Folha de S. Paulo


Contra fotos e gravações, artistas aderem a bolsa que 'tranca' celulares

Kevin Winter/Getty Images/Coachella
INDIO, CA - APRIL 16: Musician Axl Rose and Slash of Guns N' Roses performs onstage during day 2 of the 2016 Coachella Valley Music & Arts Festival Weekend 1 at the Empire Polo Club on April 16, 2016 in Indio, California. (Photo by Kevin Winter/Getty Images for Coachella) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
A banda Guns N' Roses é uma das adeptas à proibição de celulares em shows

O humorista David Chappelle costumava odiar quando seus fãs pegavam os smartphones durante suas apresentações, gravavam seus monólogos e depois os postavam no YouTube e nas redes sociais antes mesmo que o espetáculo terminasse. A impressão dele era a de que os fãs estavam mais interessados em capturar a imagem perfeita do que em curtir o humor.

Mas no final de 2015, Chappelle descobriu uma tecnologia chamada Yondr. Os fãs têm de guardar seus celulares dentro de uma bolsinha trancada fornecida pela Yondr, quando entram para assistir ao show, e um mecanismo destranca a bolsa quando eles estão saindo. Os espectadores ficam com a bolsinha em seu poder durante o show, mas não podem tirar fotos, gravar vídeos ou enviar mensagens de texto durante a apresentação, quando a bolsinha fica trancada.

"Sei que meu show está protegido e isso me permite ser mais aberto e honesto com a audiência", disse Chappelle por e-mail.

Junior Lago/UOL
***INTERNET OUT*** ATENÇÃO: PROIBIDO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO UOL SÃO PAULO - SP - BRASIL - 12/03/2016 - LOLLAPALOOZA - O grupo islandês Of Monsters and Men se apresentam no palco Onix no primeiro dia do Lollapalooza Brasil 2016. Foto: Junior Lago/UOL
Nos EUA, bandas e artistas adotaram a tecnologia para proibir fotos e vídeos durante as apresentações

Depois de sua primeira apresentação sem celulares na plateia, Chappelle se convenceu das virtudes do sistema e agora insiste em que o Yondr seja usado em todas os seus shows.

Outros artistas começaram a usar o Yondr, entre os quais Alicia Keys, Guns N' Roses, Maxwell e o ator, músico e humorista Donald Glover, que usa no palco o pseudônimo Childish Gambino. O sistema também foi empregado em eventos musicais ou shows especiais; artistas como Chappelle usam o sistema durante uma turnê inteira.

É claro que um artista ou casa de shows pode dizer que o uso de celulares é proibido e confiar em que os fãs respeitem a restrição. Mas as pessoas muitas vezes se rebelam.

Um espetáculo sem celulares "é uma experiência muito diferente", diz Graham Dugoni, fundador da Yondr.

Chad Taylor, empresário de Glover e outros artistas, disse que "é difícil conhecer pessoas em um lugar quando você está ocupado enviando mensagens a amigos que não estão lá". Ele acrescentou que "é difícil curtir um show quando você está assistindo pela câmera do iPhone e procurando o melhor enquadramento".

Quando o roqueiro Axl Rose se reuniu com seus colegas da formação original do Guns N'Roses, Slash e Duff McKagan, pela primeira vez em 23 anos, o uso de celulares durante o espetáculo estava proibido.

"Meu Deus, foi maravilhoso", disse McKagan sobre o primeiro show da turnê de reunião da banda, no Troubadour, em Los Angeles. "Era aquela sensação do passado, as pessoas dançando e curtindo. Foi realmente cool".

A sensação foi muito diferente da que ele sentiu em um show com sua outra banda, Loaded, alguns anos atrás em Córdoba, Argentina. "Comecei a tocar e logo me vi encarando um mar de iPads e luzes brilhantes", ele disse. McKagan parou o show na hora e pediu que as pessoas guardassem seus aparelhos, e depois disso a apresentação melhorou imensamente, segundo ele.

Bandas menos conhecidas podem hesitar mais em experimentar o Yondr, já que muitas dependem de fotos e vídeos postados por fãs para divulgar os seus shows.

E alguns fãs não gostam da ideia de não poder registrar shows ao vivo.

"Se não existissem celulares, e não fosse possível gravar vídeos, seria decepcionante", disse Steve Dintino, de Filadélfia, que adora música e grava todos os espetáculos a que assiste. Ele começou a gravar shows em 1994, depois de assistir a uma apresentação de Frank Sinatra em Atlantic City, na qual ele gritou "te amo, Frank", e Sinatra respondeu "também te amo, colega". "Um amigo estava gravando o show, e por isso tenho o áudio daquela apresentação". Desde então, "tento capturar todos os shows a que assisto, qualquer que seja o pretexto", ele diz.

"A capacidade de assistir ao que está acontecendo ao vivo", do conforto de sua sala, "é incrível", disse Chris Kooluris, de Manhattan, um fã ardoroso de música que já assistiu a dezenas de shows ao vivo e a muitos outros pelo Periscope, o serviço de vídeos do Twitter.

