Folha de S. Paulo


Natureza humana é empecilho para os carros que se dirigem sozinhos

Elizabeth D. Herman/The New York Times
Teste drive em protótipo de carro autônomo da Nissan em ruas de Sunnyvale (EUA)
Teste drive em protótipo de carro autônomo da Nissan em ruas de Sunnyvale (EUA)

Os entusiastas dos automóveis, depois de ouvirem executivos do setor discutindo a tecnologia incluída em seus veículos para que eles funcionem sem motoristas, mereceriam ser desculpados se terminassem acreditando que carros robotizados sairão sozinhos das concessionárias, em breve.

Carlos Ghosn, presidente-executivo da Renault-Nissan Alliance, anunciou em um evento de mídia no dia 7 de janeiro, no laboratório de pesquisa de sua empresa no Vale do Silício, que a Nissan lançaria 10 veículos autoguiados nos próximos quatro anos.

Elon Musk, presidente-executivo da Tesla Motors, foi além. Em conversa telefônica com jornalistas, ele afirmou que o Autopilot, um recurso introduzido no Modelo S da Tesla, lançado no final do ano passado, "no momento provavelmente dirige melhor que uma pessoa".

Musk disse também que, dentro de um ou dois anos, seria tecnicamente viável chamar um Tesla para apanhar seu motorista do outro lado do país.

Mas existe um crescente descompasso entre o que esses executivos vêm dizendo e o que a maioria das pessoas pensa ao ouvir as descrições dos executivos e cientistas sobre os carros autônomos ou autoguiados.

O que Musk e Ghosn estão descrevendo são carros dotados de capacidades avançadas que podem ajudar o motorista ou se autoguiar em situações complicadas, como balizas em ruas movimentadas.

Os carros verdadeiramente autônomos fazem todo o trabalho, como os veículos arredondados que o Google vem testando na região de sua sede no Vale do Silício, e estão a pelo menos uma década de distância de transportar pessoas pelas ruas de uma cidade, disse Xavier Mosquet, sócio-sênior do Boston Consulting Group e diretor-executivo do escritório da consultoria em Detroit.

"Será uma viagem, e uma viagem razoavelmente longa", ele disse.

E essa viagem tem implicações financeiras cada vez mais significativas. No ano passado, o Uber anunciou planos para abrir um centro de pesquisa de veículos autônomos adjacente à Universidade Carnegie Mellon. A General Motors investiu recentemente US$ 500 milhões na Lyft, principal concorrente do Uber, com o objetivo de criar uma rede de veículos autônomos para atender a chamados. E seguem os boatos de que o Google e a Ford estão formando uma parceria para produzir veículos autoguiados.

A Casa Branca também entrou na conversa. A proposta de orçamento do presidente Barack Obama para o próximo ano-fiscal inclui US$ 4 bilhões, em 10 anos, para pesquisas relacionadas a veículos autônomos.

Anthony Foxx, o secretário do Transporte, disse que o governo removeria obstáculos ao desenvolvimento de veículos autônomos e estabeleceria novas diretrizes quanto a eles nos próximos seis meses.

Os carros estão começando a se dirigir sozinhos em certas situações e nos próximos anos farão cada vez coisas mais sob o controle de seus computadores. Eles conseguirão se dirigir em estradas sinuosas, mudar de faixa de rodagem, atravessar cruzamentos, dar a partida e parar sozinhos.

Mas requererão supervisão humana. Um aspecto importante é que, em muitas situações, os carros dirão aos motoristas humanos que "opa, é hora de você assumir o volante", quando encontrarem situações complexas ou emergências.

No setor automotivo, isso é conhecido como o problema da transferência de controle, e os engenheiros automotivos reconhecem que não há solução fácil. Os projetistas de automóveis ainda não encontraram uma maneira de fazer com que um motorista distraído por estar escrevendo mensagens no celular, lendo e-mails ou assistindo a um filme retome o controle e a atenção em uma fração de segundo caso isso seja necessário em uma emergência.

O perigo é que, ao induzir os seres humanos a prestar ainda menos atenção ao volante, essa tecnologia de segurança possa na verdade estar criando mais riscos.

