Folha de S. Paulo


Celular e redes se tornam ferramenta para controlar angústia após atentados

Testemunhas de um atentado sacam de imediato seus celulares para enviar imagens em tempo real para as redes sociais, um reflexo da necessidade de relatar o que foi visto, de "fazer parte" do acontecimento e compartilhar emoções.

As fotos tiradas por testemunhas dos atentados de Bruxelas na última terça-feira (22) circularam primeiro nas redes sociais, depois em emissoras de televisão e outras mídias. O jornal francês "Libération" publicou na capa a foto tirada por um amador.

"As pessoas compreendem imediatamente o que está acontecendo e sabem que são testemunhas privilegiadas de algo que todos vão ver. Sabem que é preciso de gente para filmar, pois eles também procuraram tais imagens nas redes. Têm a impressão de ser úteis, agir e fazer parte do acontecimento, dizer 'eu estive lá'", resume Nicolas Vanderbiest, doutorando e especialista em redes sociais da Universidade Católica de Lovaine.

Para Stéphane Rusinek, professor de psicologia da Universidade de Lille 3, na França, a necessidade de contar um acontecimento excepcional e chamar atenção dos outros com seu relato é uma necessidade humana fundamental. "E muita gente tem o desejo de ficar mais tempo no local para poder contar mais", completa.

Alguns reflexos se tornaram habituais quando ocorre um atentado.

Nos três atentados traumáticos na Europa apareceu uma mesma pauta: enviar desenhos, uma hashtag ou um grafismo, cobrir a foto com as cores de uma bandeira, declarar-se 'em segurança' no Facebook, explica Benoît Raphaël, especialista em redes sociais.

"Mais que uma dimensão narcisista, é uma necessidade de calor humano, de se comunicar, de se reunir", diz.

"Após o perigo imediato que leva a fugir, quando as pessoas se sentem seguras e a salvo, tiram uma foto", conta Rusinek. "Há um desejo de comunicar o que acontece para proteger os outros. Isso permite controlar a angústia".

Para Vanderbiest, que acompanha de perto as hashtags que viram "trending topics" no Twitter, a hashtag #Jesuischarlie teve um sucesso excepcional, porque foi espontânea.

Depois, vieram as hashtags mais organizadas. #Bruxelles foi usada em 6 milhões de tuítes contra 40.000 no dia anterior. #Tousensemble teve 40.000 tuítes.

Em seguida, surgiram #jesuisbruxelles (280.000), #PrayforBrussels (250.000), #Prayforbelgium" (370.000) em, em especial, #stopislam (530.000), um número muito elevado, mas também citado com muita frequência para denunciar o lema lançado pela extrema direita, afirma Vanderbiest.

AUMENTAR O MEDO?

O ato de filmar um evento maciço tem se intensificado porque as redes sociais se tornaram maciças, como os celulares e o 4G, que possibilitam a transmissão de imagens em tempo real, tanto para os atentados ou os fenômenos naturais.

"Isso não acontece porque as pessoas querem se beneficiar, mas por necessidade de compartilhar, se expressar, consolar", afirma Benoît Raphaël.

Os usuários enviam desenhos, emoticons, mensagens e corações. "A rede é usada como lugar de ajuda mútua, instrumento colaborativo, como na operação Portas Abertas de Bruxelas, como aconteceu em Paris", prossegue.

Em Bruxelas, por exemplo, as hashtags #OpenHouse (casa aberta, em inglês) e #PorteOuverte (portas abertas, em francês) foram usadas para acolher pessoas que ficaram bloqueadas nas ruas sem ter como chegar em casa.

Mas a circulação dessas imagens pode amplificar os medos, adverte John Brewer, professor especializado em conflitos na Queen's University de Belfast.

Segundo o professor, as redes sociais derrubaram o mecanismo de distanciamento que praticamos para nos proteger de acontecimentos ultra-violentos.

"Estamos expostos a traumatismos mais importantes do que antes, pois a violência é registrada nos telefones de gente presente no local, o que pode traumatizar todo mundo".

"No entanto, as redes facilitam que todos troquem a angústia, o que a torna mais difícil de suportar", alega Brewer.

Para o sociólogo, especializado em conflitos no Sri Lanka e na Irlanda do Norte, as sociedades podem aprender a viver com o terror.

"As pessoas continuam a vida normal, tentando tomar distância dos que sofrem mais. Mas as redes sociais apagam este processo de distanciamento, afirma.


Endereço da página:

Links no texto: