Folha de S. Paulo


Fim das lanhouses deixou lacuna na inclusão digital, diz pioneiro do setor

Em 2001, quando entrou pela primeira vez em uma lanhouse em São Paulo, Marcel Fukayama, aos 17 anos, encontrou um ambiente escuro, povoado por adolescentes do sexo masculino. A finalidade do negócio era praticamente uma só: jogar Counter-Strike.

Ele viu logo o potencial de transformar lojas assim em espaços de estudo e trabalho. Naquela época, só 8% da população brasileira tinha internet em casa, indicava uma pesquisa da Nielsen.

"Minha ideia sempre foi democratizar o acesso à internet. Mas logo de cara, assim que abri minha loja, tive que lidar com um projeto de lei que queria proibir as lanhouses em São Paulo", diz o empreendedor.

Graças a sua intervenção, a lei mudou, exigindo que os "cyber-cafés" tivessem "ambiente saudável, iluminação natural e artificial adequada, e móveis ergonomicamente corretos e adaptáveis a todos os tipos físicos".

A paixão por computadores de Marcel vinha de casa. Quando tinha nove anos, seu pai abriu uma assistência técnica de computadores no bairro da Santa Cecília, no centro de São Paulo. Nos anos 90, ele cresceu desmontando PCs e vendendo disquetes com jogos no colégio.

"Fiz ensino técnico em processamento de dados, e uma coisa levou a outra", afirma. Ele foi dono de uma das primeiras redes de lanhouses do países, e ajudou a derrubar uma lei de 2006 que proibia centros de acesso no raio de 1km de instituições de ensino no Rio de Janeiro.

"Era um centro de conveniência, um lugar não só para jogar, mas para baixar música, trabalhar, fazer pesquisa. Imprimimos milhares de trabalhos escolares. Com a chegada do Orkut, muita gente usava para rede social também", afirma.

Em 2008, 47% dos usuários usava a web em uma lanhouse, contra 43% que acessavam na própria casa, segundo estudo do do CGI (Comitê Gestor da Internet). "Incentivar as lanhouses deveria ser o âmago das políticas públicas que visem à universalização do acesso à internet", dizia o relatório.

Na área rural, a porcentagem do acesso em "centro público de acesso pago" crescia para 58% e, em casa, caía para apenas 26%. A estimativa era de 100 mil lanhouses no país. "Era um negócio comunitário, que agregava as pessoas do bairro e permitia a educação."

Marcel Fukayama
Criança aprende a mexer no computador em projeto da CDI Lan
Criança aprende a mexer no computador em projeto da CDI Lan

A motivação de Marcel passou a ser levar internet para a maior quantidade de pessoas possível. Ele fechou sua loja e se tornou diretor do CDI (Centro de Inclusão Digital). O CDI Lan, braço comandado por ele, tinha 2,3 mil lanhouses associadas, que seguiam um código de conduta e ofereciam cursos e serviços aos seus usuários.

"Fizemos um acordo com a Microsoft para abaixar o preço das licenças do Windows para lanhouses, porque, de fato, tinha muita pirataria. As brigas com empresas eram constantes", diz Fukayama. Ele acabou virando um consultor de "inovação reversa" para as multinacionais, "quando o mercado emergente dita qual deve ser o padrão do negócio", em suas palavras.

Foi o que aconteceu com a Epson. "O modelo de negócios da indústria de impressão é falido. As empresas naquela época vendiam impressora subsidiada, na expectativa de ganhar com a venda do cartucho", afirma, se referindo a 2011. Mas a estratégia não funcionou no Brasil.

"Com a chegada dos cartuchos remanufaturados, ou piratas, que tinham um terço do preço, a empresa estava perdendo dinheiro. Então criamos um modelo de impressora com reservatórios. As pessoas podiam comprar as cargas de tinta, mais baratas que os cartuchos."

Nos anos seguintes, um elemento mudou radicalmente o que se entende por inclusão digital: o celular. "Eu diria que essa virada aconteceu em 2012. Mas a lanhouse deixou um legado. Os espaços de coworking só existem hoje porque criamos essa cultura digital", afirma.

Em 2014, a proporção de domicílios que utilizavam internet pelo celular pulou para 80,4%, de 53,6% em 2013. No mesmo ano, pela primeira vez, foi constatado que mais de metade da população rural tinha acesso à telefonia móvel, incluindo muitos que nunca tinham usado computadores.

A pesquisa mais recente, feita pelo IBGE em 2015, mostra que 40,5% dos domicílios brasileiros estão conectados à internet via computador, e 17,3%, via celular ou outro equipamento.

Nem todos têm dinheiro para ter internet rápida em casa ou um plano de dados de 4G. "É por isso que, em regiões pobres, a evolução da lanhouse são os hotspots de wi-fi, onde a pessoa tem um roteador e os outros pagam para usar", diz Marcel. "A regulação não permite isso, mas o fato é que os preços pela internet são abusivos."

"Desenvolver projetos é mais difícil, porque perdemos a figura do dono da lanhouse. O desafio agora é que a chegada do 5G não aprofunde ainda mais a desigualdade no acesso", diz Marcel.

Um estudo da União Europeia de 2016 estima que a criação de uma rede 5G, por lá, custaria € 58 bilhões —no Brasil, isso pode criar disparidades entre cidades ricas e pobres.

Seria necessário ter uma estrutura de 5G para implementar o sonho da "internet das coisas", que conectaria todos os objetos de uso cotidiano à internet e, ao que tudo indica, será a próxima revolução digital. Como as anteriores, ela não será barata.


Endereço da página:

Links no texto: