Folha de S. Paulo


Campeões estaduais podem não jogar em novas arenas

O futuro de alguns estádios construídos para a Copa do Mundo do Brasil, que começa em um ano, é incerto. As arenas de Brasília (DF), Cuiabá (MT), Manaus (AM) e Natal (RN) correm o risco de, após R$ 2,6 bilhões gastos, serem obras públicas sem utilidade e abandonadas, os chamados "elefantes-brancos". A Folha levou em consideração a baixa média de público desses estaduais, a situação financeira dos clubes e declarações das federações regionais.

Em Cuiabá, uma das 12 cidades-sede da Copa, aproximadamente R$ 512 milhões estão sendo investidos na construção da Arena Pantanal. Com 67% das obras concluídas, o estádio terá capacidade para quase 44 mil espectadores. Contudo, a partida com maior número de pagantes no campeonato estadual do Mato-Grosso em 2013 atraiu 4.000 pessoas, menos de 10% da quantidade total do novo estádio.

Em relatório publicado pela Pluri Consultoria, empresa especializada em gestão de marketing esportivo, sobre as médias de público dos campeonatos estaduais de 2013, o torneio matogrossense aparece em 22º lugar, entre 25 analisados, com média de 605 espectadores por partida.

Aron Dresch, presidente do Cuiabá Esporte Club, campeão matogrossense deste ano, afirma que há pouco apoio de patrocinadores, da federação e do governo na região, o que obriga o clube a bancar seus gastos. Ele diz que para utilizar a Arena Pantanal não seria diferente. "Estão dizendo que para jogar lá custaria entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, um valor inviável para um clube que tem o orçamento mensal de mais ou menos R$ 50 mil."

O time recebeu R$ 50 mil pelo título do campeonato estadual, que, dividido entre jogadores e comissão técnica, resultou em pouco mais de R$ 1.500 para cada um. De acordo com Dresch, nenhuma parte do prêmio ficou para o caixa do clube.

Procurada pela reportagem, a Federação do Mato Grosso não se pronunciou sobre o futuro do novo estádio.

Longe dali, em Natal (RN), a Arena das Dunas está sendo construída com capacidade para 45 mil pessoas. Inicialmente orçado em R$ 350 milhões, o estádio, que tem um custo final estimado de R$ 420 milhões, está com 71% das obras concluídas. O presidente da federação do Estado, José Vanildo da Silva, afirma ter problemas com a OAS, construtora do projeto, e com o governo estadual para a utilização do local.

"Não queremos administrar o complexo de lazer que haverá no local, mas a federação deve democratizar esse patrimônio que é do futebol, que é maior do que qualquer decisão entre times grandes", diz Silva.

Segundo o relatório da Pluri, o campeonato potiguar teve média de 958 torcedores e uma bilheteria de R$ 6.993,00 por jogo. De acordo com Silva, qualquer clube filiado à federação poderá utilizar a nova arena, desde que seja capaz de cumprir o estatuto do torcedor e arcar com os custos de manutenção. No entanto, ele afirma que o valor do aluguel deverá ser negociado diretamente com a OAS e não será decidido pela federação.

O diretor superintendente da OAS Arena, Carlos Eduardo Paes Barreto, responsável pela administração do espaço, afirma que o contrato prevê a relação da federação com o governo estadual para o uso do estádio. Segundo ele, a OAS busca atrações para o lugar depois da Copa, como futebol, eventos e aluguel de espaços no prédio.

"Nós conversamos com qualquer clube que nos procure interessado em jogar aqui. Inclusive, já falamos com o América-RN e com o ABC. Nós pretendemos, sim, democratizar o futebol na Arena para que ela nunca mais seja tratada como um possível elefante branco", diz.

Enquanto isso, a Associação Cultural e Desportiva Potiguar, de Mossoró, a aproximadamente 300 km de Natal, tem um faturamento de 80 mil por mês. Vencedor do campeonato estadual, o time ganhou como prêmio um automóvel da patrocinadora da competição e o troféu.

O presidente do clube, Ângelo Benjamim de Oliveira, afirma que o time sobrevive de incentivos estatais e da venda de rifas. "Nós mesmos damos incentivos. Ano passado, repartimos entre os jogadores e a comissão técnica cerca de R$ 90 mil, que foram levantados com os patrocinadores e com rifas de motos e automóveis."

No Amazonas, o campeonato tem como peculiaridade as longas distâncias, que por vezes precisam ser percorridas de barco. O presidente do Princesa dos Solimões Esporte Clube, Holofernes Leite, afirma que o time conta com patrocínio governamental e recebeu da federação R$ 100 mil como prêmio pelo campeonato. "Metade do prêmio foi repassado aos jogadores como gratificação. O resto foi utilizado para pagar as dívidas do clube", diz Leite.

Com 62% das obras concluídas, a Arena Amazônia está orçada em R$ 550 milhões e tem previsão de entrega para dezembro de 2013. Neste ano, o torneio regional teve um público total de 47.639, não suficiente para preencher as arquibancadas da Arena Amazônia, que terá capacidade para 47.750 espectadores.

A federação do amazonas reconhece que será difícil os clubes jogarem na nova arena. Por isso, está construindo dois outros estádios, com capacidade para 5.000 e 10 mil pessoas. De acordo com o presidente, Francisco Dissica Valério Thomás, o resto do país desconhece o futebol praticado na região.

"Nós temos a Copa dos Rios, que mobiliza 52 municípios ao longo de diversos rios, como o Solimões e o Madeira. A minha esperança é que um dia possamos fazer a final na Arena da Amazônia", declara Thomás.

Na região Centro-Oeste, o Mané Garrincha, em Brasília, também corre o risco de ser inutilizado após o Mundial. Inaugurado no dia 18 de maio, a obra custou R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos e pode receber 70.824 pessoas. Nesse ano, a média de público do Campeonato Brasiliense foi de 1.176 pessoas, mais de 60 vezes menor do que a capacidade total do novo estádio.

Luis Estevão, presidente do Brasiliense Esporte Clube, campeão deste ano, disse ser possível o time utilizar o novo estádio, mas apenas em partidas decisivas da Copa do Brasil e do campeonato estadual. Além disso, Estevão comenta que o Brasiliense pode mandar jogos no Mané Garricha contra times da Série A do Brasileiro.

"Brasília é uma cidade que possui muitos torcedores de populares times do Brasil, como São Paulo, Corinthians e Flamengo. Quando uma dessas equipes vier jogar aqui, com certeza a partida irá atrair um grande público", afirma Estevão.

Sobre o aluguel do novo estádio, Estevão disse que ainda não conversou com a empresa responsável pela administração da obra e que o adequado será esperar o fim da Copa do Mundo para iniciar uma negociação.

A Copa Centro-Oeste voltará a ser disputada após o Mundial de 2014 com financiamento: a entidade assinou um contrato de quatro anos com a Rede Globo, o que irá diminuir a dependência do dinheiro do público pagante para a manutenção do estádio.

Procurada pela Folha, a Federação de Brasília afirmou que já prevê eventos esportivos para o novo estádio. Além disso, shows da cantora pop Beyoncé e da banda de rock Aerosmith estão previstos para o segundo semestre deste ano no Mané Garrincha.

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Este texto faz parte do especial "Brasil - Terra do Futebol", projeto final da 55ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, que tem patrocínio da Odebrecht, da Philip Morris e da Ambev


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