Folha de S. Paulo


Estudo recomenda a médicos receitarem álcool para pacientes

Imagine tomar uma dose de uísque ou uma taça de vinho todo dia, antes do jantar, por prescrição médica. É o que recomenda um estudo polêmico publicado em dezembro do ano passado no periódico "Alcoholism: Clinical and Experimental Research".

O artigo faz um balanço de 49 pesquisas publicadas entre 1997 e 2013 e conclui que "os médicos deveriam aconselhar abstêmios a relaxar e tomar uma bebida por dia" para ajudar a prevenir doenças, como as cardiovasculares, a osteoporose e até a obesidade.

Isso porque o álcool contém propriedades anticoagulantes, que reduziriam o risco de derrames, particularmente em mulheres. Além disso, as bebidas alcoólicas aumentariam a sensibilidade do organismo em relação à insulina, diminuindo as chances de desenvolver diabetes.

Editoria de Arte/Folhapress

Um dos estudos citados pelo artigo, por exemplo, observou que mulheres que bebiam até 30 gramas de álcool por dia (o equivalente a duas latas de cerveja) tinham risco menor de sofrer um derrame em relação àquelas que não bebiam nada.

Apesar dos resultados otimistas, o médico Wilson Jacob Filho, titular da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas, diz que é preciso interpretar esse tipo de estudo com cautela. Ele ressalta que as pesquisas que analisam os possíveis benefícios do álcool apresentam apenas correlações entre dois eventos, mas não provam uma relação de causa e efeito.

Assim, no estudo indicado, não há evidência para afirmar que o consumo de álcool é capaz de reduzir o risco de derrame. É um resultado que deve ser tratado como uma coincidência, e não uma recomendação, de acordo com Jacob.

"A evidência que existe é que quem bebe moderadamente tem uma condição de vida, em determinados casos, igual ou melhor do que aqueles que não bebem", diz. Isso não significa que uma pessoa abstêmia que passe a ingerir álcool viverá melhor.

Os efeitos do álcool variam entre homens e mulheres (eles são mais tolerantes), em função do peso corporal (magros aguentam menos bebida) e da idade. Quando envelhecemos, a quantidade de água no corpo diminui, tornando a diluição do álcool mais difícil. Por isso, a sensibilidade aumenta, e pequenas doses já causam grandes efeitos.

O álcool é vetado para quem tem doenças no fígado, úlcera, arritmia cardíaca ou altos níveis de triglicérides (gordura presente em carnes, óleos e alimentos ricos em açúcar). Pessoas com gastrite ou diabetes podem tomar quantidades limitadas, somente após consultar o médico.

É comum ouvir dizer que o vinho tinto faz bem para o coração. Há diversas pesquisas que o associam a um menor risco de ter doenças cardiovasculares.

A explicação é que o vinho contém substâncias antioxidantes, como flavonoides e resveratrol. Mas isso não é justificativa para começar a beber. "O mesmo benefício é obtido com suco de uva", explica Jacob.

Uma queixa bastante comum de alguns adultos e muitos idosos é a perda de apetite. As principais razões são a redução do paladar, causas psicológicas (como estresse, depressão e ansiedade) e o uso de remédios com efeitos colaterais sobre a fome.

O álcool estimula o apetite, porque consome glicose. Quando se bebe, o nível de glicose no sangue cai, o que desencadeia a fome. "Quem bebe um pouco antes de uma refeição não tem prejuízos à saúde", diz Jacob. Ainda assim, há opções mais saudáveis para abrir o apetite, como fazer refeições menores e mais constantes.

Para o especialista, a chave para beber na medida a partir dos 50 anos está entre a abstinência e o excesso. "Achamos que o sucesso mora nos extremos, e isso é mentira. O comportamento intermediário traz mais chances de levar uma vida saudável."

ANDRÉ BALBO fez o 3º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, patrocinado pela Pfizer.


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