Em seus quase 30 anos de mercado publicitário, o paulistano Luiz Lara esteve à frente de momentos marcantes da propaganda brasileira. Quem não se lembra da campanha dos pôneis malditos criada para a Nissan que virou meme na internet? A série "Aqui tem confiança", para a Friboi, estrelada pelo ator Tony Ramos, transformou uma commodity em marca conhecida nacionalmente.
Formado em direito pela USP, sem nunca ter exercido a advocacia, Lara entrou no mundo da propaganda em maio de 1987. Começou na então Almap, agência onde atuou como sócio num braço da empresa, a Almap Promoções, com o propósito de comandar ações para a Volkswagen, a Pepsico e a Danone.
São-paulino roxo, sua primeira tarefa foi organizar um torneio de futebol de salão entre escolas de São Paulo, para a Copa Dan'up.
Nas piscinas de clubes tradicionais da capital paulista, como o Pinheiros e o Paulistano, lá estava Lara de olho nos atletas do torneio Kibon de natação.
Desse período surgiu um concurso de frases realizado para a Volkswagen, numa época em que a montadora alemã "detinha 68% de market share no país", como se recorda Lara. Daquela competição nasceu o slogan "Você conhece, você confia".
Numa espécie de retrospectiva histórica da propaganda e, consequentemente, das marcas, Luiz Lara, 53, espia o passado para compreender o futuro. Define os anos 1980 como a era das conquistas. "Foi o período do boom criativo, quando as campanhas brasileiras conquistaram o mundo e lideraram as principais premiações do planeta", diz ele. "Mesmo num mercado de consumo ainda pequeno, a nossa propaganda construiu e posicionou marcas."
Na avaliação de Lara, os anos 1990 podem ser definidos como "a era do relacionamento", uma década em que o país alcançou a estabilização econômica, e a propaganda ampliou o seu alcance.
Já os anos 2000 entram no que ele chama de período das experiências, quando começou a ocorrer a interação entre consumidores e marcas. Sobre o futuro, o chairman do grupo TBWA no Brasil não hesita em afirmar: "A propaganda ficou fragmentada e vive de experiências, do diálogo. Os consumidores querem ser acolhidos, pertencer a grupos e ser reconhecidos. Por isso, eles procuram marcas em cujo propósito se inspiram".
No 14º andar de um prédio moderno no bairro de Pinheiros, em São Paulo, de onde se tem uma vista em 360 graus da cidade, com destaque para o Jockey Club e a marginal Pinheiros, Luiz Lara conversou com a Folha Top of Mind. A seguir, trechos da entrevista.
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Saber contar uma boa história num tempo reduzido é uma arte difícil. Existe fórmula?
Essa mágica de contar uma boa história é ancestral. Se discurso fosse bom, a gente colocaria no intervalo. Hoje, estamos numa sociedade visual. Mudou a forma de contar, mas todo o mundo ainda se apaixona por uma boa história. Incrível se essa historia revelar o posicionamento da marca em todas as plataformas. É isso o que faz a comunicação ser muito eficaz.
A relação duradoura entre agência e cliente ajuda a construir a imagem de uma marca?
A fórmula é a confiança. Agências e marcas precisam atuar de forma transparente. Existem exemplos clássicos dessa relação na propaganda brasileira, como o da Volks-Almap, o do Itaú-DPZ, o da Friboi-Lew'Lara\TBWA, o da Tigre-Talent e o da Unilever/Dove-Olgivy. São histórias de anos. São casamentos em que a agência é cogestora da marca. É essa relação de confiança que permite ousadia. Sem ousadia não nascem grandes ideias.
Num mundo repleto de experiências, as marcas querem se conectar com as pessoas. Como a propaganda contribui para essa interação?
Uma das contribuições é fazer com que a marca que lhe vem à cabeça entre no seu coração. A propaganda transmite o propósito da marca, inspira emocionalmente e cria experiências com os consumidores.
Como as plataformas digitais como Facebook, Twitter, WhatsApp e Instagram podem interferir no processo de criação de uma campanha?
