Folha de S. Paulo


Apps filmam usuário para ajudá-lo a ter 'postura perfeita' ao fazer esportes

Hudl Techniques/The New York Times
Hudl Technique, um aplicativo que ajuda a analisar sua postura durante diversas atividades físicas
Hudl Technique, um aplicativo que ajuda a analisar sua postura durante diversas atividades físicas

Meu marido e meu iPhone não concordam em relação ao meu treino de corrida. Meu marido, que me observa criticamente e me filma enquanto corro para lá e para cá em nosso quintal, me disse que tenho que ficar com a cabeça erguida e não posso chacoalhar os braços como Jerry Lewis em "O Professor Aloprado".

Meu novo aplicativo para o iPhone disse que minha passada estava "fabulosa".

Essa discordância me diz muita coisa sobre a atual situação dos aplicativos de treinamento mais ambiciosos, especialmente porque uma das avaliações foi mais precisa que a outra, e não foi a do celular.

Muitas das pessoas que praticam esportes se preocupam com a forma física. Estar em forma é desejável e quase todo mundo concorda que isso é um indício de que você tem mais chances de praticar corretamente seu esporte de preferência, além de ter menos chances de lesão.

Entretanto, essa não é uma tarefa fácil. Atletas de ponta geralmente contam com uma série de treinadores e consultores de biomecânica que os analisam regularmente para ajustar sua forma.

A maioria das pessoas não conta com esse tipo de recurso e, no passado, a única opção era o conselho de parceiros de treinamento e cônjuges. Contudo, nos últimos tempos muitos de nós começamos a recorrer a simples aplicativos de smartphone que exibem vídeos e animações que nos mostram o que seus desenvolvedores acreditam ser o modo correto de praticar nosso esporte, seja ele tênis, golfe, beisebol, halterofilismo, basquete, futebol, natação, corrida ou praticamente qualquer outra atividade física.

SUA IMAGEM

Mas agora, uma nova geração de aplicativos vai dar um passo além de fornecer uma avaliação personalizada da sua forma física, aliada a sugestões de como melhorá-la. Esses aplicativos, com nomes como RunForm, BarSense, e Hudl Technique, geralmente exigem que você filme a si mesmo enquanto saca, agacha, rebate, arremessa, levanta, corre, ou pratica qualquer outra forma de exercício.

Em seguida você joga o vídeo no aplicativo e ele permite que você se observe em câmera superlenta, quadro a quadro, com comentários ao fundo; sobrepõe sua tacada ou saque à imagem de um atleta profissional que realiza o mesmo movimento; ou utiliza cálculos geométricos e algoritmos complicados para exibir linhas e círculos em torno do seu corpo, avaliando como você se movimenta e comparando ao movimento ideal.

Basicamente, esses aplicativos comparam sua tacada, saque ou rebatida com um movimento hipoteticamente perfeito, dizendo como você se desviou daquele modelo.

Em geral, esses aplicativos baseiam seus retratos de boa forma naquilo que os desenvolvedores consideram serem as melhores práticas de treinamento do esporte em questão.

Por exemplo, o aplicativo BarSense, voltado para halterofilistas, mistura "avaliação, experiência, estudos e a boa e velha física" para ver como os usuários deveriam levantar pesos e fazer agachamentos, afirmou Martin Drashkov, o engenheiro de software e halterofilista que desenvolveu o aplicativo (que só está disponível para aparelhos Android).

Da mesma maneira, o aplicativo RunForm foi desenvolvido com base em "horas de estudos de técnicas de corrida", de acordo com seu site. Então, os desenvolvedores determinaram "proporções e espaços idealizados entre diferentes partes do corpo e a superfície sobre a qual você está correndo", que quanto maior for a aderência, mais rápida será a passada.

No meu caso, o RunForm, que ainda está em fase de testes, desenhou uma bolha vermelha em torno do meu pé em um quadro do vídeo e me informou que eu pisava com a parte frontal o pé, o que já me garantiu cinco estrelas no aplicativo.

"O ponto inicial de contato após a passada deve ser o meio ou a ponta do pé", de acordo com o texto exibido pelo aplicativo.

O tamanho da minha passada foi menos positivo, de acordo com o aplicativo, e era quase excessivo. "Evite que o calcanhar pouse à frente do joelho", afirmou.

Mas, no geral, o aplicativo afirmou que minha forma estava impecável.

Infelizmente, do ponto de vista científico a forma perfeita para praticamente qualquer técnica esportiva ainda não foi descoberta.

LIMITAÇÕES

"A biomecânica ideal de uma série de movimentos humanos é o Santo Graal que talvez nunca seja encontrado", afirmou Justin Keogh, professor de Ciências do Esporte na Universidade Bond, na Austrália, que fez inúmeras pesquisas e escreveu diversos textos sobre o aprendizado de técnicas e a biomecânica do golfe e de outros esportes.

O problema com a determinação da melhor forma de se mover, de acordo com Keogh, é que se você observar profissionais bem-sucedidos, muitos deles possuem técnicas extremamente idiossincráticas.

No caso do golfe, ele afirmou que "o aspecto mais importante da biomecânica é que o taco se choque com a bola da forma exata planejada pelo atleta". A força, o ângulo e a velocidade do taco precisam estar a serviço do choque perfeito entre o taco e a bola, contou.

Mas se analisarmos golfistas profissionais "cujas estatísticas são muito similares, veremos que eles utilizam técnicas de tacadas muito diferentes". Da mesma forma, qualquer pessoa assistindo a um campeonato de beisebol ou a Maratona de Nova York pode notar variações sutis em como os melhores atletas desempenham seu papel.

Assim sendo, no caso da maioria das atividades não existe uma forma única, quantificável e "ideal", afirmou Keogh, ou então todo mundo faria as coisas do mesmo jeito.

SEM ERROS

Por outro lado, muitos esportes podem ser praticados de forma muito nociva, e esses aplicativos podem nos salvar de "erros enormes", de acordo com Stuart Phillips, professor de Cinesiologia da Universidade McMaster, no Canadá, que estuda o halterofilismo e outras formas de exercício. Isso significa que os aplicativos podem ser benéficos para pessoas que estejam começando a praticar um novo esporte.

Todavia, é provável que os treinadores eletrônicos nunca sejam tão potentes quanto as versões de carne e osso. De acordo com Phillips, a psicologia da aquisição de habilidades sugere que as "pessoas aprendem por meio da imitação de comportamentos modelados por treinadores e seus retornos e correções".

Reagimos melhor a sugestões e alterações repetidas feitas por pessoas reais, não por máquinas.

"As evidências científicas sugerem que é difícil fazer correções duradouras por meio de feedbacks por vídeo", concluiu Phillips.

Por isso, se você está convencido de que precisa melhorar sua técnica, o melhor negócio é consultar um treinador, um colega ou mesmo um cônjuge bem informado, ao invés de usar um aplicativo. Todavia, para o bem da família, sugiro evitar qualquer menção ao Jerry Lewis na hora da avaliação.


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