Folha de S. Paulo


Grupos usam Facebook para oferecer armas a milícias

Reprodução/New York Times
Grupos do Facebook oferecem armamento pesado
Grupos do Facebook oferecem armamento pesado

Nos últimos anos, um terrorista que deseje comprar uma arma antiaérea, precisa apenas ir ao Facebook, que abriga diversos mercados on-line de material bélico, oferecendo armamento que varia de armas portáteis e granadas a metralhadoras pesadas e mísseis.

Os posts de Facebook apontam para indícios de esforços em larga escala para a venda de armas militares cobiçadas por terroristas e militantes. As armas incluem muitas distribuídas pelos Estados Unidos a forças de segurança e grupos aliados no Oriente Médio.

Esses mercados on-line, que violam a recente proibição à venda de armas imposta pelo Facebook, vem aparecendo nas regiões em que o Estado Islâmico tem presença mais forte. Esta semana, depois que o "New York Times" ofereceu ao Facebook sete exemplos de grupos suspeitos, a companhia fechou seis deles.

As constatações se baseiam em estudo da consultoria privada Armament Research Services (ARES) sobre tráfico de armas via redes sociais na Líbia, bem como em reportagens do jornal sobre tráfico semelhante na Síria, Iraque e Iêmen.

Muitas vendas são arranjadas depois que usuários do Facebook postam fotos em grupos fechados e secretos. Os posts funcionam mais ou menos como anúncios classificados digitais em fóruns específicos sobre armas.

Entre as armas exibidas havia metralhadoras pesadas em suportes projetados para uso antiaéreo, e que podem ser afixados às caçambas de picapes, e sistemas mais sofisticados e ameaçadores, entre os quais mísseis antitanques e uma nova geração de mísseis antiaéreos disparados do ombro e dotados de sistemas infravermelhos de busca.

O relatório documentou 97 tentativas não regulamentadas de transferência de mísseis, metralhadoras pesadas, lançadores de granadas, foguetes e rifles com efeito destrutivo pesado, usados para desabilitar equipamento militar, por diversos grupos líbios no Facebook, desde setembro de 2014.

No ano passado, a ARES afirma ter documentado uma oferta de venda no Facebook de um suporte para o SA-7, a peça central reutilizável de um sistema portátil de defesa antiaérea, conhecido pela sigla Manpads em inglês, uma arma da mesma categoria do míssil norte-americano Stinger. Muitas dessas armas saíram da custódia do governo líbio em 2011, quando arsenais foram saqueados por rebeldes e ladrões.

A ARES afirmou ter documentado vendedores líbios afirmando dispor de dois SA-7 prontos para venda, com dois mísseis adicionais e três peças de suporte central. O SA-7 é um sistema mais velho, e representa maior ameaça a helicópteros e aviões comerciais do que a modernos jatos militares.

Metralhadoras e mísseis formam uma pequena fração do tráfico de armas aparente no Facebook e outros apps de mídia social, de acordo com Nic Jenzen-Jones, diretor da ARES e um dos autores do relatório.

Um exame pelo "New York Times" sobre grupos do Facebook na Líbia dedicados à venda de armas demonstrou que os vendedores estavam em busca de clientes para um sortimento muito maior de armas portáteis e de infantaria. Os rifles vêm sendo predominantemente fuzis de assalto Kalashnikov, usados por muitos militantes da região, e fuzis FN FAL, que são de uso comum na Líbia.

Todas essas solicitações violam as normas do Facebook, que desde janeiro proíbem a facilitação de vendas privadas de armas de fogo e outras, de acordo com Monica Bickert, antiga procuradora da Justiça federal norte-americana responsável por desenvolver e implementar os padrões de conteúdo da igreja.

"Quando o Facebook começou, não havia maneira de se envolver em comércio por meio dele", ela disse. Mas Bickert acrescentou que nos últimos 12 meses a empresa permitiu que usuários processassem pagamentos por meio do seu serviço Messenger, e adicionou outros recursos para ajudar com vendas.

"Porque estamos oferecendo recursos como esses, chegamos à conclusão de que seria bom deixar claro que este não é um site que facilite vendas privadas de armas de fogo".

