Folha de S. Paulo


Com chip implantado na mão, russo abre portas sem encostar nelas

Bruno Scatena/Folhapress
Mão de Evgeny Chereshnov, palestrante da Campus Party que implantou um chip em baixo da pele
Mão de Evgeny Chereshnov, palestrante da Campus Party que implantou um chip em baixo da pele

"Se você tivesse colhões, não iria doer tanto", foi o que o tatuador disse a Evgeny Chereshnov enquanto implantava um chip em sua mão esquerda. Um ano atrás, "Che" começou um experimento para testar as implicações da simbiose entre homem e máquina. "Bom, não tem mais volta. Você queria mudar o mundo, então vá em frente!", anotou o russo no primeiro post de seu blog, o "Diário de um Homem Biônico".

Hoje, o dispositivo de 2 mm por 12 mm que fica sob sua pele, entre o polegar e o dedo indicador, permite que as portas dos laboratórios restritos da Kaspersky Lab, a fabricante de antivírus onde "Che" é diretor global de produtos, se abram automaticamente. Nada de chaves, cartões, senhas ou qualquer mecanismo biométrico. Usando a mesma tecnologia de radiofrequência disponível em smartphones, o russo pode dizer às máquinas a sua volta que ele é ele mesmo.

O homem biônico esteve no segundo dia da Campus Party, encontro tecnológico que começou nesta terça-feira (26) e vai até domingo (31), em São Paulo.

"Eu gosto de pensar em mim como um jedi agora", brincou ele durante sua fala no palco principal do evento, que estava lotado –com campuseiros assistindo de pés nas laterais.

Na palestra, ele explicou como o chip pode significar algo revolucionário: liberdade digital. "Para mim, o que estamos vivendo agora é um feudalismo digital, quase como a série 'Game of Thrones', no qual poucas empresas tem o controle de todos os nossos dados", explica. "Eles sabem tudo sobre nós e usam isso para benefício próprio."

Há algumas dificuldades. Uma delas é que, para criptografar as informações armazenadas, o chip precisaria de um CPU ("Vocês são gamers, sabem do que eu estou falando", disse à audiência lotada), que, por sua vez, teria que ter um processador capaz de ser resfriado e carregado.

Sobre a questão da segurança de ter um chip com todos os seus dados implantado no corpo, Che é cético: "eu ouço muito essa pergunta sobre o que acontece se alguém cortar a minha mão, mas, sinceramente, se alguém está cortando a minha mão, o chip é a última coisa com que eu vou me preocupar."

Leia abaixo entrevista concedida à Folha:

Bruno Scatena/Folhapress
Evgeny Chereshnov lotou um auditório da Campus Party nesta quarta (27)
Evgeny Chereshnov lotou um auditório da Campus Party nesta quarta (27)

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Folha - De onde veio essa ideia?

Evgeny Chereshnov - Para dizer a verdade, a ideia surgiu em um bar, às 3h da madrugada. Eu estava tomando cerveja com um amigo da Kaspersky. Nós estávamos conversando sobre os problemas contemporâneos que a humanidade está enfrentando com a internet das coisas e a quantidade de dados privados sendo distribuídos, sem qualquer tipo de controle.

A maioria das empresas não coloca a segurança e privacidade em primeiro lugar. Elas querem resolver um ou outro problema dos usuários e ganhar dinheiro com isso. Nós resolvemos mudar isso. A ideia por trás do biochip é como chamamos atenção para isso –mas não só em uma conversa de empresa para empresa. Queremos uma conversa transparente com todos sobre privacidade e proteção de identidade. E nós percebemos que só havia uma maneira: fazer isso na prática, não apenas na teoria. Então eu me tornei voluntário para entender como é fazer parte da internet das coisas.

Daqui a alguns anos nós vamos ver o nascimento, além da internet das coisas, da internet das pessoas?

Já está acontecendo. As pessoas já estão usando os dispositivos vestíveis, como o Apple Watch e o Fitbit, e eles estão monitorando dados vitais, estatísticas, posição, entre outras coisas. Nós também já estamos produzindo artefatos simbióticos como mãos e pés biônicos. Já temos seres parte máquina, parte humano, andando entre nós. E vamos ver essas coisas mais e mais porque as pessoas querem simplificar a vida e evoluir.

No começo, foi esquisito ter um item estranho no corpo. Depois de um tempo, eu me acostumei com o fato de ter um dispositivo sob a pele, com memória e antena. E ficou cada vez mais fácil. De repente, as portas se abriam e eu não precisava mais carregar chaves e crachás. Imaginar a vida sem isso é que ficou mais difícil.

No futuro, as pessoas não vão resistir a algo como o que você fez?

O ponto de fazer o que estou fazendo agora é tornar esse tipo de coisa segura para as pessoas. Meu trabalho é assegurar que isso seja protegido, criptografado e que os dados tenham backup caso aconteça alguma coisa. Hoje, isso ainda não é possível, e é por isso que eu estou sendo a cobaia. Mas não acho que as pessoas vão resistir para sempre.

A maioria das pessoas com quem falo, na verdade, apoia esse tipo de tecnologia. As pessoas querem simplicidade. No momento em que puderem trocar o passaporte, o cartão, dinheiro, crachás, chaves, e todo o tipo de porcarias que carregamos, elas vão querer fazer isso. As pessoas preferem simplicidade.

Claro, muita gente vai pensar: "Mas o governo vai poder me espionar!". Bom, os governos já estão fazendo isso. Nós carregamos nossos smartphones o tempo todo. É possível saber onde está uma pessoa a todo momento, saber quem ela é, com quem está conversando. Eu vejo essa nova tecnologia como um momento para mudar esse jogo. O caso com os iPhones e Android é que já clicamos no botão "Eu Concordo", e então as empresas são donas dos nossos dados –não nós.

O que estamos tentando fazer é inverter o jogo. Queremos que empresas e desenvolvedores sejam quem aperta o botão "Eu Concordo". Que as companhias concordem em usar os dados do usuário nos termos do usuário. É por isso que estamos tentando fazer do processo o mais público possível. Queremos envolver as pessoas na discussão.

Na abertura da Campus Party, um dos cofundadores do encontro ofereceu uma visão assustadora do futuro, em que máquinas roubariam nossos empregos. E disse que precisamos pensar sobre isso. Nos misturar com as máquinas seria uma solução, no lugar de competir com elas?

Não acredito que as máquinas vão de fato nos substituir. Elas podem alcançar patamares inimagináveis em termos de quanta informação podem processar, mas nunca vão ter personalidade. Talvez esteja se aproximando uma era em que vamos perceber que a relação simbiótica com o computador seja um processo de evolução orgânico. Em vez de ter medo das máquinas, manteríamos o controle. Nós as usaríamos como ferramentas em vez de obedecer a elas passivamente.

Há uma chance de que os computadores cheguem a um estágio tão sofisticado que seria impossível que pudéssemos controlá-los. Se uma máquina for suficientemente inteligente para criar seus próprios programas e algoritmos, ela poderia evoluir a passos muito mais largos do que a humanidade. Se perdermos esse controle nesse cenários, estaríamos fadados a desaparecer.

Mas o ponto é: em vez de ter medo, é preciso pensar em soluções. Como faremos para continuar mais inteligentes que as máquinas? Se uma relação simbiótica com elas for o necessário, então vamos fazer isso.


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