Folha de S. Paulo


Publicitário que já foi vendedor de saco de lixo fala sobre mercado, vida e consumo

No início da carreira, Hugo Rodrigues, 43, tinha cabelos quase raspados. Até conseguir o primeiro emprego, bateu tantas vezes à porta de agências consagradas que resolveu deixar as madeixas crescerem para não ser reconhecido pelos diretores que o entrevistariam mais uma vez.

"Quando fui eleito profissional do ano pela ABP [Associação Brasileira dos Publicitários], olhei para aquela plateia cheia de gente bacana do mercado e falei: 'Todos vocês aqui já me negaram emprego'", diverte-se. Os cabelos armados acabaram se tornando a marca registrada do hoje vice-presidente das agências Publicis no Brasil.

"Todo publicitário tem que ser, antes de tudo, um comerciante. A pesquisa é fundamental, nossa área virou uma ciência exata e eu sou obsessivo pelo consumidor."

Helena Peixoto/Folhapress
Hugo Rodrigues na sede da Publicis, em São Paulo
Hugo Rodrigues e seus cabelos armados –marca registrada– na sede da Publicis, em São Paulo

Folha Top of Mind - Você sempre quis ser publicitário?
Hugo Rodrgieus - Sou de uma família simples de Santos [litoral paulista]. Sempre tive uma visão pragmática das coisas. Eu pensava: "Se eu começar a trabalhar desde cedo, em qualquer área, talvez consiga chegar a algum lugar". Para gente como eu, não tinha isso de escolher uma profissão, o objetivo era sobreviver. Vendi saco de lixo, produtos de limpeza e trabalhei em gráfica. Depois, cursei um ano de engenharia, vi que não era pra mim e mudei para o marketing.

E por que escolheu a área?
Um dia eu li uma entrevista do Washington Olivetto e pensei: "Nossa, que cara 'bon vivant'". Eu achei que poderia ser divertido escrever, fazer com que pessoas se entusiasmassem por um produto e ainda ganhar com isso.

Como era naquela época?
Em 1991, não existia internet e as boas propagandas eram aquelas que divertiam as pessoas. O consumidor lembrava da piada, mas não do produto. Hoje não existe fazer um anuncio só pela ideia.

Então por que o festival de Cannes ainda aceita anúncios fantasmas [feitos só para premiação]?
O consumidor é quem manda na mensagem. Não adianta fazer uma propaganda incrível se ele não for contagiado por ela. Mas os prêmios são uma espécie de feira.

Como assim?
Nem todos os carros do salão do automóvel vão pra rua, nem tudo o que é desfilado na semana de moda de Paris vai para as lojas. É preciso premiar projetos de vanguarda também. Mesmo assim, prefiro sacudir o Brasil e dar resultado para o meu cliente do que ganhar um prêmio em Cannes, que sacudiu só o especialista. Quando virei vice-presidente aqui, só tinha um Leão no currículo, isso não é tão importante quanto parece.

Qual é o seu diferencial no mercado?
Vim do comércio, eu gosto de saber exatamente quem é o meu consumidor. Minha carreira demorou a decolar, por isso eu tive que me dedicar muito ao trabalho sujo, fazer coisas que os jovens do mercado não gostavam muito.

Que tipo de trabalho?
O varejo, as contas públicas e médicas me deram uma boa base para encarar um mercado dinâmico como o que temos agora. A convivência com a pressão do resultado imediato da placa do comércio me fez estar mais preparado quando a era digital chegou. No mercado, sou mais um Zeca Pagodinho do que um Seu Jorge, apesar de o segundo ser mais "cool".

A propaganda brasileira poderia ousar mais?
Vivemos em um país que passa pelo problema do analfabetismo funcional. Ainda estamos em um estágio muito primário de educação. Deveríamos passar uns dez anos com a linguagem simplificada e apostar no crescimento do país. Só assim poderemos ser mais ousados na linguagem e, ainda assim, apresentar resultados aos clientes. Por enquanto, precisamos falar a linguagem do nosso consumidor e respeitá-lo sempre.

E qual é essa linguagem?
Vou dar um exemplo prático de uma pesquisa que fizemos na casa: 80% dos brasileiros não faziam "recall" de peças de carros, de eletrônicos etc Fomos pesquisar o motivo e descobrimos que 83% dos brasileiros simplesmente não sabem o que é "recall". A mudança vai ser lenta e gradativa.

A classe C ainda é a bola da vez?
É. E ainda vai demorar muito na ponta. A mulher da classe C gasta R$ 19 bilhões em cosméticos no Brasil, enquanto a da classe A gasta R$ 10 bilhões. Com quem você acha que as pessoas querem falar?

Como é essa mulher?
A mulher da classe C é a mais otimista do mundo. Ela olha para a madame comendo só uma salada no shopping e fala: "Que triste, quero comer melhor, quero ser feliz". Ela se movimenta e faz a economia girar com ela. Hoje somos especialistas nesse mercado, mas garanto que, se o foco de amanhã for a classe A, também seremos, porque o nosso negócio é a obsessão pelo consumidor.

O que você gosta de fazer quando não está trabalhando?
Acho o prazer de não fazer nada importante, mas tenho um sentimento de dívida com Deus por tudo o que aconteceu na minha vida, então não me permito ficar ocioso. Uso esse tempo para contemplar o consumidor. Vou a um shopping ou a um restaurante e me pego reparando nas pessoas. Tiro até fotos, que levo para as reuniões. Faço exercício por obrigação e gosto de sair para comer.

Seu cabelo virou uma marca. Ninguém nunca implicou com ele?
Conheço 25 países e em quase todos noto que as pessoas ainda olham meio torto. Aqui no Brasil isso é mais forte, sofro preconceito no banco, em show Mas a luta continua, eu acho bacana.


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