Elas são parte de um processo criativo. Hoje uma campanha pode começar nas redes sociais. Há clientes que aprovam um filme para começar a ser divulgado pelo WhatsApp, mas lembre-se: o importante ainda é saber contar uma boa história, que conecte você à marca. Vale lembrar que a propaganda brasileira ensinou as mulheres a usar OB [absorvente interno] e as crianças a escovar os dentes. Também ensinou a usar fralda descartável e máquina de lavar. Ela cumpre o papel de entreter e informar.
A propaganda passa por um processo de mudança de modelo de negócio. Como você enxerga essa transição?
Ela passa por uma mudança de negócio assim como todo o mundo. Mudou-se o jeito de produzir, vender, distribuir... A comunicação é orgânica. Passamos por um capitalismo que eu chamo de valor compartilhado. Empresas como Uber e Airbnb estão mudando o conceito de consumo. O que não vai mudar, repito, é o jeito de contar uma boa história.
No início dos anos 2000, você chegou a dizer que não acreditava que nenhuma mídia fosse desaparecer.
Toda mídia tradicional está mudando. Ela não vai acabar. Jornais e revistas do mundo todo estão se reinventando. Existe, é claro, o desafio de monetizar a mídia digital, mas as séries americanas, por exemplo, estão repletas de merchandising, assim como as novelas de rádio antigamente eram patrocinadas por produtos da Unilever.
No meio de tanta informação transitando, como é possível ser relevante e despertar interesse?
Com a velocidade de um público jovem, linguagem de viralização, de hashtags e memes. A base, porém, é a verdade: tem que ser consistente. A criatividade se manifesta pelo humor, pela emoção, pelos valores que são verdadeiros.
As marcas estão passando por um processo de ganhar novos significados em suas relações com as pessoas. Como a propaganda vem colaborando para essa transformação?
Resumiria a resposta numa tríade: as pessoas sempre buscam acolhimento, pertencimento e reconhecimento. A marca precisa de um propósito que inspire as pessoas, e cabe à propaganda construir essa narrativa.
Na história da publicidade, qual o nome que fica na memória?
Que pergunta difícil [longa pausa]. Duas pessoas me inspiram: Walt Disney, que, acreditando na mágica, soube criar um império a partir de um rato, e Steve Jobs, que construiu a cultura da marca da Apple. No Brasil, destaco os empreendedores dos veículos de comunicação, do rádio à TV, dos jornais às revistas. Se não fosse por eles, as agências não seriam remuneradas e não atrairiam talentos. Sem eles não existiriam grandes nomes da publicidade no país.
Nesse mercado tão concorrido como o publicitário, qual é a tática para manter os talentos ativos na agência?
Essa geração, de valor compartilhado, mantém um desprendimento total. Hoje estão aqui, amanhã em Londres. Não lidam bem como a minha geração lidava com esse negócio de carreira. Só vão rolar talentos onde se cria um ambiente feliz. É claro que remuneração é importante, mas, se não tiverem prazer no trabalho, eles vão embora. Nessas relações trabalhistas, as agências estão tendo que se reinventar.
Como a crise pode se tornar um ingrediente na criação?
Neste cenário de crise, a marca tem que criar um conteúdo com que as pessoas se identifiquem. Elas precisam ser parceiras do consumidor. A crise passa, o país não acaba. A nação é maior que qualquer governo. E as marcas que estiverem com o consumidor vão prevalecer. Não é só em relação a promoções, mas, sim, sentir que ela [marca] está com ele [consumidor].
Quais são suas campanhas favoritas?
Gosto da série de filmes criada para a Friboi. Outro exemplo é a do Real, "O banco da sua vida", num filme que contou com pessoas de verdade e teve um apelo emocional muito forte. A do "Efeito Orloff: eu sou você amanhã", do Jaques Lewkowicz [que fundou a Lew'Lara com ele] virou bordão. Queria ter feito a campanha "Desce redondo", para Skol, da F/Nazca S&S, assim como a do cachorrinho criada para a Cofap [W/Brasil]. Gosto da "Não é assim uma Brastemp", da Talent, do "Cachorro-peixe" e da clássica "Todo mundo usa" para as Havaianas, ambas da AlmapBBDO. Outro sucesso que admiro é "Vem para Caixa você também", criada pela Artplan, campanhas que entraram para a cultura popular.