967, e se reconstruiu como artista solo.

Após uma sessão de leitura dos livros de Oscar Wilde, visitava o Pollock's Toy Museum. "Ele voltava com todo tipo de coisas", conta Ken Pitt, empresário que orientou sua carreira até "Space Oddity". Agora, o museu fica mais perto, na Goodge Street, mas suas gravuras e teatros de figurinhas vitorianos ainda evocam a excentricidade das primeiras composições de Bowie.

O mesmo se aplica à Wallace Collection, também na Manchester Square, com seus quadros renascentistas, armaduras e pratarias, onde Bowie "passava muito tempo", segundo Pitt.

De Marylebone à Regent Street é uma caminhada curta para um turista, mas um salto gigantesco para um astro pop, com as casas modestas substituídas por lojas reluzentes. E foi lá que a transformação mais importante de David Bowie aconteceu. Mesmo os fãs casuais do músico já ouviram falar da viela na Heddon Street em que Ziggy Stardust foi avistado pela primeira vez em uma noite de janeiro de 1972. Há uma placa para identificar o lugar.

Como Bowie, Londres sempre está avançando. Nenhum outro lugar simboliza melhor o fato que o Café Royal, na Regente Street. Esse hotel, no passado frequentado por Oscar Wilde e Aubrey Beardsley, passou por uma reforma e foi reinaugurado. Era em seu Grill Room que David Bowie promovia festas com Mick Jagger e Paul McCartney, depois da morte de Ziggy.

Como disse o curador da mostra, Geoffrey Marsh, "David Bowie está em toda parte". Ele ocupa tanto o presente quanto o passado, da mesma forma que a cidade que lhe serviu de berço.

PAUL TRYNKA é autor de "Starman", biografia de David Bowie publicada pela Little, Brown Book Group (no Brasil, pode ser encontrada por cerca de R$ 35)

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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