Folha de S. Paulo


Espanha lança projeto para promover rede de 24 destinos ligados ao judaísmo

O governo espanhol lançou, na semana passada, em São Paulo, seu mais novo projeto turístico: a Rede de Judiarias (redjuderias.org ), também chamada de Caminos de Sefarad.

O programa engloba 24 cidades espanholas que operam agora roteiros que exploram o patrimônio histórico e cultural judaico naquele país.

Entre os municípios que integram o projeto e mostram como judeus, cristãos e muçulmanos conviveram em harmonia até a Idade Média, há metrópoles como Barcelona, Toledo, Sevilha e Oviedo.

Para colocar em prática esses roteiros da Rede de Judiarias -ou bairros habitados por judeus- houve um intensivo resgate acadêmico, arqueológico, lúdico e mesmo gastronômico do legado sefardita.

Para lançar o programa, o Centro Oficial de Turismo Espanhol coordenou, desde 1998, restaurações de prédios ligados à era de ouro da presença da cultura sefardita, nos séculos 11 e 12.

Editoria de Arte/Folhapress

Além de investir em hotelaria e em alojamentos próximos aos locais de interesse, o programa dotou as cidades de sinalização turística específica, formou guias e investiu numa gastronomia que alude ao passado. Há ainda programação cultural que inclui mostras e apresentações e, no ano que vem, o foco desses eventos deve ser "A Mulher no Judaísmo".

As 24 cidades prometem realizar eventos complementares e nunca iguais, sempre segundo as especificidades do seu passado e ao seu acervo de origem sefardita, fazendo com que o turista tenha, em cada destino, uma fruição original em sua visita.

Segundo maior país a receber turistas estrangeiros em todo mundo, depois da França, a Espanha (www.spain.info ) deve 11% de seu PIB ao setor de turismo.

O programa foi lançado no Centro de Cultura Judaica de São Paulo, com a presença dos embaixadores e dos cônsules espanhol e de Israel -por problemas técnicos no avião, Felipe de Bourbon, herdeiro da Coroa espanhola, não pôde vir.

INSPIRAÇÃO
Sábio cuja vida inspirou o recém-lançado programa "Caminos de Sefarad", do Centro Oficial de Turismo Espanhol, Benjamin de Tudela (c.1130-c.1173) nasceu em Tudela, atual Navarra, onde uma rua do histórico bairro judaico foi nomeada em sua homenagem.

Viajante e escritor, versado na Torá e em jurisprudência, ele visitou, durante 14 anos, uma enormidade de comunidades judias da Europa na segunda metade século 12.

É, por isso, considerado um dos grandes intelectuais de origem sefarditas, termo de origem hebraica usado para se referir aos descendentes de judeus originários da Espanha e de Portugal.

Em hebraico arcaico, a península Ibérica era conhecida como Sefarad --e os judeus habitaram essa região desde provavelmente o tempo das invasões fenícias e, certamente, já eram uma comunidade numerosa na época do Império Romano

Os sefarditas de então falavam cotidianamente o ladino, língua derivada do castelhano que o programa "Caminos de Sefarad" agora resgata em forma de sinalização, escritos e cantigas.

Já os asquenazes, que é a maneira como são designados os descendentes de judeus originários da Europa central e oriental, são assim chamados porque, em hebraico medieval, asquenaze significa Alemanha.

Avante de seu tempo, o sefardita Benjamin de Tudela foi um judeu ibérico que, em suas andanças, estabeleceu uma ponte entre as duas comunidades, sefardita e asquenaze, e a quem se credita a documentação do dia-a-dia dos judeus europeus em plena era medieval.

Suas descrições vívidas precedem as do escritor-viajante veneziano Marco Polo em uma centena de anos. Originalmente realizadas em língua hebraica, foram traduzidas para o latim e, depois, para praticamente todas as línguas europeias.

PÉRIPLO VANGUARDISTA

Partindo da Espanha em por volta de 1165, Benjamin se dirigiu à Terra Santa. Além de curiosidade religiosa, tinha a sua viagem também propósitos comerciais.

Visitou inicialmente Zaragoza, Tarragona e Barcelona, atravessou a França e, de Marselha, navegou até Gênova, Lucca e Pisa, chegando a Roma.

Em todas as localidades, procurou as "judiarias", nome à época dado aos locais em que a comunidade judaica tradicionalmente vivia, encontrando alguns de seus líderes.

E, ao descrever cada uma das etapas de sua longa viagem, Benjamin de Tudela incluiu notas precisas da situação dos judeus em cada lugar, dicas climáticas, econômicas e políticas. Delineou, também, em seus escritos, o panorama dos centros visitados, os números populacionais, as rotas comerciais e sua extensão, tudo isso com uma riqueza de detalhes que permite entender ainda hoje como era o mundo mediterrâneo e o parte do Oriente daquela época.

Depois de explorar as cidades relacionadas com a atual Itália, rumou à Grécia e visitou Constantinopola, atual Istambul, outra referência de cidade habitada por judeus sefarditas e de fala ladina.

A seguir, Benjamin de Tudela percorreu a Ásia visitando os territórios do atual Líbano e da Síria. Esteve afinal na Terra Santa, na Mesopotâmia, visitou a cidade de Bagdá, cruzou a Pérsia e foi até o Cairo, no Egito.

Ao todo, esteve em mais de 300 cidades até que voltou à Espanha, em 1173, para publicar "As Viagens de Benjamin", cujas notas tinham o propósito de orientar outros viajantes com interesses parecidos aos seus.

Com a eclosão da Inquisição na península Ibérica, tem fim, em 1478, um periodo de 600 anos em que judeus e muçulmanos conviveram pacificamente e harmonicamente com os cristãos.

Por isso, até pelo menos 1834, os relatos histórico-literários de Benjamin Tudela hibernaram, escondidos do grande público leitor. Que bom que, graças ao turismo cultural, estão sendo resgatadas pela Espanha em 2013.


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