Folha de S. Paulo


Times são fiscalizados para evitar exploração do trabalho infantil

O Ministério Público do Trabalho notificou 60 clubes de futebol desde fevereiro para que eles se adaptem a novos parâmetros na contratação de suas categorias de base. Entre os times estão equipes como Corinthians, Flamengo e Cruzeiro, e o objetivo é evitar a exploração do trabalho infantil.

A notificação prevê que os clubes contratem nessa categoria jovens acima de 14 anos e realizem testes gratuitamente após receber autorização de pelo menos um dos pais. Também é necessário um exame clínico, além de comprovação de matrícula e frequência da escola.

Os times devem fazer um contrato com os menores aprovados nas peneiras e pagar bolsa igual ou maior ao salário mínimo. Também devem fornecer o transporte à instituição de ensino e acompanhar o aproveitamento escolar, além de seguro de vida, assistência médica e manutenção de alojamentos em boas condições.

Os novos parâmetros foram definidos com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei Pelé e na Constituição Federal. O clube tem que assinar um termo de ajustamento de conduta e, caso não o cumpra, paga uma multa. Se ele se negar a assinar o termo, o Ministério Público do Trabalho entra com uma ação na Justiça.

A ideia da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes) é uniformizar a fiscalização dos clubes. Segundo o coordenador nacional do projeto, Rafael Dias Marques, sempre houve denúncias de violação dos direitos das crianças, mas nunca uma atuação nacional. "[Trabalho infantil] é uma matéria antiga. Era na forma de denúncias. Agora, há uma atuação uniforme em relação aos clubes."

Antes, os times eram investigados apenas quando havia denúncia. No BNPD (Banco Nacional de Processos e Documentos), há 46 procedimentos ativos, entre inquéritos e representações. Outros 73 casos estão em acompanhamento. Dez correm em sigilo.

Passado o período para o cumprimento das novas exigências, o órgão começará, em agosto, a fiscalização dos clubes.

VASCO

O Vasco da Gama, um dos principais times do Rio, enfrenta uma ação trabalhista sob suspeita de contratação de menores de 14 anos, o que é considerado trabalho infantil. O órgão descobriu a falta de formalização de contratos com atletas entre 14 e 16 anos e o não pagamento do salário mínimo para a categoria de base. Somente a partir dos 16 anos o jogador pode ser contratado como profissional.

"Foi constatado também que o clube não estava fornecendo assistência médica, psicológica, pedagógica, fisioterápica e nutricional adequada para esses adolescentes", diz a procuradora do Ministério Público do Trabalho no Rio, Danielle Crammer, responsável pela ação. Ela também comanda investigações sobre Flamengo, Fluminense e Botafogo. Os clubes negam problemas em suas categorias de base.

OUTRO LADO

O Vasco afirma que os adolescentes não realizam trabalho, mas "desenvolvem uma atividades desportiva". O clube alega que não tem benefício com os atletas amadores, que "têm a liberdade de optar por vincular-se ao clube que lhe aprouver, sendo absolutamente distinto do vínculo do atleta profissional, justamente por não possuir contrato de trabalho".

Em nota, o time diz que a denúncia do Ministério Público do Trabalho é "equivocada", pois "não há possibilidade de estabelecer vínculo trabalhista com atletas menores de 16 anos (apesar da ser permitido em outras profissões). Segundo, porque não existe a figura do menor aprendiz. Existe apenas o atleta não profissional".

O clube afirma ainda que não há idade mínima para se tornar um atleta, imposição legal para formalização de contrato de trabalho ou obrigatoriedade de bolsa-auxílio.

Em nota, o Cruzeiro diz que as exigências do Ministério Público são "descabidas e sem amparo legal". O clube afirma ainda que vai entrar com recurso contra acórdão que atribuiu ao time obrigações não previstas por lei.

"Não praticamos nenhum tipo de irregularidade com os menores, seja de que idade forem. O Cruzeiro cumpre rigorosamente com todos os preceitos legais, que autorizam expressamente o contrato de formação com atletas com idades entre 14 e 16 anos, sem prejuízo de expressa autorização legal para auxiliarmos na formação de atletas com idades inferiores a 14 anos", afirma a nota.

O time ainda diz que, na maioria dos casos, oferece moradia, alimentação, hospedagem, tratamento médico e odontológico, psicológico e escolar, além de pagar auxílio formação aos atletas não profissionais.

O Corinthians informou que está ciente da notificação e que "não existe nenhum problema nas categorias de base do clube."

O Fluminense disse desconhecer investigações por parte do Ministério Público "por este nem por qualquer motivo" e que o clube não contrata atletas menores de 16 anos, não havendo casos de irregularidade no clube.

Também em nota, o Flamengo diz não ter recebido a notificação e que "desconhece qualquer apuração do órgão referente a trabalho infantil no centro de treinamento".

O Botafogo não respondeu os questionamentos da Folha até o fechamento desta reportagem.

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Este texto faz parte do especial "Brasil - Terra do Futebol", projeto final da 55ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, que tem patrocínio da Odebrecht, da Philip Morris e da Ambev


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