Folha de S. Paulo


Feira de tecnologia começa com temor de não encontrar um 'novo iPhone'

A feira Consumer Electronics Show (CES) atrai milhares de expositores e visitantes a Las Vegas, em busca da próxima grande novidade tecnológica. Neste ano, ela deve oferecer uma cornucópia de inovação tecnológica, de refrigeradores conectados a drones, passando por relógios inteligentes e headsets de realidade virtual.

O novo encontro anual de engenhocas será realizado de novo nesta semana, entre 5 e 8 de janeiro, mas muita gente no setor de tecnologia agora está enfrentando a realidade de que talvez jamais surja outra inovação como o smartphone. O iPhone original da Apple foi apresentado por Steve Jobs exatamente na mesma semana que o evento, uma década atrás, e a preocupação é de que os aparelhos que a indústria vem alardeando com mais fervor não consigam criar conexão igualmente forte com os consumidores.

"Não estamos vendo grandes saltos de crescimento em parte alguma", diz Ben Bajarin, analista da Creative Strategies. "Não veremos, de fato, uma categoria na qual haja uma curva acentuada de crescimento, especialmente não uma curva longa e sustentável como as que vimos com os celulares e computadores pessoais."

É um enigma que nem mesmo a Apple conseguiu resolver, até agora. O iPad viu rápido crescimento depois de sua introdução, em 2010, mas as vendas vêm caindo ano a ano desde o pico atingido em 2013. Novos produtos como o Apple Watch e o conector de TV Apple TV não bastaram para compensar o declínio do iPhone no ano passado, com a desaceleração no mercado de smartphones.

A expectativa em torno do Apple Watch quando foi lançado, em 2014, causou a esperança de que a tecnologia vestível seria o próximo mercado quente, e atraiu companhias estabelecidas como a Samsung e a Huawei, além de start-ups como a Pebble.

Agora, porém, os analistas estão reduzindo suas projeções para os produtos vestíveis, e alguns fabricantes abandonaram o mercado de todo. Os ativos principais da Pebble foram abocanhados pela Fitbit a baixo preço, e a Motorola anunciou não ter planos de curto prazo para lançar outro relógio inteligente, afirmando que os produtos vestíveis "não têm apelo suficientemente amplo".

Antes das vendas da temporada de festas, pesquisadores da IDC constataram que o mercado de eletrônicos vestíveis cresceu em apenas 3,1% no terceiro trimestre, com as pulseiras mais básicas de fitness ultrapassando as vendas dos relógios inteligentes sofisticados.

James Park, presidente-executivo da Fitbit, a líder do mercado em termos de vendas, está mais otimista quanto ao segmento de produtos vestíveis. "Nosso ponto de vista é de que existe espaço para penetração maior no mercado", ele disse, apontando para pesquisas da empresa que afirmam que 66% dos adultos dos Estados Unidos que têm smartphones estão interessados em exercícios físicos, e que apenas 15% a 20% deles já usam equipamentos eletrônicos que registram o desempenho nos exercícios.

Aumentar essa proporção "será uma história de diversos anos", diz Park. "O próximo passo na evolução será orientação e treinamento mais personalizado. À medida que nos integrarmos de mais perto ao setor de saúde, esses aparelhos se tornarão quase obrigatórios."

Em lugar de produzir aparelhos e esperar que eles atraiam a atenção dos consumidores, muitas empresas de tecnologia agora estão se concentrando em melhorar o software e os serviços por trás do hardware.

Na CES, muitos fabricantes adicionarão assistentes virtuais criados pela Microsoft, Amazon e Alphabet aos seus produtos, e outros alardearão ter acrescentado "inteligência artificial" a toda espécie de produto, de carros a escovas de dente.

"A inteligência artificial pode ser a história mais importante da feira", diz John Curran, diretor executivo da divisão TMT, na consultoria Accenture. A inteligência artificial pode "ajudar a propelir algumas das outras categorias que encontraram resistência na adoção pelos consumidores porque os aparelhos foram vistos como difíceis de conectar e difíceis de compreender."

Muitos fabricantes tentarão reproduzir a crescente popularidade do Echo, da Amazon, um alto-falante controlado por voz que pode ser usado para tocar música, acender e apagar as luzes ou chamar um táxi.

"Antecipamos que haverá uma avalanche de alto-falantes inteligentes na CES", disse Ben Wood, analista da CCS Insight, uma empresa de pesquisa sobre tecnologia.

Mas mesmo essa nova categoria é muito menor, hoje, do que o alarde que a cerca poderia sugerir. Em novembro, a Consumer Intelligence Research Partners estimou que a Amazon havia vendido apenas cinco milhões de unidades do Echo nos Estados Unidos desde o lançamento do produto em 2014.

No ano passado, a realidade virtual foi considerada o grande sucesso da CES. Mas, neste ano, a mais conhecida pioneira da realidade virtual, a Oculus, controlada pelo Facebook, não terá estande na feira, depois do que quase todos consideram um começo lento para a categoria em 2016.

Analistas da IHS Markit calculam que os consumidores tenham gasto US$ 1,6 bilhão com produtos de realidade virtual no ano passado, e que o total suba a US$ 7,9 bilhões em 2020. Executivos importantes das companhias do Vale do Silício advertem que antes de 2018 os aparelhos de realidade virtual podem não oferecer a experiência certa ao consumidor por um preço acessível.

Mas a máquina de marketing da CES já está promovendo um novo tipo de headset, mais ambicioso e mais caro, que pode fazer com que "hologramas" pareçam estar presentes no mundo real. Visores de realidade aumentada como o Hololens, da Microsoft, devem atrair multidões aos estandes das grandes empresas esta semana.

Dez anos atrás, dias antes que Jobs lançasse o iPhone, Bill Gates, da Microsoft, exibiu uma "casa do futuro" com cozinhas, quartos e carros equipados com telas cada vez maiores do Windows. "Ei, olha que bacana", disse Gates, ao mudar a imagem da tela que ocupava uma parede inteira do quarto em que ele estava para a de um aquário gigante.

As demonstrações de realidade aumentada e realidade virtual este ano também podem ser bacanas, mas há pouco a sugerir que essas visões do futuro convençam os consumidores a deixar de lado os smartphones, da mesma que o aquário digital de Gates não o fez uma década atrás.

"Muita gente do setor aprendeu as lições erradas" nos últimos 10 anos", diz Bajarin. "A realidade é que esses mercados podem jamais se tornar tão bons quanto algo como o iPhone."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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