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Entenda o que é o 'direito ao reparo', a luta em defesa do faça-você-mesmo

Divulgação
iPhone 7 desmontado em um tutorial do site iFixit
iPhone 7 desmontado em um tutorial do site iFixit

Com objetos do dia a dia cada vez mais complexos tecnologicamente, há um costume sob risco de desparecer: desparafusar e consertar algo por conta própria, em vez de incumbir uma assistência técnica ou comprar um novo.

Nos Estados Unidos, a terra do faça-você-mesmo, tramitam projetos de lei em oito Estados pedindo o "direito ao reparo". A ideia é exigir que fabricantes vendam peças originais e manuais de instrução para quem quiser comprar.

"As empresas querem ter o monopólio do conserto", afirma Julia Bluff, diretora do site iFixit. "Nós acreditamos que o reparo deve ser algo acessível economicamente, não só para o usuário, mas também para criar empregos e estimular a economia local."

No iFixit, há 24 mil manuais ensinando a desmontar todo tipo de utensílio: aspirador de pó, fone de ouvido, mouse, câmera e ar-condicionado do carro. Em 2009, quando a Apple criou o parafuso "pentalobe", que só abre com uma chave específica, o iFixit produziu uma cópia da chave e a colocou à venda.

O faça-você-mesmo, conhecido por lá como DIY (do-it-yourself), é uma tradição do país, estimulada por revistas como a "Popular Mechanics" (desde 1912) e "Mechanix Illustrated" (de 1928 a 2001).

Mariana Martins/Folhapress
Tratores modernos têm painel inteligente e funcionam com geolocalização
Tratores modernos têm painel inteligente e funcionam com geolocalização

O debate vai além do hobby, no entanto. Se um trator moderno precisa de uma troca de chip ou manutenção de software, ele pode ficar parado por dias, dando prejuízo. É o que argumentam associações de fazendeiros de Nova York, Nebraska, Texas, Iowa e Michigan, defensores do projeto.

"Quando você conserta algo, se torna menos um usuário e mais um proprietário", diz Buff. "Na nossa cultura, a tecnologia está virando uma caixa preta. Há uma pressão para consumir e descartar, que é ruim para as pessoas e para o meio ambiente."

Os norte-americanos já conquistaram o "direito ao reparo" dos carros em 2014, em um acordo nacional com as montadoras. As peças originais de carro geralmente são de fácil acesso, diferente do caso dos eletrônicos.

A Repair Association, que está por trás dos projetos de lei, diz que mais de três milhões de norte-americanos trabalham com manutenção e reparo. No Brasil, havia 462 mil pessoas ocupadas no setor em 2014, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O número não inclui centros informais de eletrônicos, como a rua Santa Ifigênia, em São Paulo.

Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, as empresas que vendem bens duráveis são responsáveis por consertos e trocas, mas não há controle sobre os preços e condições desses serviços.

"No Brasil, ainda há a ideia de que a exigência de consertar na rede autorizada está ligada a uma garantia de qualidade", afirma Simone Magalhães, membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. "Muitas cidades do interior não contam com nenhuma autorizada, o que deixa o consumidor sem opções."

Em 2016, o Procon registrou 2.368 queixas relacionadas a assistências técnicas, autorizadas ou não, no Estado de São Paulo. A maioria é causada por "vício de qualidade": um serviço mal executado, inadequado ou impróprio.

Se houvesse acesso aos manuais de instrução dos fabricantes, o serviço seria melhor, afirma Magalhães. "Da forma que é hoje, incentiva o consumidor a não fazer o reparo, e sim substituir o produto."

Veja um vídeo do iFixit explicando o movimento (em inglês).

Vídeo do iFixit, em inglês


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