Não está claro até que ponto o tráfico de armas se difundiu pelo site, mas o ritmo de posts novos vem sendo inconfundivelmente rápido, com muitos grupos oferecendo diversas armas novas a cada dia. Jenzen-Jones disse que a ARES documentou 250 a 300 posts sobre vendas de armas a cada mês, só em sites da Líbia, e que as vendas pareciam estar em tendência de alta.

No geral, usando dados sobre grupos de venda de armas via Facebook de todo o Oriente Médio, ele disse que "temos cerca de seis mil transações documentadas, mas o total é provavelmente muito maior que esse".

Bickert disse que a parte mais importante do esforço do Facebook "para manter as pessoas seguras" era facilitar para os usuários a notificação à companhia de possíveis violações, o que pode ser feito clicando no botão "reportar" disponível em cada post do Facebook.

A ARES documentou muitos tipos de compradores e vendedores. Eles incluem cidadãos privados em busca de armas de fogo bem como representantes de grupos armados adquirindo armas que requerem mais de um soldado para uso efetivo, e pessoas que parecem estar descartando armas que as milícias já não querem.

Diferentes mercados têm diferentes características. Na Líbia, o medo do crime parece levar muita gente a desejar comprar pistolas, disse Jenzen-Jones.

"As armas de mão têm representação desproporcional", ele disse. "São muitíssimo procuradas - primordialmente para autodefesa e especialmente para proteção contra roubo de carros –e muitos potenciais compradores postam anúncios de 'compra-se'". Elas também são caras, variando de cerca de US$ 2,2 mil a US$ 7 mil - um sinal de que a procura supera a oferta.

No Iraque, os mercados de armas operados via Facebook podem funcionam como um raio-X dos fracassos dos programas de treinamento e equipamento norte-americanos, com vendedores exibindo um estoque aparentemente inesgotável de armas fornecidas a forças iraquianas pelo Pentágono, durante a longa ocupação do país pelos Estados Unidos.

Elas incluem carabinas M4, fuzis M16, armas automáticas portáteis M249, submetralhadoras MP5 e pistolas semiautomáticas Glock. Muitas das armas exibidas ainda mostram rótulos de armazenagem e acessórios extraoficiais favorecidos pelas forças e pelos soldados dos Estados Unidos.

Armas como essas estão há muito disponíveis nos mercados negros do Iraque, com ou sem publicidade na mídia social. Mas o Facebook e outras companhias de mídia social parecem prover novas oportunidades para que compradores e vendedores se localizem com facilidade; para que vendedores exibam itens a maior número de potenciais clientes; e para que os clientes observem e barganhem para compra de lotes maiores de armas do que aqueles que estão disponíveis em mercados físicos de menor porte.

Da mesma maneira, armas idênticas às que os Estados Unidos forneceram a rebeldes sírios foram colocadas à venda no Facebook e outros sites de mídia social ou mensagens.

Os itens oferecidos à venda via Facebook na Líbia incluem também boa parte dos demais equipamentos buscados por milícias ou terroristas para suas operações. Eles incluem munição, placas à prova de balas para coletes protetores, miras telescópicas para fuzis, granadas de mão, intercomunicadores táticos, ogivas de fragmentação antipessoal para lançadores de granadas a foguete, uniformes (incluindo uniformes policiais) e câmeras infravermelhas para observação noturna.

Bickert disse que o uso do Facebook para a venda de itens que não são considerados armas, como as placas de blindagem, não viola as normas da empresa. Mas porque os mesmos grupos que vendiam as placas também vendiam armas, eles foram removidos esta semana.

Tráfico online de armas dessa magnitude "é uma revelação", disse Nicolas Florquin, coordenador de pesquisa do Small Arms Survey, centro de pesquisa sediado em Genebra que comprovou o estudo da ARES, como parte de um esforço para suplementar as investigações do Painel de Especialista das Nações Unidas sobre o tráfico de armas.

Sem mencionar diretamente o Facebook ou qualquer outra empresa de mídia social, ele acrescentou que "obviamente é preciso muito mais atenção à monitoração e controle dessas atividades".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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