Folha de S. Paulo


No coração da Amazônia, 'capital do guaraná' recebe visita do Datafolha

Em menos de cinco minutos de voo, prédios e viadutos saem de foco e abrem cenário para um novelo de rios, que mancham de amarelo e marrom os corredores verdes da floresta. Uma hora e meia após o monomotor com três passageiros e dois tripulantes ameaçar pousar sobre as águas do rio Amazonas, eis que surge uma pista de asfalto no meio do mato.

É Parintins, cidade perto da divisa com o Pará. Após uma pausa de dez minutos, a aeronave decola, sobrevoando a 2.500 m de altitude uma imensidão de árvores e águas rumo a Maués (AM). Conhecida como a capital do guaraná, a cidade foi uma das 171 visitadas pelo Datafolha para a Top of Mind. Da capital, Manaus, até lá, chega-se em duas horas, num voo de táxi aéreo, ou em 16 horas ziguezagueando de barco.

"E olha que hoje eles são maiores e mais rápidos", conta Lilia Nazaré Machado, 68, pesquisadora do Datafolha. "Cinco anos atrás, era difícil achar produtos perecíveis ou até um lugar para comer."

Como em tantos outros destinos amazônicos, em Maués é assim: pouco chega por ar e muito pela água.

A porta de entrada de alimentos, bebidas, móveis, material de construção, enfim, de quase tudo, é o porto.

Diariamente, entre as 9h e as 10h, barcos com cerca de 200 pessoas carregam toneladas dos mais variados produtos, que vão abastecer supermercados, açougues, quitandas, cabeleireiros, pet shops, oficinas, padarias.

De janelas abertas para o rio Maués-Açu, a costureira Iraildes Rodrigues dos Santos, 65, disse que tem de tudo. "O que falta é sinal do celular para falar com os meus filhos, que vivem em Manaus."

Nos dois dias de campo em que esteve por Maués, Lilia também teve dificuldade de encontrar sinal para encaminhar ao Datafolha, em São Paulo, os resultados dos questionários aplicados em dois pontos do município.

Pela primeira vez em 24 anos de Top of Mind, as respostas das 5.694 entrevistas foram diretamente registradas em tablets de 204 pesquisadores do instituto.

Apesar de o celular não pegar, a costureira ressaltou as qualidades de Maués. "Durmo de janela aberta."

Sua vizinha, Eleonora Lopes de Souza, 24, mãe de três crianças, queixou-se da falta de frutas. "É difícil encontrar uva. São poucas as opções de roupas para os pequenos."

Acostumada a tingir o cabelo, ora loiro, ora negro, ora ruivo, a dona de casa Elisandra Maklouf Gonçalves, 25, agora com ele na cor cereja, lamenta nem sempre conseguir encontrar marcas de tintura. Quando precisa de algo escasso por lá, aciona os contatos de Manaus, e a mercadoria vem de barco. "Dependemos da capital."

Com 181 anos, Maués é um município que vive da agricultura familiar de subsistência, da produção de farinha e frutas (abacaxi, banana) e da pecuária. A economia local depende bastante de bolsas assistenciais e dos salários do funcionalismo. O guaraná é a menina dos olhos da região. São cerca de mil produtores. Difícil caminhar duas quadras pelas ruas cobertas de árvores como pau-preto, fícus e oitis sem esbarrar num carrinho de venda do produto. Há 32 anos, a cidade organiza uma festa, em novembro, para celebrar a colheita e valorizar o artesanato e a gastronomia.

O guaraná é uma planta nativa do território dos índios sateré-mawé. Foram eles que inventaram a cultura do guaraná, transformando a trepadeira silvestre em arbusto cultivado. À domesticação da planta somou-se o processo de beneficiamento. Hoje, vivem lá cerca de 6.000 índios. "Sateré" quer dizer "lagarta de fogo"; "mawé", "papagaio inteligente e curioso".

Entre setembro e março, a depender do clima, nos cerca 3 km de orla do rio Maués-Açu, em Maués, formam-se praias de areia fina e branca, que lembram balneários -com água doce e morna-, atraindo turistas. "Tem muito morador de pequenos vilarejos que vem comprar tudo aqui", diz a vendedora Francisca Barbosa, 32, do Mercantil Centerum. "Já temos maionese Heinz, batatas Pringles e cerveja Heineken. Muita coisa boa. Há produtos, porém, de que você não encontra marcas", explica.

Ex-guarda combatente de malária e vítima da doença, o aposentado Edelton Menezes, 66, lembra que, quando garoto, mercadorias chegavam ao porto já endereçadas aos poucos comerciantes que ali existiam. Vinte anos atrás, ele provou Nescau e suco de caixinha. Tomou gosto. "Hoje, como granola com iogurte no café da manhã para baixar o triglicéride", gaba-se.

A menos de dez passos dali, um grupo de ribeirinhos, chamados de "regatão" pelo fato de regatearem, negociam frangos, enlatados e refrigerantes, que serão usados em escambo por castanha, borracha, peixe, como o pirarucu, e, é claro, guaraná, horas depois, rio acima.


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