"Fiquei acordado até tarde procurando feeds ao vivo no Periscope do show do Guns N' Roses em Los Angeles", disse Kooluris. Mas quando vai a shows, ele diz preferir ver menos gente com celulares. Para resolver a questão, ele sugere que as bandas autorizem uma pessoa a gravar o show e depois ofereçam acesso às imagens para quem comprou ingressos.

Justin Kaneps/The New York Times
 Audience members are required to lock their cellphones in Yondr pouches so they cannot take photos, shoot videos and send text messages during performances. Credit Justin Kaneps for The New York Times
Bolsa criada pela Yondr que impede o uso de aparelhos celulares e tablets durante eventos

Mas o Yondr não serve apenas para shows. A empresa vem alugando seu equipamento a escolas, restaurantes e bufês de casamento, e para estúdios de cinema, em eventos nos quais filmes são exibidos antes do lançamento, nos Estados Unidos e no exterior. No futuro, ele também poderá ser usado durante espetáculos teatrais e eventos esportivos, em spas e em salas de cinema, disse Dugoni.

Dugoni, 29, nasceu em Portland, Oregon, onde seu pai é médico e sua mãe dona de casa. Depois de se formar em ciência política pela Universidade Duke, em 2009, ele trabalhou em diversas áreas —ensinou inglês no Vietnã, jogou futebol na Noruega em 2010, trabalhou para consultorias de investimento em Portland e Atlanta, e passou algum tempo como funcionário de uma startup de câmbio, que terminou falindo, em 2013 em San Francisco.

Desde que chegou à casa dos 20 anos, Dugoni vem prestando cada vez mais atenção a —e se irritando cada vez mais com— a maneira pela qual as pessoas ficam com o celular grudado no rosto, desdenhando as interações sociais.

Ele também vê problemas de privacidade no uso de smartphones por terceiros. "Em um festival na Treasure Island de San Francisco, em 2013, vi um cara dançando, bem bêbado, e dois sujeitos que nem o conheciam gravando a cena em vídeo, e a postando no YouTube sem o cara saber".

Com US$ 15 mil no bolso, Dugoni decidiu trabalhar no desenvolvimento da Yondr. Ele passou seis meses desenhando ideias, experimentando com 40 diferentes tecidos e trancas, visitando lojas de ferramentas e consultando fabricantes na China, antes de desenvolver um protótipo em 2014.

Justin Kaneps/The New York Times
 A phone-free event
Para Graham Dugoni, fundador da Yondr, um evento sem celulares é uma experiência bem diferente

Mas obter capital inicial para fabricar o Yondr foi um desafio. Os investidores do Vale do Silício achavam que a ideia de evento sem celulares era absurda, e praticamente o expulsavam da sala com suas risadas.

"Eles não sacavam", diz o empreendedor. Dugoni não se deixou abater e voltou à sua cidade, onde conseguiu US$ 100 mil em capital junto a investidores iniciais.

"Achei que a ideia tinha potencial e possibilidade de desenvolvimento", disse Tony Arnerich, um dos investidores na Yondr, velho amigo da família Dugoni. A companhia obteve mais US$ 75 mil em capital em 2015.

A Yondr ganha dinheiro alugando suas bolsinhas por US$ 2 ao dia, ainda que ofereça descontos para grandes quantidades ou para escolas que desejem usá-las por períodos prolongados.

O primeiro projeto pago da empresa aconteceu em 2015, e em seis meses ela já tinha saído do vermelho, segundo Dugoni. A tecnologia foi usada em 57 casas de espetáculos e 300 escolas em 2016, ante cinco locais em 2015.

O Comedy Works, um clube de humor que apresenta shows de humoristas como George Lopez e Wanda Sykes, usa o equipamento da Yondr em suas duas casas em Denver desde maio. "Todos os maiores artistas agradeceram, e acharam a ideia ótima", disse Wende Curtis, a dona. Frequentadores chegaram a perguntar se podiam comprar as bolsinhas para usá-las em casa. (Por enquanto, a empresa só as aluga, mas está estudando a possibilidade de vendê-las no futuro.)

Alguns fãs se irritam. Houve quem exigisse seu dinheiro de volta, em lugar de abrir mão do celular, diz Curtis. E um grupo de oito amigos embriagados "comprou briga", e postou queixas sobre o sistema na mídia social, ela diz.

Mike Coppola/Getty Images/ The New York Times
O comediante Dave Chappelle afirma que sente que pode ser "mais honesto" em shows sem celulares

Em um show de David Chappelle, um fã embriagado furou o fundo da bolsinha usando os dentes, recorda Corey Smith, presidente-executivo da Blacksmith Records, que trabalha com Chappelle e outros artistas.

A bolsinha permite que os sinais telefônicos sejam percebidos, de modo que a pessoa sente a vibração do aparelho quando ele recebe uma mensagem. Quem precisar usar o aparelho durante o espetáculo pode sair da sala, e usá-lo no saguão ou do lado de fora - como fazem os fumantes em casas noturnas onde fumar é proibido. "Alguns funcionários das casas têm acesso aos seus celulares o tempo todo", disse Dugoni, em caso de emergência.

Dugoni diz que o Yondr não é moda passageira, mas a onda do futuro.

"Para mim, é um movimento social do qual o equipamento é uma peça", ele disse. "A ideia é ajudar as pessoas a viver na era digital de uma maneira que não esvazie todo significado de suas vidas".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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