"Toda a questão da interação com pessoas, dentro e fora do carro, expõe questões reais para a inteligência artificial", disse John Leonard, professor de engenharia mecânica no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). "A capacidade de saber se o motorista está pronto e de lhe dar aviso com tempo suficiente, na transferência de controle, é realmente espinhosa."

As limitações do Autopilot, que a Tesla descreve como dotado da capacidade de "dirigir automaticamente pela estrada, mudar de faixa e ajustar a velocidade de acordo com o tráfego", ficaram claramente visíveis em um test drive recente na companhia de Sebastian Thrun, especialista em robótica e inteligência artificial que deu início ao projeto de carros autoguiados do Google.

Ainda que Thrun tenha deixado o Google, ele continua envolvido no campo da inteligência artificial. Descreve-se como entusiástico proprietário de um Tesla. Em um test drive recente, o pesquisador catalogou diversas das limitações e erros do carro, entre os quais ele descreveu "intervenções críticas", nas quais é requerido que o motorista humano retome o controle, em determinadas situações.

O Tesla se saiu bem dirigindo em rodovias, e a companhia recentemente corrigiu um bug que o fazia perder a direção inesperadamente em rampas de saída de vias expressas. Mas nas ruas da cidade e em estradinhas rurais, o desempenho do Autopilot pode ser descrito como arrepiante. O carro, que usa apenas uma câmera para acompanhar a via de rodagem, identificando marcadores de faixas, não dobrava as curvas de maneira elegante, e tampouco reduzia a velocidade na aproximação para as curvas.

Em uma recente viagem de 350 km de Lake Tahoe a Palo Alto, Califórnia, Thrun disse que se viu forçado a intervir mais de uma dúzia de vezes.

A companhia anunciou em 9 de janeiro ter introduzido uma nova versão do software Autopilot que oferecia tanto restrições quanto melhoras na condução.

Elizabeth D. Herman/The New York Times
Sistemas usados no protótipo do carro autônomo da Nissan
Sistemas usados no protótipo do carro autônomo da Nissan

Como o Tesla, os novos modelos autônomos da Nissan ainda requererão supervisão humana e não se autoguiarão em todas as condições. Os engenheiros da Nissan reconheceram que mesmo os mais avançados modelos da montadora não serão autônomos em todas as situações, entre as quais nevascas, temporais e até mesmo certos percursos noturnos.

"Existem certas limitações, a depender das condições do tempo. Por exemplo, se você estiver em meio a uma nevasca ou chuva, não pode haver condução autônoma", disse Tsuyoshi Yamaguchi, vice-presidente executivo de desenvolvimento de tecnologia na Renault-Nissan. "Devemos garantir que o veículo reconheça o fato e alerte o motorista."

A situação se complica ainda mais por conta de leis e regulamentos que requerem que veículos sejam operados por seres humanos. Na Europa, a Convenção de Viena, assinada em 1968, requer que "todo veículo ou combinação de veículos em movimento tenha motorista", e que "todo motorista deve estar em condição de controlar seu veículo a cada momento". Ainda que uma emenda tenha sido proposta, não há legislação nova em vigor até o momento.

Nos Estados Unidos, o Google começou uma forte campanha de lobby junto aos Estados do país, em 2011, Mas a empresa admitiu um revés neste ano quando o Departamento de Trânsito da Califórnia promulgou um anteprojeto de regulamentação que requer a presença de um ser humano habilitado a dirigir dentro do veículo.

Nada disso desencorajou alguns proprietários entusiásticos de Teslas. Doug Carmean, projetista de computadores da Microsoft que vai todo dia de carro de Seattle a Redmond, no Estado de Washington, disse ter sido exposto ao bug que desviava o Tesla para a rampa de saída da via expressa, e o definiu como "assustador".

Mas cerca de 45 minutos de seu percurso diário são uma jornada lenta, repleta de paradas, e seu carro segue o veículo adiante de forma previsível e sem esforço, permitindo que ele use a gigantesca tela do Tesla para navegar na Web.

"Ainda que haja momentos assustadores, aprendi a curtir", ele disse. "É um senso de espanto e prazer."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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