Folha de S. Paulo


Interior de SP tem 'condomínio-fantasma' por causa da crise

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No bloco dois, os únicos moradores limpam o apartamento novo com aspirador de pó até as 3h da madrugada, sem incomodar ninguém. No prédio vizinho, o elevador que subiu com Antônio até o quarto andar continua horas ali, parado, à disposição do morador.

Dos 240 apartamentos do condomínio Praças Golfe, em São José do Rio Preto (SP), 225 estão vazios, embora tenham sido todos vendidos. Entregue em maio, o empreendimento teve mais de 50 unidades devolvidas até novembro, a maioria porque os compradores não conseguiram acordo no financiamento.

No lançamento, em 2012, bastaram duas semanas para que praticamente todas as unidades do Praças Golfe fossem vendidas na planta. O cartorário Antônio Cavalheiro, 47, o primeiro a se mudar para o condomínio, teve, durante um mês, como única companhia o porteiro.

"Quando aconteceu a primeira mudança, vi uma luz no apartamento da frente e achei que fosse reflexo. Apaguei as luzes de casa e a claridade continuou. Aí é que me toquei de que tinha gente", conta. Ele diz saber quando as únicas vizinhas de seu prédio estão em casa, porque só então é que o elevador não fica parado em seu andar.

Em julho, os clientes do empreendimento receberam uma carta sobre alterações na política de financiamento da Caixa Econômica Federal, banco responsável por três de cada quatro operações de crédito imobiliário no país. Marcus Ferraz, diretor da assessoria imobiliária Monte Hermom, diz que o banco reduziu o limite de financiamento de 90% para 65% e aumentou a taxa de juros de 8,2% para 9,9% neste ano.

Mesmo quem já tinha fechado negócio foi prejudicado. "O público que pode arcar com financiamento fica mais restrito. Tem muita gente que não está conseguindo fazer o negócio", afirma Marcus.

Procurada pela Folha, a assessoria de imprensa da Caixa disse que o aumento na taxa de juros se concentra em operações com recursos da poupança e que não houve mudanças nas normas de suas principais linhas de financiamento: o programa Minha Casa Minha Vida e as moradias adquiridas com recursos do fundo de garantia. O banco afirmou que as alterações foram necessárias para alinhar suas tarifas às dos demais bancos e ao aumento da taxa básica de juros do país, a Selic.

De acordo com o Banco Central, os saques da poupança superaram as aplicações em R$ 3,26 bilhões no mês passado, o pior outubro desde 1995. No total, R$ 57 bilhões saíram da poupança neste ano. Estima-se que 65% dos recursos investidos devem ser aplicados pelos bancos em financiamento imobiliário e, como consequência das retiradas, a Caixa Econômica Federal ficou sem reserva para absorver toda a demanda de empréstimos.

Rafael Alves veio do Pará para estudar arquitetura na Unip São José do Rio Preto e, pela proximidade com a universidade, alugou um apartamento no Praças Golfe. Ele consegue contar quantos vizinhos tinha quando se mudou, em agosto, e dizer onde moram. O estudante espera que em breve mais pessoas se mudem para lá. "Malhar na academia sozinho é muito ruim. Espero que logo venha gente nova. A gente pode até fazer um churrasco", diz.

A alguns metros do apartamento de Rafael, no bloco de três dormitórios, Alessandro de Almeida Paulino, 32, comissário de bordo, mora com esposa e filho. Eles são uma das famílias que não têm vizinhos no prédio inteiro, de 20 apartamentos. "A gente não passa muito tempo aqui, pois viajamos muito, mas acho agradável estarmos sozinhos.

A gente pode limpar a casa até tarde e não tem ninguém para reclamar", afirma. Alessandro aponta que um dos pontos negativos de o condomínio estar vazio é que ainda não houve assembleia de moradores e, por isso, alguns reparos e regras devem esperar para entrar em vigor.

PREJUÍZO

O Praças Golfe fica próximo ao novo shopping Iguatemi e vizinho ao futuro Parque Tecnológico de São José do Rio Preto e a um campus da Unip, área de aposta de investidores. José Oscar Hildebrand, 65, comprou oito apartamentos de três dormitórios. Com a restrição do crédito, ele procurou bancos particulares para poder quitar a compra e teve que devolver duas unidades à construtora.

"Comprei como investimento para vendas futuras, mas, na entrega, a Caixa dificultou o financiamento. Oito unidades era muito para poder acertar, por isso tive que recorrer ao Santander", disse. O atraso nas negociações retardou as obras nos apartamentos, que não têm procura nas imobiliárias.

O volume de lançamentos de grandes construtoras também é um dos fatores que dificulta a venda para pequenos investidores na cidade. Segundo o Secovi-SP (entidade do setor imobiliário), o mercado de imóveis se mantém aquecido no interior de São Paulo, registrando crescimento significativo de lançamentos de apartamentos de alto padrão.

"O carro-chefe da nossa cidade ainda são os imóveis de dois dormitórios, do Minha Casa Minha Vida, que alavancou muitas vendas e que fez com que o mercado local ficasse mais diversificado do que o de outras cidades do Estado", afirma o diretor regional do Secovi, Alessandro Nadruz.

ÍRIS ZANETTI fez o 1º Programa de Treinamento em Fotojornalismo e Vídeo da Folha, patrocinado por Friboi, Odebrecht e Philip Morris Brasil.


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