Folha de S. Paulo


Guia de viagem "Lonely Planet" completa 40 anos

Em 1971, quando Tony Wheeler, fundador dos guias de viagem "Lonely Planet", viajou de Londres a Sydney --indo por terra da Europa a Índia e Nepal, seguindo a chamada trilha hippie-- ele tinha pouco para lhe guiar.

Livros de viagem naquele tempo eram leituras sérias, que ofereciam exaustivos detalhes sobre pontos históricos, mas pouca menção às paisagens que ele e seus companheiros estavam atrás: praias, bares e hotéis baratos.

Após muitos jovens lhe perguntarem sobre sua viagem, Wheeler, em um impulso repentino com sua mulher, um ano depois, escreveu "Across Asia on the Cheap".

Depois que os livros grampeados esgotaram, Wheeler decidiu ir para o sudeste asiático, desta vez com a intenção de escrever um livro. "Foi aquilo que realmente deu início a isso", disse.

Por "isso", Wheeler quer dizer "Lonely Planet", que vendeu cerca de 120 milhões de guias de viagem em diversas línguas.

Desde que vendeu a companhia em 2007 para a BBC (que, recentemente, a vendeu a um americano bilionário), Wheeler devotou seu tempo à Fundação Lonely Planet, que financia projetos de saúde e educação nos países em desenvolvimento. Além disso, escreveu dois livros de viagem que fogem do caminho batido.

"Tony Wheeler's Dark Land" --uma continuação do seu livro anterior, "Tony Wheeler's Badlands"--, será publicado em agosto e o leva a países em turbilhão, como a República Democrática do Congo, Paquistão e os territórios palestinos.

Para marcar os 40 anos da "Lonely Planet", abaixo estão editados trechos de uma conversa com Wheeler sobre os dias em que escrever guias de viagem não eram nada, quanto menos uma profissão.

Sobre os anos 70, quando viajar era parte da contracultura: "A geração dos 'baby boomers' estava partindo para lugares onde os pais não tinham ido. O preço de viajar caiu. Todas aquelas empresas asiáticas estavam surgindo. E havia toda aquela coisa rock'n'roll. Os Beatles estavam na Índia --e você não sabia que estamos a bordo do Marrakesh Express?" [Wheeler faz um jogo de palavras com uma canção do grupo Crosby, Stills, Nash & Young, chamada "Marrakesh Express"].

"Ao longo da trilha hippie, você sempre parava em alguns lugares. Se você conhecesse alguém viajando na Ásia, você poderia sentar e esperar por eles: você poderia ter de esperar por seis meses, mas uma hora eles bateriam na sua porta", lembra. "Todos iam para Katmandu --aquilo era o nirvana no fim da trilha--, mas continuamos a pegar carona até Bali, bem onde todos os surfistas chegavam."

Sobre encontrar escritores de viagem no início: "Você não poderia apenas procurar por escritores de livros de viagem, porque eles não estavam lá. Não havia. Nós apenas dissemos às pessoas, se você voltar em ano e meio com um livro, nós o publicaremos. E publicamos. Era brusco e direto."

"Um escritor voltou com um guia de 600 páginas para a Jamaica --todo pirata que visitou o país comprou a sua biografia-- e ainda tivemos que cortar em dois terços. Sempre incluímos a história do lugar, porque, até a Wikipedia surgir, onde você encontraria uma cartilha sobre a história do Nepal, além da 'Enciclopédia Britânica', que é um pouco chata?"

Sobre viajar para locais problemáticos: "Nunca são tão maus quando foram deviam ser. Minha mulher e eu chegamos ao Paquistão no ano passado, quando aquele vídeo do YouTube 'Inocência dos muçulmanos' foi a faísca para os motins nas ruas. E, mesmo assim, todos foram muito agradáveis. Eles diziam 'O que vocês estão fazendo aqui? Bem-vindo ao Paquistão'. Como um indivíduo, você recebe um tratamento completamente diferente. Há muitos países que não recebem muitos visitantes, e eles ficam muito, muito contentes quando alguém faz o esforço de ir até lá."

Tradução de THIAGO MATTOS


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