Folha de S. Paulo


De humor a filmes, futebol é inspiração para autores

O interesse do brasileiro por futebol está representado nas várias formas de cultura, de vídeos do "Porta dos Fundos" a filmes, de novela a teatro.

O Clube de Regatas Cotoxó tem torcida, camisa e até hino. Seus jogadores são campeões mundiais. O juiz é um palhaço.

Eles fazem parte do espetáculo "Jogando no Quintal", da Cia. do Quintal. Desde 2001 se apresentando em São Paulo, o grupo mistura o interesse por palhaços e representações experimentais à paixão dos brasileiros por futebol, em jogos de improvisação.

O grupo brasileiro se baseia no chamado "match de improviso" criado em 1977, no Canadá. Atores apaixonados por hockey de gelo criaram um espetáculo desportivo-teatral em formato de jogos de improvisação. O Cia. do Quintal foi Campeão Mundial de Match de Improviso em Bogotá em 2008.

Para o diretor da companhia, César Gouvêa, o aspecto mais importante que relaciona o espetáculo ao futebol não é o ambiente com churrasquinho e ola na torcida, cenografia e figurino, mas sim o treinamento. "Durante a semana você treina e na hora do jogo você improvisa, você não sabe como o seu adversário vai jogar", diz.

O canal no YouTube do grupo de humor "Porta dos Fundos" conta com mais de 4 milhões de assinantes. Os comediantes começaram a publicar seus esquetes há dez meses
e, ainda nos seus primeiros vídeos, já apresentava dois jogadores no vestiário, conversando sobre a dança que fariam depois de um gol.

"Volta e meia vejo eles se empurrando para ficarem sozinho em frente à câmera, fazendo coreografia. Acho que hoje eles fazem os gols mais pela dancinha, mesmo", diz Gregório Duvivier, ator e roteirista do grupo. "Acho engraçado falar do ego deles. Como esse mundo envolve fama e um monte de coisa que acaba desvirtuando."

Duvivier afirma que público e profissionais de futebol encaram o esporte com muita seriedade, o que propicia o humor. "Tem gente que trata como se fosse uma ciência. É até engraçado", ele diz. "É um campo muito rico. Primeiro, porque tem muita penetração na cultura popular brasileira. Faz parte do nosso dia-a-dia, mesmo de quem não gosta."

TELEVISÃO

A novela "Amor à Vida", da Rede Globo, contou recentemente com a participação dos jogadores de futebol Neymar, do Barcelona. Perseguido pela personagem Valdirene (Tatá Werneck), ele apareceu por alguns minutos em toalha de banho na atual novela das nove. Não foi a primeira vez que o futebol invadiu uma novela.

A campeã de audiência "Avenida Brasil", de João Emanuel Carneiro, tinha como um de seus personagens principais um ex-jogador de futebol, Tufão (Murilo Benício), e em sua trama, um clube, o Divino Futebol Clube. A novela do ano passado terminou em um estádio, com os personagens assistindo a um jogo do time.

Segundo o professor Antonio Carlos Morim, coordenador do curso de pós-graduação MBA Gestão e Marketing Esportivo da ESPM Rio, as novelas inserem os jogadores de futebol como pessoas que ascenderam socialmente por conta do esporte e que, por vezes, "metem os pés pelas mãos".

Na novela "Irmãos Coragem", de Janete Clair, de 1970, o personagem Duda (Cláudio Marzo), um dos irmãos do título, se torna jogador do Flamengo e, ingênuo, acaba sendo usado de forma inescrupulosa por outros personagens da trama. "A novela aproveitou a euforia que o país vivia pela Copa de 70 para falar de futebol", diz Morim.

Em 1984, foi a vez de Mário Gomes fazer o papel de um jogador de futebol em "Vereda Tropical", de Carlos Lombardi. Luca jogava no Corinthians e aparecia com os jogadores da democracia corintiana, como Sócrates e Casagrande. "Gomes era o galã da época e personagem principal da trama. A democracia corintiana aparecia na novela em um momento em que era importante, porque rompeu os limites do futebol, era um posicionamento político", diz o professor de comunicação do Centro Universitário Belas Artes, Guilherme Bryan, que prepara um livro sobre trilhas de telenovelas.

Divulgação/Rede Globo
Ator Mário Gomes, o Luca, ao lado de Casagrande, na novela
Ator Mário Gomes, o Luca, ao lado de Casagrande, na novela "Vereda Tropical".

O futebol não aparece apenas com personagens jogadores profissionais. Em "Dinheiro Vivo", de 1979, escrita por Mário Prata e exibida na extinta TV Tupi, a personagem Garapa (Cristina Pereira) é uma fanática torcedora do Corinthians e tenta ganhar o programa de perguntas e respostas da trama respondendo a perguntas sobre o clube. "Tem também a pelada muito presente em novela, jogo de campinho, em terreno baldio", diz Bryan.

Em "(fdp)", série brasileira do canal de TV a cabo HBO, o protagonista é o árbitro Juarez Gomes da Silva. Nos 13 episódios da primeira temporada, o espectador acompanhou os desafios de quem tem que apitar partidas que mexem com a paixão de muita gente.

José Roberto Torero, roteirista da série, conta que a ideia partiu da produtora Prodigo, criadora da história. Ele diz que a falta de obras envolvendo árbitros era o principal motivador do argumento. "Eu achei muito ruim no começo, porque a vida de um time é muito mais bacana. Mas a HBO da Inglaterra já tinha feito uma ficção sobre clubes."

Com o tempo, Torero mudou de ideia. "Achei que seria legal contar a vida pessoal desse cara. Acho que o futebol dá um bom pano de fundo, mas é mais difícil usá-lo como fator principal de uma história", diz ele, que é colaborador da Folha e roteirizou diversos filmes --entre eles "Pelé Eterno", de 2004.

NAS GRANDES TELAS

"Futebol é, acima de tudo, identidade nacional, um espetáculo épico e cultural", segundo o roteirista George Moura, "pórem, é pouco usado na cinematografia". Moura é um dos autores do roteiro de "Linha de Passe", filme de 2008 dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas.

O filme conta a história de uma família da periferia da cidade de São Paulo em que um dos irmãos tenta a carreira de jogador de futebol.

Nos últimos anos, o Brasil viu chegar aos cinemas uma série de filmes documentários sobre clubes e torcidas. Também há muitos jogadores que tiveram suas vidas retratadas em cinebiografias, como Pelé, Garrincha, Tostão e Heleno.

No auge de sua carreira, o jogador mineiro Tostão foi retratado no filme "Tostão - A Fera de Ouro", de 1970. Em 2004, Pelé foi tema do documentário "Pelé Eterno". Já Mané Garrincha inspirou um filme de ficção sobre sua vida em 2003, "Garrincha - Estrela Solitária" e um documentário de Joaquim Pedro de Andrade de 1962, "Garrincha - A Alegria do Povo". O ator Rodrigo Santoro viveu nas telas o jogador Heleno de Freitas, estrela do Botafogo nos anos 40, no filme "Heleno", de 2011.

Porém, segundo Moura, há um descompasso entre a paixão do brasileiro pelo esporte e seu interesse em ir ao cinema ver histórias relacionadas ao futebol. "É uma enorme contradição, pois muitas pessoas praticam e acompanham o futebol, e em qualquer lugar, seja numa rua ou canteiro de obras, mas são poucos os que comparecem aos cinemas para prestigiá-lo".

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Este texto faz parte do especial "Brasil - Terra do Futebol", projeto final da 55ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, que tem patrocínio da Odebrecht, da Philip Morris e da Ambev


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