Folha de S. Paulo


A promessa da inteligência artificial está se concretizando devagar

Divulgação/Associated Press
O supercomputador Watson, da IBM, famoso por ter ganhado o show televisivo de perguntas
O supercomputador Watson, da IBM, famoso por ter ganhado o show de perguntas "Jeopardy!" nos EUA

Quando o computador Watson, da IBM, triunfou sobre os campeões humanos no programa televisivo de conhecimentos gerais "Jeopardy!", a vitória foi uma realização deslumbrante que sugeria horizontes ilimitados para a inteligência artificial.

Pouco depois, os líderes da IBM decidiram trabalhar para converter o Watson de projeto científico celebrado em negócio lucrativo, começando pelo setor de saúde.

Mas os primeiros anos que se seguiram à sua vitória no programa de TV provaram ser uma lição de humildade para o Watson. Hoje, os executivos da IBM admitem com franqueza que a medicina se provou um ramo mais difícil do que imaginavam. Os custos e frustrações se acumularam, nos primeiros projetos conduzidos com o supercomputador. Eles passaram por reduções de escala, mudanças de foco e, em alguns casos, cancelamento.

As dificuldades iniciais do IBM com o Watson apontam para o fato decepcionante de que comercializar uma nova tecnologia, por mais promissora que seja, costuma acontecer passo a passo, e não em grandes saltos.

A despeito dos desafios que a IBM veio a ter de enfrentar, a vitória televisiva do Watson –que comemora cinco anos neste mês– ajudou a alimentar o interesse do público e do resto do setor de tecnologia quanto à inteligência artificial.

Os investidores do setor de capital para empreendimentos despejaram dinheiro em empresas iniciantes do ramo, e grandes companhias como Google, Facebook, Microsoft e Apple vêm adquirindo empresas de inteligência artificial em começo de atividade. Esses investimentos atingiram os US$ 8,5 bilhões no ano passado, mais de 350% acima do movimento de 2010, de acordo com a Quid, empresa de análise de dados.

PICO DA EMPOLGAÇÃO

Os engenheiros de software com capacitação no campo da inteligência artificial são tratados como astros do esporte, e causam guerras de contratação entre os interessados em seus serviços.

"Estamos definitivamente vivendo um pico de empolgação, agora", disse Jerry Kaplan, cientista da computação, empreendedor e escritor que foi um dos fundadores de uma companhia de inteligência artificial nos anos 1980, há muito extinta. "As expectativas estão muito adiante da realidade".

O termo inteligência artificial há muito é um dos temas recorrentes da ficção científica –na forma de máquinas capazes de pensar autonomamente e que ajudam a humanidade, ou de criações ingratas que tentam nos exterminar. Ou é assim que o narrativa parece correr, no cinema.

A realidade, porém, é um tanto menos dramática. Aquela voz automatizada que tenta responder suas perguntas, em seu smartphone? Ela é uma forma de inteligência artificial. A tecnologia também está sendo aplicada a complexos problemas de negócios, como identificar tendências para a pesquisa sobre o câncer.

O campo da inteligência artificial remonta ao início da era da computação, e passou por ciclos de otimismo e de desilusão desde então, encorajado por alguns robôs do cinema e por um candidato de muito sucesso em um game show televisivo.

A história da tecnologia dita aos investidores em inteligência artificial que persistam. Os veteranos do Vale do Silício argumentam que as pessoas rotineiramente superestimam o que pode ser feito com uma tecnologia nova em três anos, mas subestimam o que pode ser feito em 10 anos.

Previsões feitas nos anos 1990 sobre a maneira pela qual a World Wide Web, recém-criada, abalaria as fundações da mídia, publicidade e varejo se confirmaram, por exemplo. Mas isso só veio a acontecer uma década mais tarde do que o previsto, depois do grande colapso das empresas de Internet na virada do século.

A inteligência artificial de hoje, dizem até mesmo os otimistas, está no começo de um ciclo parecido.

"Creio que as gerações futuras contemplarão a revolução da inteligência artificial e compararão seu impacto ao do motor a vapor ou ao da eletricidade", disse Erik Brynjolfsson, diretor da Iniciativa para a Economia Digital na Escola Sloan Administração de Empresas, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). "Mas, é claro, serão necessárias décadas para que essa tecnologia dê todos os frutos de que será capaz".

Existem motivos para entusiasmo. Os computadores continuam a se tornar mais baratos, enquanto ao mesmo tempo se tornam mais potentes, o que facilita processar grande volume de dados em um instante. Além disso, sensores, smartphones e outros aparelhos estão em toda parte, alimentando computadores com mais e mais informações e permitindo que eles aprendam mais e mais sobre nós.

No último ano ou dois, pesquisadores realizaram rápidos avanços, utilizando uma técnica de aprendizado mecânico conhecida como "aprendizado profundo" para melhorar o desempenho de software que reconhece imagens, traduz idiomas e compreende fala. O trabalho foi conduzido tanto em empresas iniciantes quanto em grandes companhias como Google, Facebook e Microsoft, e também por universidades e centros privados de pesquisa como o Instituto Allen para a Inteligência Artificial.

"Houve progresso surpreendente quanto aos problemas de percepção, visão, audição e linguagem", disse Peter Lee, vice-presidente da Microsoft Research.

SAÚDE

Na Enlitic, uma companhia iniciante de San Francisco, Jeremy Howard, seu fundador e presidente-executivo, acredita que a inteligência artificial possa transformar o imenso setor de saúde, salvando vidas e economizando dinheiro - uma ambição semelhante à da IBM. "Mas esse é um projeto com duração de 25 anos", ele disse.

A Enlitic está se concentrando inicialmente na radiologia. As imagens médicas existem quase todas em forma digital, aponta Howard, e a incansável varredura em busca de sinais que revelam anomalia nos tecidos é uma tarefa para a qual a tecnologia de reconhecimento de imagem desenvolvida com métodos de aprendizado profundo é muito apropriada.

A companhia testou seu software usando um banco de dados sobre 6.000 diagnósticos de câncer de pulmão, tanto negativos quanto positivos, obtidos por radiologistas profissionais. Em uma pesquisa que deve ser publicada em breve, o algoritmo da companhia se provou 50% mais preciso que os radiologistas humanos, afirma a Enlitic.

Nenhuma empresa conduziu um esforço tão amplo ou duradouro de comercializar sua tecnologia de inteligência artificial quanto a IBM, no caso do Watson. A companhia estabeleceu o computador como uma unidade separada de negócios em 2014, e investiu bilhões de dólares em acelerar o desenvolvimento e adoção da tecnologia, o que inclui a aquisição de diversas empresas. A unidade agora conta com 7.000 trabalhadores.

A tecnologia do Watson foi totalmente reformulada. Nos dias do "Jeopardy!", o computador ocupava uma sala inteira. Hoje, ele é um software de nuvem, acessado via Internet dos servidores remotos em que o está instalado. O software do Watson foi dividido em dezenas de componentes separados de inteligência artificial, entre os quais um classificador de linguagem, um conversor de texto em fala e um sistema de reconhecimento de imagens.

A IBM está tentando posicionar o Watson como o equivalente a um sistema operacional de inteligência artificial, uma plataforma de software que outros podem usar para criar aplicativos. Cerca de 80 mil desenvolvedores baixaram e testaram o uso do software. A IBM hoje tem mais de 500 parceiros setoriais, de grandes empresas a start-ups, em setores como a saúde, serviços financeiros, varejo, bens de consumo e serviços judiciais.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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